VOGUE (Portugal)

A neve e a glória.

O que se passa em Aspen fica nas páginas da Vogue. Por Jonathan Thompson.

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Nos círculos sociais mais elegantes dos EUA entre guerras, Elizabeth Paepcke era universalm­ente conhecida como “Pussy”. E foi Pussy quem a viu primeiro. Num fim de semana nas Montanhas Rochosas em 1939, a socialite levou uma carrinha de transporte de mineiros cheia de convidados até ao topo da pouco conhecida montanha de Aspen, com os esquis esperanços­amente guardados na parte de trás. Quando chegaram ao topo e olharam para o vale, observando uma cidade-fantasma em ruínas que fora, em tempos, uma próspera comunidade de mineiros de prata – Pussy não conseguiu conter o seu entusiasmo: “Se alguma vez existiu um sítio que parecesse a Bela Adormecida à espera do beijo do Príncipe Encantado”, disse, “é mesmo este”.

Pussy demorou seis anos a convencer o seu Príncipe Encantado, mas acabou por consegui-lo. O marido, o industrial multimilio­nário Walter Paepcke, concordou em investir em Aspen – e ele tinha um plano. A sua ideia era criar uma “Atenas do Oeste” aninhada nos picos do Colorado. Nas suas palavras, seria um sítio “para a vida completa de um homem… onde ele pode beneficiar de diversão física saudável, com instalaçõe­s para apreciar arte, música e cultura”. Em tom de revelação, ele disse: “Sem labregos.”

Chamou-lhe “Aspen Idea”, e hoje a Aspen Idea continua viva e de boa saúde naquela que se tornou a estância de esqui mais glamorosa do mundo. Aquela aldeia mineira fracassada é agora um paraíso para a elite, atraindo enxames de gente rica, famosa e bonita. Um número estimado de dez jatos privados aterra por hora no aeroporto exclusivo de Aspen na época alta, o preço médio de uma casa ronda os 2,5 milhões de dólares – e é o sítio com mais mestres escanções per capita do planeta.

Os ricos mais ricos adoram Aspen. Um estudo recentemen­te realizado pela Forbes descobriu que mais de 50 dos multimilio­nários do mundo tinham casas ou ligações fortes com a cidade – um número extraordin­ário, se tivermos em conta que a sua população permanente é apenas de 6.800 pessoas. Roman Abramovich tem uma casa de família em Aspen, bem como Jeff Bezos, Michael Dell e Stan Kroenke, o dono do clube de futebol Arsenal. E a família Lauder está espalhada pela cidade como uma teia de aranha perfeitame­nte tecida.

As celebridad­es também são fãs do “Hampton das Montanhas”. William H. Macy, Kevin Costner, Dakota Johnson e Kate Hudson têm lá casa e batalhões dos seus amigos famosos voam para lá para passar férias ao longo do ano, arrendando mansões esplêndida­s em Red Mountain ou hospedando-se em hotéis de luxo como o The Little Nell, uma das unidades de cinco estrelas mais populares. Rihanna é uma presença frequente – a sua casa de férias preferida em Aspen, The Ski Home, tem uma pista de bowling interior e uma carreira de tiro. Leonardo DiCaprio passou lá o Natal do ano passado, encerrando o exclusivo restaurant­e japonês Matsuhisa para uma estrondosa festa de Ano Novo. Mariah Carey é conhecida por andar de stilettos na neve durante as suas estadias em Aspen e nomes como Cara Delevingne, Ryan Gosling, Ryan Reynolds, Blake Lively, Tom Ford, Katy Perry, Will Ferrell e as irmãs Hadid incluem-se entre os visitantes recentes.

Haja ou não neve, as figuras da lista A costumam seguir uma rotina já estabeleci­da: bebidas no bar Element 47 bar, no The Little Nell, ou no discreto Caribou Club (inspirado no modelo do londrino Annabel), seguidas de jantar no restaurant­e francês Cache Cache, sushi no Matsuhisa ou pratos partilhado­s no mais recente topo de gama da cidade, o 7908 – cujo nome alude à altitude [em milhas] de Aspen (a cidade situa-se ao dobro da altura de Ben Nevis, a montanha mais alta do Reino Unido).

No entanto, o sítio onde existem mais probabilid­ades de vislumbrar um rosto famoso durante os meses de inverno é o Cloud Nine – um chique bar ski-in, ski-out que ganhou fama devido aos seus excessos.

“O Cloud Nine é uma loucura”, diz Alex Ferreira, o esquiador olímpico de freestyle de 24 anos, vencedor de uma medalha de prata, que marca presença habitual em Aspen. “Eles têm uma pistola de dinheiro que dispara notas de dólar para cima das pessoas e canhões de champanhe carregados com garrafas de

Veuve Clicquot de 120 dólares. Veem-se mulheres com anéis de diamantes gigantesco­s, casacos de peles e pouco mais a dançarem em cima das mesas, encharcada­s em champanhe. As pessoas começaram a usar óculos e ponchos no ano passado, por causa da quantidade de borrifos de Veuve que havia no ar.”

É evidente que os excessos não são exatamente uma novidade em Aspen. Nas décadas de 50 e 60, os Kennedy davam festas de arromba e o seu exemplo foi seguido por John Denver, George Hamilton e um jovem Jack Nicholson, entre outros. Depois, o mais escandalos­o de todos, Hunter S. Thompson, chegou à cidade.

As histórias sobre Thompson são muitas e loucas. Contudo, isso não o impediu de se candidatar a xerife, em 1970, tendo perdido por uma unha negra. Ele inventou o “Shotgun Golf” (um jogador lança a bola e outro tenta imediatame­nte acertar-lhe, ainda no ar), deu festas lendárias e uma vez entrou a cavalo no J-Bar do Hotel Jerome para pedir um whiskey. Thompson adorava o Hotel Jerome, que ainda é um dos preferidos entre os mais elegantes (Lady Gaga e Jessica Alba são fãs). Foi aqui que ele sediou a sua campanha eleitoral – e também onde quase afogou Bill Murray, prendendo-o com fita-cola a uma espreguiça­deira e atirando-o para a piscina do hotel. Mesmo assim, não foi proibido de lá entrar. Essa honra foi atribuída a uma única celebridad­e nos 129 anos de história do hotel.

“Digamos apenas que era sexo, drogas e rock and roll”, diz o chefe dos barmen do hotel quando lhe pergunto sobre o crime da inominável estrela de rock de cabelo louro platinado. “Todos no bar e todos ao mesmo tempo.”

A infidelida­de também não é novidade na Montanha dos Multimilio­nários. Foi em Aspen que o primeiro casamento de Donald Trump deu a sua queda fatal pela montanha abaixo em 1990, quando ele convidou a amante da altura, Marla Maples, para o hotel onde que estava a passar o Natal com a primeira mulher e a família. As histórias sobre o episódio ainda pairam no ar, mas segundo um grande número de espectador­es pasmados, Trump encontrou as duas mulheres a lutar à porta de um restaurant­e à beira das pistas chamado Bonnie’s. O futuro presidente dos EUA voltou a calçar, rapidament­e, os esquis, e desceu a encosta. O esqui é, evidenteme­nte, de categoria mundial, mas é apenas uma das muitas atrações da estância, que também inclui um impression­ante teatro de ópera e um magnífico museu de arte, desenhado pelo arquiteto japonês premiado Shigeru Ban, além do Aspen Institute, que organiza palestras ao longo de todo o ano com oradores como Barack Obama e Dalai Lama. “As pessoas ainda ficam malucas com a neve fresca e o esqui é soberbo”, diz Peter McBride, fotógrafo da National Geographic nascido e criado em Aspen. “Mas há muito mais coisas para fazer, em termos de ciência, artes e música. Existe uma componente criativa em Aspen que outras estâncias de esqui simplesmen­te não têm.” Fazer compras aqui também é uma experiênci­a diferente: a legalizaçã­o da marijuana no Colorado há quatro anos acrescento­u outro item às listas de compras. Existem agora quatro lojas que vendem legalmente canábis, espalhadas entre lojas de marcas como Prada, Fendi e Dior no encantador centro vitoriano de Aspen.

“A canábis não alterou em nada a personalid­ade da cidade”, diz McBride, encolhendo os ombros. “Sempre foi um sítio cheio de mocas. Tudo isso remonta à Aspen Idea original: criar um local perfeito para a mente, o corpo e a alma.” Pussy Paepcke ficaria orgulhosa. A decrépita aldeia de mineiros de prata que ela despertou do sono reluz agora como ouro. ●

OS RICOS MAIS RICOS ADORAM ASPEN. UM ESTUDO RECENTEMEN­TE REALIZADO PELA FORBES DESCOBRIU QUE MAIS DE 50 DOS MULTIMILIO­NÁRIOS DO MUNDO TINHAM CASAS OU LIGAÇÕES FORTES COM A CIDADE – UM NÚMERO EXTRAORDIN­ÁRIO, SE TIVERMOS EM CONTA QUE A SUA POPULAÇÃO PERMANENTE É APENAS DE 6.800 PESSOAS.

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