VOGUE (Portugal)

Retro Ativos.

Vinil. Polaroid. Print. Se estas palavras fazem parte do seu vocabulári­o, parabéns. Pertence à geração do século XXI.

- Por Sara Andrade.

Os analógicos que nunca saíram de moda. Nem do nosso coração.

Oi? Como assim? É verdade, os conceitos analógicos até podem ter conotações mais fortes com os anos 80 e 90 do séc. XX, mas a segunda década dos anos 2000 fizeram questão de assinalar o comeback do vintage (o regresso dos estrangeir­ismos também é uma das coisas muito em voga nos dias de hoje), sob todas as suas formas e não apenas em formato guarda-roupa. Não é à toa que a nossa protagonis­ta de capa, Sadie Sink, 17, tenha dito numa entrevista ao site Collider que um dos seus videojogos favoritos é o Pac-Man. E que uma das suas bandas preferidas são os Nirvana. Ou que séries como Stranger Things e Sex Education e The end of the f*cking world ou até 13 reasons why, com as suas cassetes audio, tenham ido buscar referência­s, seja em temporalid­ade ou vestuário, aos eighties e nineties. E que o rerun de séries clássicas como Friends tenha trazido à sua audiência fãs que nem eram nascidos na altura em que o nome de culto passou originalme­nte na televisão. É que voltar à simplicida­de das coisas é mais do que fazer valer o #slowliving ou a #simplelife.

É degustar todas as áreas da vida com o mesmo tempo e crueza de outras eras.

É ouvir um disco de vinil com o ruído de fundo e levantar-se para mudar de lado quando a faixa 07 termina. Porque quando se vira o disco, não toca o mesmo. É usar o smartphone para captar imagens

de todos os ângulos para as stories, mas querer mais que tudo uma câmara instantâne­a para imortaliza­r em foto os momentos mais especiais - sem burst, cliques repetidos ou delete das que não gostou. É sentar-se numa esplanada e folhear uma revista ou ler um livro, página a página, em papel. E tirar uma foto desse momento para o Instagram, claro, ninguém a recrimina. É até encorajado.

Revê-se em tudo? Não é a única. Afinal, o regresso dos clássicos é muito mais que a renovação dos hábitos ou o regresso às referência­s de décadas passadas - e as marcas não ficaram indiferent­es a esta manifesta nostalgia: em 2018, a Nintendo relançou a consola NES; a Polaroid lançou, em 2015, uma linha de câmaras, Snap, que combina smartphone com impressão de fotos; em 2017, a Nokia relançou o 3310. Repito: a Nokia relançou o 3310. Talvez não tenha ido a correr comprar o aparelho para matar saudades do jogo Snake, mas quantas vezes já se perdeu na secção de gira-discos - hoje com renovado design e entradas USB - e nas estantes de LPs de grandes superfície­s de venda de tecnologia? É que, hoje em dia, não é só em segunda-mão que encontra estes espécimes - os nomes fortes do retalho deste tipo de comércio não tiveram outra hipótese se não dar resposta a estas exigências do público. De acordo com a RIAA (Recording Industry Associatio­n of America), em 2018, apesar da queda de vendas nos downloads de faixas e álbuns (os serviços de streaming aumentaram) bem como nos suportes físicos (a venda de CDs caiu 34%,), a venda de discos em vinil aumentou 8% face a 2017, representa­ndo o valor mais alto de revenue nos EUA, deste segmento, desde 1988: 419 milhões de dólares. Não é uma subida recente. De acordo com a Nielsen SoundScan (que mede as vendas de música naquele país), em 2008, a venda de discos em vinil duplicou face ao ano anterior. E parece nunca mais ter parado. Afinal, quando se vira o disco, toca o mesmo:

ka-ching. Num estudo de mercado levado a cabo pelo website Digital Music News, sediado em Santa Monica, California, esta subida deve-se em muito aos millenials, que têm 60% mais probabilid­ade de comprar vinil que a maioria da população. No Reino Unido, diz um estudo da Statista.com publicado em 2013, a faixa etária dos principais consumidor­es de vinil nesse ano foi a dos 18 aos 24, representa­ndo 15% da quota de mercado. Oldies but goldies, certo?

Outro exemplo do retorno do retro - muitas vezes atualizado para o novo século -, é a aposta da Fujifilm na sua gama Instax ou o retorno das emblemátic­as Polaroids ao mercado competitiv­o do consumo algumas com o design muito próximo do corpo original. No caso da Fujifilm, o ano passado viu chegar a nova Instax Square SQ6, por exemplo, que se junta - não só, mas também -às Mini 9, tão coloridas quanto o espetro cromático que parece pintar os interesses da cor do público adolescent­e. Coincidênc­ia? Pouco provável. “Nos últimos 10 meses, assistimos a um aumento de 75% de consumo na faixa dos 18-25 anos, com os adolescent­es a virarem as costas ao digital em prol de algo mais palpável”, afirma Creed O’Hanlon, Executive Chairman do site The Impossible Project, agora chamado Polaroid Originals (que comerciali­za câmaras, filme e demais parafernál­ia para estas máquinas instantâne­as) ao The Guardian, no final de 2014.

“Ao longo dos últimos seis meses, duplicámos o volume de película que vendemos e renovámos mais de 30 mil câmaras clássicas Polaroid.” A citação não é recente, mas não é menos aplicável aos dias que correm, e surge no seguimento de muitas celebridad­es – de Taylor Swift a Miley Cyrus,

FKA Twigs ou Lana del Rey – terem

“ASSISTIMOS A UM AUMENTO DE 75% DE CONSUMO NA FAIXA DOS 18-25 ANOS, COM OS ADOLESCENT­ES A VIRAREM AS COSTAS AO DIGITAL EM PROL DE ALGO MAIS PALPÁVEL”

professado e demonstrad­o o seu amor pela fotografia emoldurada a branco. Os ídolos dos anos 2000 adoram a estética do milénio passado. E os seus fãs e seguidores não fogem à regra.

Talvez até já tenha lido estas estatístic­as. Talvez até as tenha lido em papel: o Magazine Media Factbook para 2019 (documento que estuda o mercado de revistas, com pesquisa de estatístic­as em fontes consagrada­s), diz que os jovens ainda leem revistas, apontando que 91% dos adultos norte-americanos consome a imprensa escrita e que o número sobe para 93% quando se fala na faixa abaixo dos 35 e sobe para 94% para idades abaixo dos 25. O estudo vai mais longe, acrescenta­ndo que 65% confia mais nos media tradiciona­is que nos restantes (motores de busca, publicaçõe­s unicamente online, social media…) e que as 25 revistas mais lidas do país atingem mais adultos e adolescent­es que os 25 programas televisivo­s mais vistos do horário nobre. De acordo com o mesmo estudo, a média de revistas lida por mês ultrapassa­va os sete exemplares e os leitores mais devotos leem cerca de 20 - a faixa etária abaixo dos 25, dos 20% mais assíduos na leitura, coleciona cerca de 16 revistas por mês. Quer mais uma prova? Está a ler tudo isto em papel.

O regresso ao palpável é palpável. Talvez esteja intrinseca­mente ligado à necessidad­e do ser humano precisar de toque, de sentir texturas, de contacto físico. Num mundo em que as ligações interpesso­ais parecem maioritari­amente acontecer através de apps, bits e bytes, talvez este regresso ao toque de um long player em detrimento de um MP3, ao toque de uma revista em detrimento de um url ou scroll down, ao toque de uma fotografia instantâne­a em detrimento de um touchscree­n seja o novo elo emocional da sociedade. E, sejamos francos, numa comunidade corcunda pelo smartphone, estes retro ativos são o novo cool. ●

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