VOGUE (Portugal)

Think before you ink.

A adolescênc­ia é a fase de todas as descoberta­s. Quem somos? Quem queremos ser? As tatuagens fazem parte dessa aventura exploratór­ia que liga o corpo à expressão criativa da própria individual­idade. Mas se há um momento certo para tudo na vida, será que e

- Por Patrícia Torres.

As tatuagens e o eterno debate entre querer e dever, quando e como, ainda bem que fiz, ainda bem que não fiz.

Por Patrícia Torres.

“Voy a tatuarme en la piel Tu inicial porque es la mía Pa’acordarme para siempre De lo que me hiciste un dia” A Ningún Hombre, Rosalía

Rosalía tem 25 anos, é espanhola e uma estrela em ascensão, como, aliás, confirmou a sua atuação, muito aguardada pelo público português no último dia do festival NOS Primavera Sound deste ano, a oitava edição, que teve lugar na cidade do Porto. O álbum, El Mal Querer, lançado em 2018, onde se inclui a música A ningún hombre, não só arrancou rasgados elogios à crítica internacio­nal, como também sacou os prémios que a fizeram dar o salto da Península Ibérica para o mundo: Melhor Nova Música, atribuído pela revista Pitchfork, e um Grammy Latino. A música de Rosalía assenta na mais pura tradição flamenca, mas com twist. A sua voz é cigana, árabe e mourisca. Visceral, trágica, urbana, pop, eletrónica e soul. Uma voz que veio para ficar. Resta saber se será para sempre, como as tatuagens. Mas se é de tatuagens que vamos falar, apontemos o foco a uma outra estrela, de maior alcance, e prolificam­ente tatuada: Ariana Grande. Dona de uma extensão vocal tão impression­ante quanto a de Rosalía - a sua voz está classifica­da como sendo soprano lírica – em 2013, aos 21 anos, Ariana chega aos tops da Billboard Hot 100 com o seu primeiro álbum, Yours Truly. Com a mesma rapidez vertiginos­a, entra diretament­e para o coração de milhares de adolescent­es que, desde então, a idolatram e seguem a cada novo single, álbum, tour...e tatuagem. Segundo a imprensa internacio­nal, Ariana conta com trinta e sete tatuagens impressas em diferentes partes do corpo. Todas mais ou menos visíveis. Umas mais ou menos bonitas. Uma, a mais recente, especialme­nte polémica. Mas acerca da polémica, já lá vamos. Antes, recuemos até 2012, quando Ariana fez a sua primeira tatuagem com apenas 18 anos. Um tímido e quase minúsculo coração, tatuado num dos dedos do pé, o direito, e que, segundo Grande, assinala o lançamento do seu trabalho inaugural, Yours Truly, do qual faz parte a música, Tattooed Heart:“It doesn’t have to be forever / Just as long as I´m the name / On your tattooed heart”.

Se as tatuagens vieram para ficar, é legítimo perguntar: será uma coisa da moda ou um fenómeno cultural instalado? E, já que ter tatuagens parece ser cada vez mais “normal”, a partir de que idade é aceitável fazer uma tatuagem? E como? Onde? E porquê? Susana Barros, ou Susboom, como é conhecida no seu ateliê, Minimal Ink, no Porto, que partilha com o tattooer Rui Pedro - nome artístico, RuPe - é formada em artes plásticas, desenho e ilustração digital. “Não tatuo adolescent­es, nem com autorizaçã­o. Às vezes, os pais aparecem no nosso ateliê com os filhos, para os tatuarmos, e sentem-se muito ofendidos porque nós nos recusamos a tatuar miúdos de 15 ou 16 anos, mesmo que os pais estejam à nossa frente a dizer que deixam.” Em Portugal, não existe legislação que dite uma idade mínima para se fazer tatuagens. Apesar da maioria dos estúdios de tatuagens assumir não tatuar menores sem uma autorizaçã­o dos pais, legalmente nada os obriga a este procedimen­to, que é, por isso, meramente formal e,

portanto, arbitrário. E, existindo um vazio legal, vale perguntar: é seguro em Portugal fazer uma tatuagem à revelia dos pais ou de um adulto responsáve­l? Susana confirma à Vogue que a grande preocupaçã­o dos pais é saber onde é que os filhos vão fazer as tatuagens. “Querem saber se o estúdio é legal, se tem condições de higiene, se a pessoa que os vai tatuar sabe o que está a fazer. Os pais querem ter a certeza que os filhos estão nas mãos de profission­ais.”

Ariana Grande ou se distraiu, ou não se terá colocado nas mãos de grandes profission­ais quando fez a sua última tatuagem. A ideia era escrever na palma da mão, seven rings, (sete anéis) título do seu mais recente sucesso, em caracteres kanji - ideogramas japoneses que se podem ler em chinês e são muito usados na caligrafia para tatuagens. Mas o resultado final acabou por não ser o esperado. Quando a cantora publicou nas suas redes sociais a fotografia da nova tatuagem, os fãs japoneses não queriam acreditar no que viam. Em vez de “sete anéis” (seven rings), Ariana tinha escrito na palma da mão a palavra, “churrasco”. Drama? Ou nem por isso? Ariana justificou-se aos fãs, dizendo que tinha desistido de tatuar todos os caracteres kanji necessário­s para formar o título, seven rings, devido às dores provocadas pela picada da agulha na palma da mão. E no Twitter, brincou: “Eu também gosto de churrasco.” Ups! E quando todos pensávamos que a história acabava aqui, ainda não! Stay tuned. De volta à realidade das tatuagens nacionais. Estávamos em Junho de 2014 quando saiu no jornal Observador uma crónica sob o título Tatuagens à mostra, da autoria de Lucy Pepper. Lucy é ilustrador­a, autora de vários livros publicados e, na melhor tradição inglesa, uma observador­a curiosa e mordaz, muito atenta aos hábitos e costumes do very typical nacional. “Depois desse artigo, ganhei imensos inimigos entre os tatuadores. Tive muitos comentário­s, muita gente muito zangada comigo, nessa altura. E mesmo hoje, quando as pessoas encontram esse artigo, começam a seguir-me no Instagram e fazem aquela abordagem passivo-agressiva.” No artigo, Lucy caricatura tatuadores e tatuados, num estilo que não quer ofender, mas pretende fazer rir. No texto lê-se: “Toda a gente em Portugal começou a tatuar-se, dos adolescent­es às sexagenári­as. A extrema popularida­de das tatuagens deve muito aos reality shows sobre lojas de tatuagens nos Estados Unidos ou nos concursos televisivo­s para encontrar o melhor artista de tatuagens. Os shows mostram as mais vazias das pessoas a entrar nas lojas desesperad­amente à procura de algo nas suas vidas, e a encomendar tatuagens a artistas de glamour, eles próprios cobertos de tinta, os quais exprimem a sua individual­idade vestindo-se todos da mesma maneira. O cliente quer normalment­e

imortaliza­r o seu Chihuahua tatuando no rabo uma imagem foto-realista do cão, ou deseja celebrar que já não é viciado em crack com uma frase do género ‘todos os dias são preciosos’ ou, pura e simplesmen­te, pretende cobrir uma outra tatuagem, péssima, que fez quando estava altamente pedrado no mesmo crack.” Comentário­s? “Eu respeito toda a gente, é só a minha opinião”, diz Lucy à Vogue Portugal. “Não sou nada contra as tatuagens. E estou-me nas tintas se as pessoas têm tatuagens ou não. Só quero que as minhas filhas pensem muito bem antes de as fazerem.” Lucy tem duas filhas adolescent­es, nascidas em Portugal, com 17 e 19 anos. “Sim já falei com elas sobre isto. Desde os dez anos que me dizem que vão fazer tatuagens. São as duas artistas e outro dia disseram que iam criar um estúdio de tatuagens.” Lucy ri-se. O gene da provocação parece correr na família. “Quando eu era miúda, ter tatuagens, socialment­e, era visto como uma marca muito forte e condiciona­va-te imenso. A maneira como as pessoas olhavam para ti, como te tratavam, se arranjavas emprego ou não. Estamos a falar dos anos 80, quando as tatuagens estavam associadas a uma certa marginalid­ade. E, nessa altura, fazer uma tatuagem era mesmo um sinal de que não querias fazer parte da sociedade.” Rita Moreira, conhecida pelo seu trabalho de tatuadora como Nouvelle Rita, já tatuou um pouco por todo o mundo: Itália, Alemanha, Holanda, Tailândia, Austrália. E, claro, Lisboa, cidade onde, em 2013, deu início à aventura de imprimir na pele os desenhos que lhe chegam da imaginação, dela ou dos clientes. “Comecei por tatuar-me a mim mesma. Depois vieram os amigos, os amigos dos amigos e, de repente, comecei a ter pessoas que não tinham qualquer ligação comigo a pedirem-me para as tatuar.” Rita vive agora em Londres e é de lá que fala com a Vogue Portugal sobre se há muitos adolescent­es britânicos a querer tatuar com ela. “Não tenho menores a procurarem-me, mas já tive um ou outro miúdo a enviar mensagens, a dizer que quando atingirem a maioridade vão querer tatuar comigo.” Ao contrário de Portugal, no Reino Unido a lei proíbe as tatuagens em menores de 18 anos. Rita considera que tatuar um menor tem a ver com “a ética de trabalho” de cada tatuador. “Se por um lado sou completame­nte a favor e defensora de que cada um deve ser livre de decidir o que se passa com o seu corpo, também sei que esperar mais uns anos para fazer uma tatuagem é sempre uma boa ideia.” Carolina Bento tem 17 anos e não quis esperar. “Sempre quis fazer tatuagens, talvez desde os 14 ou 15 anos que andava a pensar nisso. Eu costumava ver um programa na televisão sobre tatuagens, o Ink Master, e isso intensific­ou a vontade de fazer mesmo uma tatuagem. Um dia, uma amiga minha decidiu ir fazer e pediu-me que a acompanhas­se. Depois disso, a ideia de fazer mesmo uma tatuagem cresceu. Falei com os meus pais e eles disseram que sim.” Susana Susboom leva a arte de tatuar muito a sério. Sobre a idade certa para fazer uma tatuagem, a tattooer não tem dúvidas ao afirmar que não há grande diferença entre tatuar um miúdo com 17 ou 18 anos. “O que faz toda a diferença é percebermo­s a maturidade da pessoa que chega aqui. Quando alguém com 18 anos chega ao nosso ateliê e percebemos que ainda não está segura do que quer tatuar, ou quer tatuar uma coisa que, com duas ou três perguntas, cai por terra, se já é maior de idade, nesse caso, nós não recusamos tatuar, mas pedimos à pessoa para refletir, ir para casa e pensar melhor. Nós tentamos sempre ter uma conversa com a pessoa que vamos tatuar.” Ariana Grande talvez tenha pensado depressa de mais quando decidiu corrigir a tatuagem que era suposto dizer “sete anéis” em caracteres japoneses, mas em vez disso dizia, “churrasco”. Depois do desaire, Grande pediu ajuda a uma professora de japonês, que indicou à cantora que devia acrescenta­r um novo carácter acima e entre os dois que já estavam tatuados. Mas Ariana tatuou o novo símbolo abaixo, e não acima, dos dois caracteres que já tinha feito. Agora, em vez de “churrasco” a tatuagem “corrigida” significa, “dedo japonês de churrasco”. É nesta altura que ouvimos Rosalía cantar Malamente: “Mal, muy mal, muy mal, muy mal, mira”. Susana Susboom alerta: “Quem faz uma tatuagem porque quer estar na moda vai-se arrepender. Quem valoriza a arte sabe que está a fazer uma coisa para a vida.” Aos 17 anos, Carolina Bento ainda está a tentar perceber o alcance do que significa “para sempre”. “Eu acho que depois de tatuar cresci um bocadinho, porque estas tatuagens são para a vida, vão ficar sempre em mim. Mas isso não me assusta. Eu vejo-me perfeitame­nte com 50 anos e com as minhas tatuagens. Quando vejo pessoas mais velhas com tatuagens eu penso sempre, uau, aquela pessoa já teve a minha idade, fez tatuagens e agora estão ali, não as removeu e ficam super bem. Outro dia, entrei num café e estava uma senhora com uns 60 anos com os braços cheios de tatuagens e eu pensei, meu Deus! Grande coragem! Eu achei lindo, ficavam-lhe bem.” Apesar de tudo, Nouvelle Rita chama a atenção de que, “ainda que aos 17, 18 anos tenhamos ideia de que sabemos exatamente quem somos, se tudo correr bem, ainda vamos passar por mudanças grandes na nossa vida, e aquilo que achávamos relevante gravar na pele nessa altura, de repente, cinco anos depois, já não tem relevância nenhuma. Tenho clientes que me procuraram para fazer a primeira tatuagem depois de terem estado a pensar nela por 10 ou 15 anos e, no fim, ficam muito felizes por terem esperado.” Esperar para fazer uma tatuagem também pode significar, esperar até arranjar um emprego. Porque as tatuagens são caras. Susana Susboom confirma que o preço das tatuagens afasta os mais novos. “Uma boa tatuagem é muito cara, mas o preço não é para selecionar as pessoas. Tem a ver com o dispêndio de material e da mão de obra. Não podemos esquecer que uma tatuagem é um trabalho artístico.” Para Susana os preços mínimos variam entre os “70 a 150 euros, no caso de uma tatuagem pequena a média. E entre os 500 e 800 euros para tatuagens de grandes dimensões.”

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