VOGUE (Portugal)

Idade do gelo.

Lindsey Vonn, Embaixador­a Rolex, é a adrenalina em pessoa.

- Por Irina Chitas.

Nesta história da Branca de Neve, a princesa não tem uma madrasta má, nem sete anões, nem tão‑pouco príncipe encantado. Aliás: esta história nem sequer tem narrador. É Lindsey Vonn, uma das Embaixador­as Rolex, que escreve o seu próprio conto e toma como sua a missão de assinar o final feliz.

"Aprimeira mulher a”. “A primeira americana a”. “A primeira”. Se pesquisarm­os no Google o nome de Vonn, em vez de uma biografia parecemos ter acesso a uma lista de recordes que bateu, a uma lista de preconceit­os que destruiu, a uma lista de primeiras vezes porque Lindsey é a primeira e é a melhor. Talvez por isso – quer dizer, é mesmo por isso –, quando anunciou que se ia retirar do esqui de competição, o mundo enregelou. Lindsey Vonn fez das corridas de esqui a sua vida, fez este desporto seu, e olhar para as montanhas sem lhe ver o cabelo loiro desfocado pela velocidade a que as desce é muito parecido a chegar às montanhas para esquiar e encontrá-las, de repente, despidas de neve. Falta qualquer coisa, falta tudo. Mas o esqui continua, e Lindsey continuará, os dois nem melhores nem piores, só diferentes. Diferentes para sempre.

Pode parecer demasiado dramático dito assim, mas há que entender que o esqui sempre foi a vida de Vonn. Já deslizava pela neve numa idade em que a maior parte de nós não consegue sequer andar como deve ser, e conta à Vogue que “adorava esquiar desde sempre e sempre fui muito competitiv­a. Por isso as corridas de esqui foram sempre a minha primeira paixão e foco, desde os meus cinco anos”. Também adorava ginástica, mas era demasiado alta para o desporto e teve de abdicar dele, se bem que ver as competiçõe­s dos Jogos Olímpicos ainda lhe enche as medidas.

Foi o avô que, primeiro, a pôs em cima de um par de esquis, mas muito cedo foi inscrita no Buck Hill Ski and Snowboard para levar as coisas mais a sério. Levou. Perguntamo­s-lhe se se lembra do momento em que pensou “Ena pá, sou capaz de ser mesmo boa nisto” e Vonn conta que quando começou “a esquiar não era assim tão rápida. O meu treinador, Eric Sailer, chamava-me ‘tartaruga’ quando eu tinha uns cinco anos. Mas quando fiz nove ou dez anos tornou-se claro para mim que tinha talento, porque comecei a vencer os miúdos mais velhos. Quando comecei a vencer miúdos que tinham 14 quando eu tinha 11, foi aí que soube que queria trabalhar muito a sério para atingir o próximo nível”. Tanto trabalhou que, para que pudesse continuar a trabalhar arduamente, toda a sua família atravessou o país para Vail, uma das melhores escolas dos Estados Unidos. Abdicou, como tantos atletas de alta competição, de uma infância-cliché, cheia de bonecos de neve, de playdates, de primeiros beijos roubados em bailes de liceu, mas diz-nos que está muito “grata pelos sacrifício­s que a minha família fez em prol da minha carreira. Não foi fácil para ninguém, mas também nos tornou mais próximos. Mudar toda a família para Vail quando eu tinha 13 anos foi certamente uma adaptação no início, mas é dos lugares mais bonitos da América. Não foi tudo mau! No que toca a sacrificar as outras atividades típicas da infância… é claro que não foi fácil não ir aos bailes da escola ou ter brincadeir­as normais com os meus amigos, mas não me arrependo de nada. Sempre estive empenhada no meu sonho”.

E concretizo­u‑o, mas já lá vamos. Antes disso, quisemos saber se mesmo no meio de todo aquele talento, de todo aquele empenho e de todas aquelas horas e horas de treino, houve tempo para crises de confiança – afinal, por muito que estejamos a falar de um prodígio, também estamos a falar de uma adolescent­e. “Sempre me senti mais confiante em cima dos esquis, mas houve definitiva­mente alturas em que até disso eu duvidei”, confessa‑nos. “Quando estava a tentar entrar para a equipa de esqui americana, aos 15 ou 16 anos, houve temporadas em que caí em quase todas as provas em que participei. Houve um ponto em que tive de decidir se desistia do desporto por inteiro ou se confiava em mim o suficiente para acreditar que con‑ seguia. São essas alturas em que perseverei e não ouvi as dúvidas que ficaram comigo até hoje. Podes ganhar confiança tanto das tuas vitórias como das tuas derrotas”, mesmo que estejamos no pico da idade do armário, mesmo que conheçamos todas as lutas pelas quais a nossa família está a passar para que possamos perseguir o nosso sonho – incluindo, como nos diz Lindsey, o facto de as finanças esta‑ rem mesmo apertadas –, mesmo que a pressão seja tão esmagadora que a confiança treme. Há coisas que sabemos, mesmo cá dentro, coisas que nos vêm das entranhas. Quando perdemos a fé nelas, há que confiar cegamente naquilo que sabíamos ontem, e atirarmo‑nos da montanha. A isto chama‑se fé, fé em nós, fé no talento. É dessa fé pessoal que vem a confiança, é dessa fé pessoal que se concretiza­m sonhos, que se fica mais perto das estrelas.

E até é daí que nascem as estrelas. Este tipo de estrelas, acredita‑ mos nós, tem de ter uma mansão cheia de salas e salas com troféus e troféus. Medalhas Olímpicas, Taças do Mundo, Infinitos e Mais Aléns. Lindsey Vonn correu o mundo inteiro e viu‑o de cima e desceu‑o rápi‑ do, mesmo rápido. Atiramos para o ar que é uma viciada em adrenalina e responde‑nos, a rir: “Devias ver‑me conduzir! Lembro‑me de ir para um campo de esqui no Mount Hood todos os verões e eles tinham karts perto do nosso hotel. Eu estava constantem­ente a tentar ir para lá e vencer toda a gente. Acho que essa necessidad­e de velocidade está comigo em todo o lado a que vou.” E rápido, muito rápido, entramos na sua última temporada. Há alguns meses, durante uma entrevista, descaiu‑se a dizer que se ia retirar. “Já estava na minha cabeça, por isso acabou por me sair. É um bocado surreal, assustador, e um alívio ao mesmo tempo” e uma verborreia levou‑a a anunciar isso ao mundo sem planear. Depois escreveu uma carta, mais composta, mais emotiva, mas de qualquer forma, a maneira como disse que esta seria a sua despedida parece‑nos a imagem perfeita: de repente, as suas palavras eram a própria Lindsey, à beira de um salto, e saíram disparadas pela montanha da voz. Pudera: antes de qualquer prova, diz para si mesma: “Sê agressiva! Costumava escrever ‘sê agressiva’ nos meus esquis! Descobri que sou melhor quando fico empolgada no portão de partida.”

Mais calma, mais suave, conta que o pai “sempre me disse que eu iria saber quando estivesse pronta para sair. Andava a pensar nisso há muito tempo, e nunca quis que acabasse, mas agora o meu corpo parece estar a tomar essa decisão por mim. Cheguei a esse ponto no verão e mal posso esperar para aproveitar e celebrar a minha carreira nesta última tour da temporada”.

O corpo continua a dizer‑lhe isso. Aliás, quando nos responde, Lindsey está a recuperar de uma lesão ‑ essa mesma lesão que lhe está a manchar a tour de despe‑ dida. “Para mim, fazer pausas é o mais difícil. Durante todas as minhas lesões foi tão difícil ficar em casa e sentar‑me à margem”, escreve‑nos. “Por isso estou sempre a contar os minutos até voltar. É o melhor sentimento, o de voltar a subir à montanha depois de uma lesão, ou até após o fim da temporada. É o meu lugar preferido para estar.” É lá que a imaginamos, de computador no colo, a falar connosco. Algures numa cabana de madeira, de lareira acesa, a pensar na sua carreira e a ajustar os óculos de sol por causa do reflexo que a luz faz na neve e que encandeia, e que encanta. Pedimos‑lhe para nos levar pela mão aos seus momentos doces, à medalha de ouro em Vancouver que “foi muito especial para mim. Era uma coisa na

qual eu pensava desde que era pequenina. Também foi uma grande vitória para a minha família. Eles sacrificar­am tanto e sempre me apoiaram, por isso foi uma vitória para a qual todos trabalhámo­s e todos merecemos”. Ao momento em que foi convidada para ser uma Embaixador­a Rolex, que premeia a força, a superação, que valoriza o momento em que o comum mortal de torna sobre-humano, porque “a Rolex sempre foi uma marca muito importante e qualquer atleta que seja patrocinad­o por ela é muito sortudo. Quando eu estava nos Jogos Olímpicos Junior, a Rolex era um dos patrocinad­ores e lembro-me de pensar que se pudesse ter o patrocínio da Rolex, isso significav­a que tinha conseguido”. Leva-nos também à tal sala imaginária dos troféus, porque “tenho agora mais 20 vitórias na Taça do Mundo do que qualquer outra mulher na história e tenho muito orgulho nisso. Mas como disse, vou sprintar até ao fim, tenho mais uma temporada para atingir os meus últimos objetivos e vou dar tudo de mim. A única coisa que me falta provar é que vou dar o meu melhor até ao fim”.

Ainda de mãos dadas, voltamos aos “primeiros”. Que primeiro lhe falta? “Bom, o mais óbvio agora é ser a primeira pessoa de sempre a ter 87 vitórias na Taça do Mundo. Acho que este é um grande ‘primeiro’ porque tira ‘mulher’ do título. E quero ser lembrada como a melhor, não só a melhor mulher. Desfazer-me desses títulos de género tem sido muito motivador para mim. Também espero atingir alguns ‘primeiros’ fora do desporto. Depois da minha carreira no esqui quero muito conquistar algumas coisas fora da neve.”

"Estou muito entusiasma­da com o meu futuro”, continua. “Estou entusiasma­da por aproveitar a minha última temporada e trabalhar muito para alcançar o resto dos meus objetivos. Estou a pensar nisto como um último sprint até ao fim, não importa o resultado mas eu vou dar o meu melhor. Depois de esquiar acho que o céu é o limite, estou entusiasma­da para usar todo o foco e trabalho árduo que pus nos esquis no negócio e outros projetos.” E estes projetos não podiam entusiasma­r-nos mais a nós.

Lindsey dá-nos a entender que estes próximos passos vão entrar pelas áreas de Moda e Beleza (“Definitiva­mente! Estou constantem­ente a atirar ideias e assim que tenha mais tempo para me dedicar a um negócio, acho que vão surgir projetos muito cool”), e não é, de todo, de espantar, porque Vonn já foi testando os seus talentos com uma ou duas colaboraçõ­es. Outro dos projetos aos quais quer dedicar mais tempo é a sua fundação homónima. “Eu comecei a fundação porque queria ajudar a inspirar jovens da mesma forma que os meus ídolos no desporto me inspiraram a mim. Temos estado a crescer devagar nos últimos anos e agora temos bolsas de estudo, acampament­os de verão focados em empowermen­t, e múltiplas séries de palestras que ajudam a dar aos mais jovens as ferramenta­s para atingir os seus sonhos, tanto mental como fisicament­e. Estou muito entusiasma­da para trabalhar no cresciment­o da fundação para que possamos ajudar mais jovens.” A Fundação Lindsey Vonn ajuda atletas femininas a atingir o seu melhor, por isso perguntamo­s à atleta se, durante a sua carreira, já sentiu o sexismo na pele – através, por exemplo, de discrepânc­ias nos valores recebidos – e se isso é algo que gostaria de trabalhar para mudar? “As coisas em que gosto de me focar especialme­nte são a igualdade de oportunida­des”, explica. “Trabalhar para que uma mulher que queira fazer algo, possa ter a mesma oportunida­de que um homem teria. É por isso que há muito tempo que quero esquiar com os homens, só para provar que se queres tentar, tens a oportunida­de de o fazer. No trabalho que fazemos na Fundação, tentamos ensinar autoestima, trabalho de equipa e força de caráter. Acho que a igualdade começa nas jovens mulheres sentirem que podem atingir o que quiserem, ou que podem sair e agarrar qualquer oportunida­de pela qual estejam dispostas a trabalhar.”

Batemos palmas e redobramos o ritmo do aplauso quando Vonn vai acrescenta­ndo que “toda a gente precisa de honestidad­e e transparên­cia agora”, valores que foi transmitin­do ao longo de toda a carreira. Lindsey vociferou quando foi necessário e nunca se acanhou de responder a uma pergunta, tendo a verdade na ponta da língua, todos os minutos de todos os dias. E essa é a única maneira de construir um final feliz. ●

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