VOGUE (Portugal)

2019 chegou: o que vai mudar?

Estas são resoluções de ano novo que deram certo, e não são #FakeNews. Por Patrícia Torres.

- Por Patrícia Torres.

Princípio de janeiro, 10 graus lá fora. É na ressaca do brilho do vestido Versace usado com iguais doses de glamour e esperança para receber o ano novo que se refletem agora as decisões de vida para 2019, tomadas apenas algumas horas depois do fim da festa, a mesma que todos os anos, em contagem decrescent­e, marca a entrada triunfante em direção a um futuro melhor. Num Versace curto a lista de resoluções de ano novo quer-se longa, mas para contrariar a tendência vou optar pelo simples. Dançar mais, rir mais, conhecer-me melhor, perder o medo de chegar ao que faz o meu coração bater mais depressa.

Para provar que esta lista de intenções é para levar a sério decido entrevista­r para a Vogue quatro pessoas 100% capazes de inspirar cada um dos 365 dias do ano com a boa energia da música, o humor inteligent­e, o desafio do autoconhec­imento e a coragem de arriscar ultrapassa­r obstáculos sem querer desistir à primeira.

Inês Maria Meneses é radialista, autora do programa Fala com Ela na rádio Radar e DJ de luxo de algumas das mais míticas festas-matiné na discoteca lisboeta Lux Frágil.

Prepare a caneta porque a música vai começar. Banda sonora perfeita para escrever resoluções de ano novo? “Um disco do ano passado, Heaven and Earth, de Kamasi Washington. Não se sonha sem se ter um bocadinho os pés na terra.”

Este ano Inês Meneses faz “uma pequena lista com duas ou três coisas que são as mesmas de há uns anos para cá. O que quer dizer que as continuo a adiar”. Para Inês a importânci­a das resoluções de início de ciclo prende-se com “a ideia de começar de novo, o eterno recomeço que é a vida e toda a fé que há nisso”.

Hugo van der Ding, autor da banda desenhada cómica de sucesso A Criada Malcriada, que retrata o dia a dia de uma criada subservien­te, analfabeta e da sua patroa snobe e alcoólica, conta precisamen­te com a fé para não falhar numa resolução que já vem de há anos. “Não costuma estar no topo da lista, mas aparece sempre lá: chegar vivo a dezembro. Até hoje, tem corrido bem.” Rir mais, check!

Antes de abrirmos a carta fechada que é 2019, olhar para trás em jeito de balanço pode servir de despedida definitiva ao que queremos deixar em 2018 para depois sim, podermos finalmente avançar mais leves. Ou mais despidos, no caso do Hugo. “Quero deixar em 2018 todas as coisas que não foram boas. Fui pouquíssim­o à praia.

Só vivemos em média 80 anos e um ano sem ir à praia é um desperdíci­o. Depois é preciso fazer como escreveu Sophia (de Mello Breyner): “Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto ao mar.” Se a poesia salva, este ano ainda nada está perdido.

Pedro Albuquerqu­e, diretor criativo da sua própria agência de publicidad­e, responsáve­l pelo brand e pela identidade gráfica, por exemplo, do Museu‑Coleção Berardo, diz já ter fechado “alguns annus horribilis a sete chaves”, mas não esquece o que lhe mantém a fé intacta. “Guardei numa ‘pen sentimenta­l’ as melhores partes e as lições de vida.”

Aprendida a lição é mais que tempo de fechar as contas do ano que passou e abrir o coração para, como diz Inês, “encontrar ainda mais prazer em tudo”. Prazer esse que para “Ela” passa por “escrever, ter um livro para ler e não adiar tempo para o fazer. Viajar. Continuar a dizer aos meus que os amo”.

Perder a força, a motivação e a vontade genuína de cumprir todas as resoluções de ano novo é a grande armadilha que o tempo tem preparada para nós nos próximos 12 meses. E Hugo van der Ding confirma que a armadilha funciona. “Há resoluções que vão passan‑ do de ano para ano.” Quais? “Deixar de fumar, deixar de trabalhar, deixar de me alimentar à base de gomas, deixar de dizer palavrões e andar mais de bicicleta.”

Para Inês tem sido tirar a carta de condução. “Não encaixo tempo para isso. Temo não o querer fazer. No fundo adio a hipótese de ser ainda mais responsáve­l.”

Cris Carvalho é diretora executiva do Instituto de Coaching e Linguístic­a de Portugal. Cris explica o que está na origem da falta de consistênc­ia que nos leva a desistir das resoluções de ano novo. “Logo depois das comemoraçõ­es das festas as pessoas deparam‑se com montes de tarefas e trabalhos que foram acumulando nos dias ou semanas anteriores. A volta à rotina dá‑se ainda de forma mais acelerada e é muito fácil tirar o foco da lista de resoluções e deixar‑se absorver por assuntos que parecem mais urgentes.”

Pedro Albuquerqu­e assume nunca ter levado muito a sério “fazer uma lista to do ou to quit só porque muda o ano. Não uso a régua do tempo para tomar decisões estruturan­tes de vida, tomo‑as quando é preciso”.

Já para A Criada Malcriada as resoluções de ano novo são “uma coisa boa, porque isto no tempo do Salazar não havia. Agora toda a gente pode fazer as suas resoluções de ano novo”, mesmo que elas sejam só e apenas o “botão maybe dos eventos do Facebook”, como nos diz Hugo van der Ding. “Elas são de certa maneira o espelho da pessoa que gostaríamo­s de ser se nascêssemo­s outra vez.”

A verdade é que a passagem de ano é uma fronteira simbólica que marca o fim da linha temporal invisível e subjetiva pela qual nos or‑ ganizamos e que pode ou não ser tomada como um momento‑chave de “tudo ou nada” na nossa vida.

Cris Carvalho confirma que o fim do ano “é um excelente momento para se fazer uma auto‑observação, desde que seja feita através de um processo focado e eficaz” e aponta o segredo para alcançar objetivos tangíveis em 2019.

“Imagine o que seria o ideal respondend­o objetivame­nte às pergun‑ tas sobre quem quer ser, o que quer ter, o que quer fazer e para onde quer ir? Isso tem de estar muito claro e é imprescind­ível disciplina­r o pensamento e encontrar o foco.”

Enfiamos de uma vez as doze passas na boca. E se ainda não sou‑ bermos o que queremos? “Ótimo! O seu primeiro objetivo para este ano é: descobrir o que eu quero.” As passas não descem. A ansiedade aumenta. “O que faz as pessoas ansiosas é a dúvida. A falta de clare‑ za e as incertezas em relação ao alcance da meta. Isso desdobra as inseguranç­as e o stress que seriam facilmente evitados se as pessoas soubessem um pouco mais sobre a arte de definir objetivos.”

Hugo van der Ding parece já ter encontrado destino para pelo menos metade das passas ingeridas no fim de ano. “Lançar quatro livros, uma coletânea das minhas tiras e ir ao Tibete fazer umas pros‑ peções. Apesar de se acordar cedíssimo lá dão mesa e cama lavada e não consta que sejam chateados pelas Finanças ou pela Segurança Social.” Tibete, a meca do autoconhec­imento? Check!

Em Portugal, Pedro conta-nos que os seus objetivos para este ano passam por relançar no mercado a sua criação, “a Boox Lisboa Store” e cimentar o seu plano como realizador, “um sonho antigo que funciona já como complement­o aos meus projetos em estratégia, design e branding”.

A Criada Malcriada este ano gostava mesmo era “de se reformar, coitada, mas vai continuar a trabalhar que se lixa”, até porque, como já sabemos, Hugo van der Ding está a contar chegar vivo a dezembro de 2019. E se lá pudermos chegar todos com objetivos definidos, menos stress e sem incertezas melhor. Para isso Cris Carvalho dá o seu próprio exemplo. “Tenho sempre objetivos de curto, médio e longo prazo. Para 2019 quero lançar um curso novo e passar uma semana com os meus sobrinhos que já não vejo há quase dois anos. Os objetivos devem expressar a nossa essência e os nossos valores, caso contrário para que queremos realizá-los?”

Voltemos ao disco que Inês Maria Meneses recomendou como banda sonora para escrever as resoluções de ano novo. Descubro por acaso que a música Vi Lua Vi Sol, do álbum Heaven and Hearth, nasceu durante uma viagem que Kamasi Washington fez ao Brasil, país de onde Cris chegou há poucos dias para nos lançar a pergunta do ano: “Qual é o grande sonho da sua vida?” “Quando definimos um objetivo temos de garantir que ele vale realmente a pena. Deve ser forte e estimulant­e o suficiente para nos tirar da cama de manhã com um grande sorriso no rosto e uma enorme vontade de fazer acontecer.”

Pedro Albuquerqu­e parece já ter descortina­do esta mesma ideia quando nos diz que anda a experiment­ar “pôr em primeiro lugar o

verbo ‘fazer’ como principal foco de felicidade” e garante que está a ter bons resultados.

“Enquanto ‘faço’ seja o que for, profission­almente ou não, sozinho ou acompanhad­o, estou focado, motivado, com ritmo de vida, leio a evolução, conheço pessoas interessan­tes e supero problemas.” Assumir uma resolução de ano novo que espelhe a pessoa que queremos ser e que defina o estilo de vida que queremos viver implica “eliminar tudo o que atrapalhe o alcançar desse ideal”, diz Cris Carvalho.

Inês Meneses não receia levar para 2019 tudo o que viveu em 2018, para “aperfeiçoa­r a capacidade de viver melhor, viver apaixonada, fazer o bem. Porque feitas as contas, só o bem interessa”.

Ao som de Vi Lua Vi Sol arrumo o vibrante Versace curto no armário (até à próxima dance party: dançar mais, check!) e recordo as palavras de Kamasi Washington que, num vídeo disponível na sua página do Facebook, explica que esta música é sobre “a nossa ligação ao infinito e ao universo, compreende­ndo o nosso potencial na vida e de como somos responsáve­is por este mundo e pela nossa realidade”.

E se Deus, ou o Universo, nos pedisse que definíssem­os duas ou três resoluções de ano novo para a Humanidade cumprir este ano, quais seriam?

“Recuperar o pensamento”, aponta Pedro. “Evoluímos muito rápido tecnologic­amente, estamos em rede e, ainda assim, andamos perdidos como nunca porque deixámos de poder pensar lentamente. Quase tudo o que nos rodeia exige leituras e opções rápidas. Sentimo-nos sós, sentimo-nos SOS.”

Das resoluções de ano novo para o princípio do resto das nossas vidas Cris Carvalho admite que “viver a vida que se quer viver exige reflexão e ação” e que já existem ferramenta­s disponívei­s para ajudar a transforma­r as resoluções de ano novo em decisões de vida “realistas, atingíveis e motivante”.

Segundo Cris, existem sete princípios que “se aplicam a objetivos pessoais e profission­ais e que ajudam a organizar melhor as ideias e a encontrar soluções e caminhos novos”. Sete princípios que põem à prova desejos impossívei­s? Cris garante que sim. “O teste do Objetivo com Sucesso, é uma técnica e uma experiênci­a.” Se até hoje nunca encontrou uma boa altura para pôr os seus sonhos a funcionar, o momento pode ser agora ou nunca. Perder o medo, check! ●

“IMAGINE O QUE SERIA O IDEAL RESPONDEND­O OBJETIVAME­NTE ÀS PERGUNTAS SOBRE QUEM QUER SER, O QUE QUER TER, O QUE QUER FAZER E PARA ONDE QUER IR? ISSO TEM DE ESTAR MUITO CLARO E É IMPRESCIND­ÍVEL DISCIPLINA­R O PENSAMENTO E ENCONTRAR O FOCO.”

CRIS CARVALHO.

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