Mãe para sempre
Mãe e filha são palavras do mesmo livro, os dois lados do mesmo espelho. Mas se a história se repete, a Vogue quer saber: quem é que a está a contar.
Catarina Furtado Ser mãe de uma adolescente dava um livro
Catarina Furtado sabe o que é ser mãe de uma adolescente de 13 anos. Nesta entrevista à Vogue Portugal, a apresentadora, que também é autora do livro Adolescer é fácil #só que não, revela-nos como gere os desafios próprios da “idade do armário” e como da relação entre mãe e filha nasce uma ligação de amor, respeito e admiração para a vida.
Quais são os grandes temas tabu que identifica nas
relações entre mães e filhas? Na minha opinião, não existem temas tabu. Pelo menos, não sinto que para já existam com a minha filha que tem 13 anos. Já com a minha mãe, eu tinha uma relação aberta que me permitia contar-lhe sempre o essencial, o que não quer dizer tudo. Não contava todos os pormenores. A questão, para mim, prende-se com o território que se deve construir ao longo dos tempos no sentido de criar espaço que permita falar-se de todos os assuntos. No livro que acabei de lançar, Adolescer é fácil #só que não (Porto Editora), falo exatamente dessa estratégia eficaz para que os tabus não tenham território fértil. Independentemente da relação mãe/filhos, pressupor, a meu ver, a existência de algumas barreiras geracionais, mas que não prejudicam as relações e a profundidade das mesmas.
O que é que as mães não devem esconder das filhas adolescentes e em que assuntos é que uma mãe deve manter uma certa discrição? Depende imenso das idades. E a verdade é que também depende da maturidade da adolescente. Como curiosidade, partilho que, segundo a Organização Mundial de Saúde, a adolescência vai dos 10 aos 19 anos e, nos parâmetros da ONU, a adolescência compreende a fase que se estende entre os 15 e os 24 anos. Genericamente falando, acho que não se deve esconder o sofrimento, não se deve passar uma imagem de mãe “super mulher”, porque as raparigas, assim que nascem, de uma maneira geral, tomam consciência de que a vida é sempre mais difícil para elas, comparativamente com os rapazes. A desigualdade de género é uma realidade com a qual as raparigas ainda têm de saber lidar, se possível contestando no sentido do reconhecimento dos seus direitos para o caminho do empoderamento. E a pressão que a sociedade, e elas próprias impõem sobre si mesmas, leva a que se assumam e se apresentem como muito fortes. É por isso que tentam “apagar sempre vários fogos”.
O que é mais difícil para uma mãe admitir sobre si própria à filha adolescente? Talvez determinadas asneiras ou riscos típicos da adolescência, que no caso não tiveram consequências graves, mas que o medo de que o desfecho não seja o mesmo com as nossas filhas, nos deixa desconfortáveis em partilhar essas experiências.
Que cumplicidades ou segredos é normal existir entre mães e filhas? No meu caso, de todo o tipo. Tanto conto segredos profissionais - partilhei com a Beatriz uma grande decisão, recente, que tive de tomar e a minha filha até me deu a sua opinião - como confidencio episódios que ocorrem com amigas ou segredos de família. Desde muito pequena que lhe ensinei a valorizar a qualidade de saber guardar segredos ao mesmo tempo que a ponho à vontade para me contar os seus tesouros emocionais.
O que é que costumam fazer só as duas? Fazemos grandes passeios a pé, ao ar livre. Vamos às compras, para as duas. A Beatriz gosta de me maquilhar e de dar opiniões sobre a roupa que vou vestir. Gostamos muito de dormir juntas.
Na passagem da infância para a adolescência, como diria que evolui a relação entre mãe e filha? Que dificuldades sentiu nessa fase? Mais uma vez, terei de sugerir a leitura do meu livro Adolescer é fácil #só que não, porque, lá, partilho exemplos concretos. Senti na Beatriz um medo de que as amizades da infância, com as mudanças de escola, se perdessem para sempre, como se se tratasse de uma questão de vida ou de morte. Senti também uma inevitável e justificada preocupação com a questão da aceitação do corpo, porque tudo é uma novidade - pelos, cheiros, as borbulhas, a magreza
- ao mesmo tempo que a nossa opinião é mais desvalorizada, comparativamente com a fase da infância. Agora acontecem situações deste género: “não gosto de nenhuma das fotografias, estou feia em todas!”, ao que eu respondo: “Como é possível!?? Eu vejo uma miúda super bonita!!” E não estou a mentir!
Quando se trata de querer saber aquelas coisas que fazem parte da intimidade de uma adolescente, até onde é que uma mãe pode ir? Eu considero que nós, mães
(ou pais), não somos donos dos filhos e, por isso, para mim, não faz qualquer sentido o sentimento de posse, que leva a um controle excessivo, onde os limites da individualidade
e privacidade se ultrapassam. Os filhos não são nossos, estão sob a nossa alçada e proteção, o que quer dizer que devemos contribuir para que sejam realizados os seus direitos. Não acho aceitável que bisbilhotemos os telemóveis ou os diários. A não ser em situações extremas, onde o perigo e o risco possam estar iminentes. Nesses casos, para além de recorrer as estas ferramentas, acho que também podemos conversar com amigas de confiança para percebermos melhor o que se está a passar. Como é que uma mãe fala sobre sexualidade e intimidade com uma adolescente? No meu livro, decidi dedicar um capítulo inteiro a este tema com subcapítulos que vêm complementar esta temática tão fundamental das nossas vidas. Chamei-lhe
O teu corpo fala contigo, onde abordo o crescimento, a saúde sexual e a imagem. Acho que, dependendo de cada caso, utilizar o nosso exemplo cria uma proximidade necessária para que haja mais à-vontade para se conversar. É determinante que as questões da intimidade e da sexualidade nunca se dissociem da inquestionável valorização do amor-próprio, para que se consiga construir uma autoestima segura. Parece-me que devemos começar por explicar as questões mais técnicas, que têm a ver com as mudanças hormonais no corpo e, depois, passar para a importância dos afetos. E finalmente, terminarmos com todo o enredo à volta da sexualidade, garantindo que, nesta fase da adolescência, passamos a mensagem de que fazer sexo com afeto é muito mais rico. Para mim, é importante reforçar a ideia de que não há um tempo exato, uma idade concreta para que aconteça a primeira vez. Nenhuma adolescente tem de corresponder a qualquer tipo de expectativa. Todas as adolescentes devem saber que a palavra “Não” existe para ser usada. Nenhuma jovem deve perder a virgindade só porque há uma pressão social nesse sentido ou porque as amigas já o fizeram. E, por fim, que é mesmo muito importante, a memória que nos fica da nossa primeira vez. Por isso é tão bom que essa seja uma memória feliz.
Quais são as maiores preocupações de uma mãe com filhas adolescentes? Preocupações em geral, que têm a ver com as questões da assimilação dos valores. É importante que elas nunca sintam que têm um preço e que a coerência e a seriedade
não têm prazo de validade. A questão da autoestima é muito importante, com um alerta específico para a problemática da violência no namoro, que em Portugal atinge 56% dos jovens, sendo que 28% considera aceitáveis os comportamentos de controlo. Ainda, a importância das adolescentes adquirirem um sentido crítico apurado em contraponto com a vulnerabilidade de se ser influenciável - e para o desenvolver é fundamental ter mundo, por isso, a insistência para a leitura. Os perigos inerentes ao exercício do sexo. As doenças sexualmente transmissíveis existem e estão a aumentar no nosso país. O uso excessivo dos telemóveis e das redes sociais. Está provado que uma utilização desequilibrada destes suportes diminui a empatia, o que pode reduzir o espírito solidário. E ainda as drogas, onde estão incluídas aquelas cujo consumo não depende da adolescente, o que leva a traumas terríveis por ser forçada a fazer coisas das quais não se lembra no dia seguinte. Quais são as grandes esperanças ou expectativas que uma mãe tem sobre a sua filha adolescente?
Que seja feliz, solidária, promotora dos direitos humanos e acérrima defensora da não-violência e da não-discriminação. Que seja feminista, tolerante, autónoma. Que não tenha medo de se assumir. Que tanto dê importância à saúde física, como à saúde mental. Que não permita que o orgulho a iniba de saber pedir desculpa, quando for caso disso. Que tenha um forte espírito de família. Que seja suficientemente apetrechada de soft skills que lhe permitam, com astúcia, diplomacia, capacidade de adaptação e sociabilização, resolver ou contornar os obstáculos da vida. Também gostava que tivesse uma boa intuição.
Como é que a adolescência da sua filha a confronta com aquilo que foi a sua própria adolescência?
Acho que é inevitável fazermos comparações e sinto que repito muitas vezes a questão de ser importante que ela dê valor à vida que tem, ao conforto que tem, às condições que lhe proporcionamos, em contraste com todas as histórias reais que lhe conto. Tanto enquanto Embaixadora da Boa Vontade, do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), como quando vou fazer os programas Príncipes do Nada para os países em desenvolvimento. Ou através dos exemplos das jovens que são atendidas na minha Associação Corações Com Coroa (CCC), bolseiras CCC. No entanto, acho que esta geração tem um nível de pressão social que a nossa não tinha de forma tão elevada. O que resulta em muita ansiedade e stresse, por sentirem que têm já de provar tudo. O conceito de sucesso anda a pairar demasiado cedo e demasiadas vezes nas suas cabeças. Acho que antes eram os sonhos e a capacidade de sonhar que falavam mais alto e, hoje em dia, é mais o sucesso e a capacidade de o conquistar que domina os dias dos adolescentes.
Como é que se aprende a ser mãe de uma adolescente e quais são aqueles desafios que, apesar de toda a experiência, ainda a deixam com dúvidas sobre se está ou não a fazer o melhor para si e para a sua filha? Para saber a minha resposta a essa pergunta, aconselho a leitura do meu livro.
Em que momentos é que se sente mais segura no seu papel de mãe de uma adolescente?
Em muitos momentos. Mas, seguramente, sempre que assisto ao espírito de solidariedade e proteção que existe entre os irmãos. Em que momentos é que a sua filha adolescente a exaspera? Quando me responde com modos pouco educados, com a aborrescência ao rubro, o que me faz saltar a frase de que não me orgulho: “Não andamos na mesma escola!!!”. Desta fase da adolescência, que memórias pensa que vai guardar da sua filha? A primeira vez que me mostrou os pelos a crescerem e que se queixou que as maminhas não cresciam à mesma velocidade das das amigas. São momentos absolutamente deliciosos. Como ainda não teve a menstruação, acho que essa ocasião também vai ser inesquecível e irei copiar o que o meu pai me fez nesse dia tão especial: deixou-me na casa de banho um bilhete a dizer “parabéns” com uma rosa.
O que é que pensa que a sua filha adolescente esconde de si? Não penso.
Numa palavra, como descreveria a sua relação com a sua filha? Maravilhosa.
OS FILHOS NÃO SÃO NOSSOS, ESTÃO SOB A NOSSA ALÇADA E PROTEÇÃO, O QUE QUER DIZER QUE DEVEMOS CONTRIBUIR PARA QUE SEJAM REALIZADOS OS SEUS DIREITOS.