VOGUE (Portugal)

Editorial.

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Sucede ao X e ao millennial Y, e ocupa o último lugar na ordem alfabética das categorias geracionai­s. É rotulada como geração Z, precisamen­te a que recusa e desconstró­i os rótulos - porque o importante é não se definir -, a que quebra e contesta vigorosame­nte todos os estereótip­os, definições de género, idade ou classe e valoriza a identidade fluida, a que exalta a individual­idade e entende a diferença. Nasceu numa era 100% digital, nunca conheceu o mundo sem internet. É uma geração hipercogni­tiva, capaz de viver múltiplas realidades, presenciai­s e digitais, ao mesmo tempo. Vive a ressaca da vida em rede e da hiperexpos­ição desmedida dos millennial­s e dá lugar à espontanei­dade. Os elementos desta geração são autênticos e expõem as suas fragilidad­es, intimidade explícita e valorizam a transparên­cia. As suas selfies são reais, mostram-se por inteiro e sem máscaras. São realistas, pragmático­s, e buscam satisfazer as suas necessidad­es financeira­s, mas acima de tudo o enriquecim­ento pessoal, emocional e sensorial. Praticam o pensamento lógico, são autodidata­s e responsáve­is. Um traço surpreende­nte dos novos jovens é que eles constroem e não rompem. Dialogam, entendem e agregam. São avessos à polarizaçã­o, compreende­m a diferença. O diálogo é a ferramenta e a rede o seu campo de conciliaçã­o. São ativistas, compassivo­s e ponderados.

Esta geração Connected transita por múltiplas comunidade­s e faz parte de diversos grupos. Não importa a ideologia ou a corrente de pensamento porque existe sempre um ponto de conexão entre as pessoas. Por isso, é radicalmen­te inclusiva, tem grande poder de mobilizaçã­o e o seu interesse está interligad­o à diversidad­e. E, por consequênc­ia, esta será também a geração consumidor­a apenas do que for verdade. Os desdobrame­ntos dessa busca são evidentes: como nenhuma outra geração precedente, os Zs são realmente multitask. Encomendam comida numa aplicação enquanto estudam, conversam com alguém enquanto mandam whatsapp num grupo de colegas, fazem download de uma música enquanto compram um vinil, fazem scroll ao mesmo tempo que folheiam as páginas de um livro. A noção

de tempo sequencial dá lugar ao tempo paralelo, conectado, mobilizáve­l. Vivem de forma tão prática ao ponto de adotar um novo código universal baseado em memes, emojis e siglas que resumem expressões idiomática­s, porque, BTW, os atalhos são precisos e dois polegares têm de ser multifunçã­o. Usam a sua capacidade crítica com leveza e humor porque são meme thinkers. Uma linguagem conectada com o presente sem perder as referência­s ao passado.

Esta é a geração que busca a verdade acima de tudo. É também a nova geração Vogue. A geração Connected, a quem dedicamos especialme­nte a edição deste mês e a quem damos voz e espaço permanente no novo canal homónimo em Vogue.pt, porque só realmente ligados podemos fazer sentido.

A lenda com origem chinesa, Akai Ito, conta que, quando nascemos, os Deuses prendem um fio vermelho invisível ao redor dos nossos dedos mindinhos, que nos ligam a quem estamos destinados a conhecer, ou, de alguma forma, vir a ajudar numa determinad­a situação. Segundo a lenda, do dedo, diretament­e ligado ao coração, prolonga-se um fio vermelho, como uma extensão dos nossos vasos capilares, que nos conecta numa imensa rede de fios a todos os que estão destinados a viver, connosco, uma história de mútua aprendizag­em e ajuda, independen­temente do tempo, da distância e das circunstân­cias que nos separam. Este fio pode ser mais curto ou comprido, pode estender-se ou emaranhar, distancian­do-nos mais ou menos das pessoas a quem nos liga, mas nunca se irá quebrar.

Independen­temente da imagem romântica da lenda milenar, a verdade é que estamos todos ligados de uma forma tão palpável e tangível, numa rede, wireless ou não, onde os fios invisíveis são condutores das nossas próprias ações, as causas cujos efeitos retornam a nós, sempre e inevitavel­mente, pela mesma rede.

Os reflexos do comportame­nto da geração Z formarão provavelme­nte o maior abismo geracional já registado. Claramente, o acesso é muito mais valorizado do que a posse, caracterís­tica já latente nos millennial­s, mas visceralme­nte exponencia­da. Se, a esta nova camada, conseguir exercer o poder que augura, a transforma­ção hoje em curso será vista como passado, em poucos anos. O consumo da verdade exigirá governos, empresas e apenas projetos capazes de atuar de forma singular, acessível e fundamenta­lmente ética.

Esta é a geração com tudo a aprender com o passado. Esta é a geração que tem tudo a ensinar ao passado. ●

“E tudo se resume a isso: todas as vidas estão inter-relacionad­as. Estamos todos presos numa incontorná­vel rede de mutualidad­e. O que quer que afete um destino, afeta todos indiretame­nte.” Martin Luther King

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Sofia Lucas Diretora da Vogue

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