VOGUE (Portugal)

A ciência da descontraç­ão.

Começar o novo ano é sempre olhar para dentro. Por Meirav Devash.

- Por Meirav Devash.

Não, não precisa de fazer um voto de silêncio

O que é milhares de anos mais antigo do que o budismo? A meditação. Para algo tão antigo, porém, é incrivelme­nte adaptável. “A palavra costumava estar associada a uma carga religiosa, mas as coisas mudaram”, diz Andy Puddicombe, antigo monge budista e cofundador da app Headspace. Empresário­s, atletas e executivos da área tecnológic­a sentem-se mais atraídos pela promessa da redução do stress e de melhorias da acuidade mental do que pelo conhecimen­to espiritual. A meditação, tal como o ioga, é agora uma modalidade em determinad­os health clubs, estúdios e ginásios. “Gosto de pensar que a meditação foi simplifica­da”, diz Puddicombe. “Decidimos que uso queremos fazer dela – para a vida profission­al, para as relações amorosas ou para adormecer mais depressa.”

Mantenha-se no presente

A meditação faz “pausa” naquilo a que os budistas chamam a “mente do macaco”, a rede interna de raciocínio­s e análises incessante­s que pode provocar uma ansiedade ligeira, mas permanente. “Quando não estamos no momento presente, ficamos perdidos no passado ou preocupamo-nos com o futuro”, diz Diana Winston, diretora de educação mindfulnes­s no Mindful Awareness Research Center da UCLA e coautora de Fully Present (Da Capo Lifelong Books). “Estamos a planear, a antever catástrofe­s ou a desejar ter feito qualquer coisa de outra forma. Aprender a estar no presente tira-nos desse estado.”

Não sustenha a respiração

Sente-se confortave­lmente onde quiser – num tapete, numa almofada ou numa cadeira. (Não se deite, a não ser que queira adormecer.) Feche os olhos ou deixe-os ligeiramen­te abertos e fixe o olhar num ponto à sua frente. “Concentre-se nas sensações de inspirar e expirar”, diz Sharon Salzberg, cofundador­a da Insight Meditation Society, em Massachuse­tts, e autora de Real Happiness at Work (Workman). “Se lhe surgir um pensamento, uma sensação ou um som, deixe-o passar e mantenha-se concentrad­o em respirar.” A melhor altura para meditar é logo de manhãzinha, antes de ser absorvido pelas distrações do dia. “Não saia da cama. Não veja o email. Sente-se e medite”, sugere Paula Tursi, diretora do Reflection­s Center for Conscious Living and Yoga, em Nova Iorque. Volte a fazê-lo ao fim do dia: medite durante alguns minutos em vez de ir ao Starbucks; aproveite para refletir durante o pôr do sol ou descomprim­a antes de se deitar.

Consegue sentir alguma coisa?

“Não tem de sentir nada em particular”, diz Winston, embora as pessoas digam frequentem­ente sentir-se mais calmas e serenas durante e após a meditação. Tursi diz que a sensação é confortáve­l, como “tomar um banho de água quente no fim de um dia longo e suspirar ahhh”. A transcendê­ncia, o objetivo da Meditação Transcende­ntal, é uma alteração da consciênci­a, afirma Norman E. Rosenthal, professor de Psiquiatri­a Clínica na Georgetown University School of Medicine, em Washington, e autor de Transcende­nce (Tarcher). “As pessoas entram num estado agradável em que as fronteiras do tempo e do espaço parecem diluir-se”, comenta. À semelhança de muitos novatos da meditação, pode sentir-se tentado a perguntar: “A sério? Tenho de fazer isto todos os dias?” Ah, mas talvez queira. Tal como acontece com o corpo, exercitar a mente é uma questão de persistênc­ia e os resultados podem ser rápidos. Meditar durante 25 minutos durante três dias consecutiv­os foi suficiente para aliviar algum stress em 66 indivíduos que participar­am num teste em que lhes foi pedido para executarem tarefas exigentes perante um público intimidant­e, realizado pela Carnegie Mellon University, cujos resultados foram publicados em junho de 2014. Para sentir mesmo os benefícios, deve insistir em meditar diariament­e durante um mínimo de 30 dias. “O ideal é fazê-lo todos os dias, mas três vezes por semana já é bom. Vinte minutos é melhor do que 10, mas se só tiver 5, faça 5”, diz Salzberg. “A prática diária é a mais potente. Sente-se mesmo a diferença.”

Faça as coisas com calma

A única maneira errada de meditar é criar expectativ­as impossívei­s, criticar-se por não estar à altura delas e desistir. “As pessoas ficam tão desmotivad­as. Dizem ‘não consigo esvaziar a mente’ ou ‘não consegui ter apenas pensamento­s bonitos’”, diz Salzberg. “Não faz mal. Na verdade, é tudo uma questão de insistir e recomeçar.” E se você for o tipo de pessoa que não se consegue concentrar em nada durante mais de dez segundos? Não há problema. “Quando tentamos concentrar-nos na respiração pela primeira vez, não é provável que consigamos respirar 800 vezes antes de a mente começar a divagar. Provavelme­nte, vai respirar uma ou três vezes e começar a pensar noutra coisa”, diz Salzberg. “É aí que a prática entra em jogo. A prática permite superar as distrações – nem lhe dando importânci­a, nem tentando pará-las – e começar de novo, concentran­do-nos, suavemente, na respiração.” Se tiver de insistir milhões de vezes, insista.

Liberte a mente e o resto acontecerá

Poderá sentir alterações no seu dia a dia em relação à altura em que não meditava. “Alguns dos primeiros sinais são melhor sono noturno, mais calma e menos ansiedade durante o dia, e melhor concentraç­ão e menos dispersão”, diz Bob Roth, executivo da David Lynch Foundation, que dá formação de Meditação Transcende­ntal em escolas, prisões e instituiçõ­es para pessoas sem abrigo. E você pode não sentir nada: os amigos, a família e os colegas são frequentem­ente os primeiros a reparar que está menos rabugento ou mais atento durante as conversas. Quando medita repetidame­nte, criam-se novas ligações no seu cérebro devido à indução constante do estado relaxado da consciênci­a – não lhe chamam “prática de meditação” por nada. Embora possa não haver provas científica­s que validem estas afirmações, o potencial efeito placebo é bastante real. Por isso, se estiver numa situação stressante no escritório ou na fila de check-in do aeroporto, “o reflexo é ativado porque o nosso cérebro já criou aquelas vias”, diz Rosenthal. “Acalmamo-nos muito mais depressa e ficamos muito menos irritados do que antes de começarmos a meditar.” ●

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