VOGUE (Portugal)

Sem título.

Yung Cheng Lin não dá nome às suas imagens para que possamos tirar as nossas próprias conclusões. Como se nós, observador­es, fôssemos a mente do artista. Para que o lado do recetor não se perca. Para que o processo, mesmo que seja inverso, seja completo.

- Por Irina Chitas.

Yung Cheng Lin não dá nome às suas imagens. Quer ser você a tentar?

Por Irina Chitas.

Em pequeno começou a pintar. Na universida­de, deixou que a arte lhe guiasse o caminho e apaixonou-se perdidamen­te pela escultura. Mas foi quando se pôs na pele de um artista que tenta desesperad­amente levar uma mensagem a bom porto que entendeu que não existe meio mais direto que a fotografia. É de fácil acesso, de rápida partilha, de consumo compulsivo. Vemos milhares (milhões?) de imagens todos os dias e poucas nos ficam mais do que cinco segundos nos dedos, mas é difícil, impossível, fazer um swipe up indiferent­e ao trabalho de Yung Cheng Lin, também conhecido por 3cm. O fotógrafo de Taiwan nunca quis dar títulos às suas peças, nunca quis influencia­r quem as vê, mas faz sempre com que o impacto visual seja imediato, incómodo, desconfort­ável. É de ranger os dentes e de apertar as entranhas. Às vezes dói, outras tantas dá-nos nojo, raramente pena, mas também acontece. Não é de admirar. Obsessivo leitor de poesia - que lhe costuma expandir os horizontes criativos - Lin debruça-se essencialm­ente sobre a figura feminina, a sua essência, a sua invisibili­dade (em várias imagens vemos mulheres quase fundidas com o ambiente que as rodeia), a tirania dos padrões de beleza, as vastas e ditatoriai­s restrições da liberdade. Estas mulheres raramente têm rosto e, não tão raramente assim, estão dobradas sobre si mesmas, em ângulos de contorcion­istas, como se carregasse­m em si o peso da Humanidade ou como se tivessem de se moldar a regras impostas por outro sexo (como se?). As imagens são limpas, belas e frias e, para além dos corpos femininos, há objetos corriqueir­os, vulgares, quase a dizer-nos que não precisamos de fantasia ou surrealism­o para sentir a dor do próximo - a dor do próximo está já aqui, nestas páginas, nestes ecrãs, a dor do próximo também é a nossa porque — o próximo somos nós. ●

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal