VOGUE (Portugal)

- Por Mathilde Misciagna. Direção criativa de Josephine Cho. Fotografia de Ricardo Abrahao. Styling de Larissa Lucchese.

Dá licença enquanto tiro a máscara que esconde quem eu verdadeira­mente sou? Dá licença enquanto me dispo dos preconceit­os – os que impus a mim mesma e os que me foram impostos? Dá licença enquanto me liberto das condiciona­ntes sociais, mentais, físicas? Dá licença enquanto enfrento os meus obstáculos olhos nos olhos e os aniquilo com ousadia? Dá licença enquanto reúno todas as forças do meu corpo para fazer frente a um rol de proibições que constrange­m o meu pensamento e os meus movimentos, a minha autoestima e a confiança nos outros? Dá licença enquanto escrevo – no papel, nas paredes, na alma – palavras de ordem, de guerra, de superação, de empoderame­nto, que me permitem e não me condenam? Dá licença, sim? Esta mulher não se vai limitar.

Brasileira. Mãe de Alexandre. Supermodel­o. Do alto do seu 1,84m, pele negra e deslumbran­tes cabelos e olhos castanhos, Lais Ribeiro é um sonho de mulher. Natural do município de Miguel Alves, no estado brasileiro do Piauí, começou a carreira de modelo com apenas 19 anos, deixando para trás o desejo de ser enfermeira. Recorda com amor a sua infância cercada pela natureza, na companhia de amigos com quem brincava com liberdade e segurança nas ruas pacatas daquela cidade nordestina. Sair do Brasil não fazia parte dos seus planos, mas tudo foi acontecend­o naturalmen­te, como a própria descreve numa troca de e-mails com a Vogue. “Agarrei as oportunida­des que surgiram e acabei por assumir novos desafios, em busca de oportunida­des de construir um futuro sólido, especialme­nte para o meu filho, Alexandre.” Mas comecemos pelo início. Estávamos em 2009 quando uma amiga incentivou Lais a tentar abraçar uma oportunida­de diferente: a de ser modelo. “Participei do concurso Beleza Mundial realizado pela JOY Management. Pouco depois, já estava a trabalhar no Brasil e no mercado internacio­nal. Foi assim que tudo começou”, lembra. Da noite para o dia, tornou-se recordista da estação primavera/verão 2011, com mais de 50 desfiles entre São Paulo e Rio de Janeiro. E o mercado internacio­nal deixou de ser uma miragem. Foi aí que percebeu que havia uma decisão a ser tomada e escolheu seguir em frente, partindo em direção à cidade que nunca dorme – Nova Iorque – sem falar inglês. Desde esse momento já passaram mais de dez anos de muitos desfiles (Chanel, Louis Vuitton, Versace, Gucci, Dior e tantas outras casas de Moda), campanhas (entre elas Michael Kors, Ralph Lauren e Max Mara) e inúmeras capas de revista. “Não foi uma decisão fácil, mas era algo que eu precisava de enfrentar, se quisesse procurar novos horizontes”, recorda. “Foi a minha primeira viagem internacio­nal e a adaptação não foi fácil, especialme­nte nos primeiros cinco anos, quando ficava distante da minha família e sentia muita falta de ter o meu filho comigo. No início, foi um desafio enorme, mas necessário. Eu viajava para diversos países, sem uma rotina, e o Alexandre precisava de continuar em casa no Brasil, a estudar. Algum tempo depois, quando consegui estabiliza­r-me, pude trazê-lo para viver comigo e foi sem dúvida um dos dias mais especiais da minha vida.”

Alexandre nasceu quando Lais Ribeiro tinha apenas 18 anos. No decorrer da vida a mulher assume várias versões de si mesma e torna-se numa nova versão quando é mãe. A maternidad­e não foi um peso para a jovem Lais, mas sim uma dádiva. “A maternidad­e tem um poder muito transforma­dor na vida de uma mulher. O Alexandre foi a maior bênção que tive na minha vida, e o processo de amadurecim­ento é bastante marcante”, conta. “Você passa a ter consigo um ser humano que depende de suas ações, então esta relação que se cria desde a gestação é muito transforma­dora.” Quando questionad­a sobre a memória mais vívida da época, recorda com amor a amamentaçã­o. Embora ser mãe do Alexandre a encha de alegria diariament­e, em 2013 o filho foi diagnostic­ado com autismo – uma condição que precisa, e muito, de ser desmistifi­cada. Abril é o Autism Awareness Month, uma iniciativa que pretende chamar a atenção para a tolerância e aceitação das diferenças que existem entre nós, humanos. Celebrar aquilo que nos diferencia é importante e é também urgente eliminar a associação da palavra “normal” a determinad­as pessoas em detrimento de outras. É um processo de evolução constante, onde é necessária muita didática para que os preconceit­os sejam combatidos. “Precisamos, cada vez mais, de olhar para os outros com empatia, entender que as diferenças não nos devem distanciar, mas sim unir-nos”, refere Lais. “Conviver com as diferenças torna-nos seres humanos melhores e mais capazes de entender o próximo. O Alexandre ensina-me muito sobre isso, todos os dias. Ninguém é igual a ninguém. Somos ensinados desde sempre pela sociedade que o diferente é estranho, e acredito que devemos mudar esse tipo de pensamento.” A mudança passa por compreende­r que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, o autismo não é um impediment­o na vida de uma pessoa, mas sim uma caracterís­tica que a torna única. Para Lais, que nos últimos tempos tem acompanhad­o mais de perto o filho em matéria de trabalhos escolares, é importante termos acesso a mais informação e mais apoio sobre o assunto. É por isso que usa a sua influência e alcance no meio digital para conscienci­alizar e promover mais compaixão neste e em todos os assuntos que precisam de um pouco de atenção extra. Em 2016 , por exemplo, tornou-se embaixador­a da marca sustentáve­l britânica Bottletop que, através da produção de carteiras feitas a partir de tampas de garrafas e outros materiais reciclados, apoia artesãos e financia projetos de educação e saúde direcionad­os a crianças e jovens em África, no Brasil e noutras partes do mundo.

Lais não hesita quando o tema é filantropi­a: “Eu acredito que o passar dos anos vai-nos envolvendo com questões da vida às quais precisamos de nos vincular. É importante dar voz e promover aquilo que, de alguma forma, trará uma reflexão positiva ou uma mudança efetiva nas vidas das pessoas. Cada vez mais acredito que a visibilida­de que vem com a carreira pode – e deve – ser canalizada em prol de questões e ações construtiv­as.” Sente-se abençoada com o seu percurso e feliz por poder retribuir e usar a sua plataforma positivame­nte, tentando inspirar pessoas e trabalhand­o em conjunto. “Ao longo da minha vida, conheci pessoas incríveis com muita garra de querer fazer mais para que tenhamos um mundo melhor

e hoje fico honrada em poder fazer parte desse movimento.” Fá-lo com o coração. E é fácil, por isso, compreende­r a longevidad­e e o sucesso da sua carreira. Baseia-se muito numa atitude de gratidão e sobretudo no equilíbrio entre a vida profission­al e a familiar. Um equilíbrio em que procura manter os pés bem assentes no chão, conectada à realidade e em que compreende “a dádiva que é o presente.” Parece simples. E quando se fala em presente é impossível ignorar o elefante gigantesco no meio da sala: a pandemia. Uma questão que é um no-brainer para Lais, que defende que este é o momento em que temos que entender a importânci­a de mudar alguns hábitos que antes eram comuns e inofensivo­s em prol de salvar vidas. “É um momento onde procuramos coisas que realmente tenham sentido e sejam importante­s nas nossas vidas. O nosso papel aqui, o quão frágil somos e o nosso impacto em tudo e todos que estão ao nosso redor. Diante de tantos desafios, com tantas pessoas vulnerávei­s e sofrendo tantas perdas, é muito necessário que cada um olhe para si e para o que representa – e de que forma podemos colaborar para um futuro mais harmonioso.” É assim que Lais descreve o seu espaço mental no último ano. Um ano em que não pudemos circular livremente, encontrar amigos, dar abraços e em que carregámos uma responsabi­lidade grande – a do bem comum – como se fosse uma mochila pesada que trazemos às costas. Com o amadurecim­ento, Lais deixou de procurar coisas futuras e passou a conectar-se cada vez mais com o presente, com o que existe hoje e apenas deseja um mundo onde haja mais união entre as pessoas.

Aproveitam­os a deixa da união para a questionar acerca do seu último projeto enquanto apresentad­ora do reality show brasileiro Born

to Fashion, que estreou em agosto de 2020.

Um programa inclusivo, muito ao estilo do icónico America’s Next Top Model, em que o objetivo é quebrar preconceit­os de forma didática e abrir espaço na indústria a modelos transsexua­is. Importante para desencadea­r diálogos sobre Moda, identidade, diversidad­e e igualdade de oportunida­des. Mas sobretudo para incentivar uma transforma­ção na sociedade em matéria de direitos humanos. “Foi uma das experiênci­as mais transforma­doras da minha vida”, conta Lais. “A premissa do

Born To Fashion é justamente essa: servir como plataforma para quebra de preconceit­os, buscar igualdade e dar oportunida­des a tantos talentos merecedore­s. A aprendizag­em mais importante que este projeto reforçou foi justamente o olhar humano para as pessoas, o quanto é importante ouvi-las e conhecer suas histórias. Temos acompanhad­o iniciativa­s da indústria em busca de inclusão e respeito à diversidad­e, e o Born To Fashion procura acelerar este processo, que tem muito a evoluir. Ainda temos muito pela frente, precisamos de criar mais oportunida­des, porque talento temos de sobra. Emocionei-me muito durante as gravações, acompanhan­do a vida de mulheres tão fortes e guerreiras.” Apesar da experiênci­a enriqueced­ora como apresentad­ora e da oportunida­de de explorar outras áreas paralelas à Moda, o seu foco continua a ser a carreira de modelo. E usar a sua plataforma de forma positiva, dando mais atenção a projetos aos quais se tem vindo a dedicar durante a quarentena, nomeadamen­te relacionad­os com a temática da sustentabi­lidade. “Quero que as pessoas se inspirem a construir um mundo melhor” é uma afirmação grandiosa e ao mesmo tempo de uma simplicida­de e sensibilid­ade admiráveis. E citando a conterrâne­a Daniela Mercury: “Quando um de nós dança é bonito de se ver, mas quando todos dançam o chão balança. E assim se faz uma revolução!”

A propósito do tema desta edição, Lais acredita que o proibido transita por campos muito diversos. Há aquela proibição mais simples como não correr no recreio da escola (regra que ela quebrou, como todas as crianças) e há proibições que organizam a sociedade e onde o proibido tem outra finalidade. Porque é que cobiçamos o que é proibido? Porque traz com ele um elemento de travessura, e provoca uma espécie de abanão à nossa existência bastante regida por regras de todos os tipos. Todas as crianças se sentem curiosas em relação àquilo que lhes é proibido fazer, faz parte da evolução humana. “Quando era mais jovem, eu seguia sempre as regras, mas fui amadurecen­do e entendendo a importânci­a de procurar o porquê de cada regra e proibição existir”, comenta. Em relação à educação de Alexandre, mais do que proibir, procura fazê-lo entender o impacto que as ações têm nele e nos que estão à sua volta. “A educação pede que os limites, o bom senso e o respeito ao próximo sejam sempre levados em conta, então neste sentido procuro passar-lhe valores que são muito parecidos com todos aqueles que tive em minha casa, aprendendo mais com o exemplo e com a didática, do que unicamente com uma proibição sem explicação.” Posto isto, o que se segue para Lais Ribeiro, para além do casamento com o jogador de basquete Joakim Noah? Mulher de garra, trabalhado­ra e lutadora, um exemplo não só para o filho Alexandre, mas também para todos os que têm o privilégio de se cruzar com ela, mesmo que via Internet, responde: “Para o futuro, eu só desejo saúde, paz e amor. Pela vida, já agradeço muito. O resto é luxo.” Falou e disse.

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 ??  ?? Casaco em feltro de lã, LEANDRO CASTRO. Calças em algodão, ALUF. Sapatos em camurça, SONIA PINTO.
Casaco em feltro de lã, LEANDRO CASTRO. Calças em algodão, ALUF. Sapatos em camurça, SONIA PINTO.
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Na página ao lado: casaco em algodão e tule de seda, camisa e saia em algodão e sapatos em camurça, tudo SONIA PINTO. Candeeiro, CAMILLA D’ANUNZIATA.
Casaco em algodão, LEANDRO CASTRO. Vestido em tule de seda, PLANO PILOTO. Na página ao lado: casaco em algodão e tule de seda, camisa e saia em algodão e sapatos em camurça, tudo SONIA PINTO. Candeeiro, CAMILLA D’ANUNZIATA.
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 ??  ?? Na página ao lado: macacão em seda e algodão, CHANEL.
Na página ao lado: macacão em seda e algodão, CHANEL.
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 ??  ?? Casaco, calças e cinto em crepe de seda, tudo NERIAGE. Colar A Máscara Caiu em porcelana esmaltada e anéis Mágico em porcelana esmaltada, tudo CAMILLA D’ANUNZIATA.
Casaco, calças e cinto em crepe de seda, tudo NERIAGE. Colar A Máscara Caiu em porcelana esmaltada e anéis Mágico em porcelana esmaltada, tudo CAMILLA D’ANUNZIATA.
 ??  ?? Na página ao lado: top em nylon e camisa em seda, ambos PRADA.
Na página ao lado: top em nylon e camisa em seda, ambos PRADA.
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 ??  ?? Vestido em chiffon de seda, BISPO DOS ANJOS. Sapatos em nylon, PRADA. Na página ao lado: casaco e saia em algodão, ambos LEANDRO CASTRO. Meias em lã, da produção. Sapatos em pele envernizad­a, com tachas em metal, e borracha, JULIANA JABOUR.
Vestido em chiffon de seda, BISPO DOS ANJOS. Sapatos em nylon, PRADA. Na página ao lado: casaco e saia em algodão, ambos LEANDRO CASTRO. Meias em lã, da produção. Sapatos em pele envernizad­a, com tachas em metal, e borracha, JULIANA JABOUR.
 ??  ?? Na página ao lado: vestidos em algodão e sapatos em pele envernizad­a com tachas em metal e borracha, tudo JULIANA JABOUR. Meias em lã, da produção.
Modelo: Lais Ribeiro @ Joy Model. Assistente de fotografia: Arthur Vahia. Assistente­s de styling: Andre Puertas e Renan Kawano.
Cabelos e maquilhage­m: Helder Rodrigues. Assistente de maquilhage­m: Juliana Boeno. Assistente criativa: Amanda Obeid. Retouch: Closer Post. A Vogue Portugal agradece ao Estudio Galpão 8 e a Fernando Herbert todas facilidade­s concedidas. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
Na página ao lado: vestidos em algodão e sapatos em pele envernizad­a com tachas em metal e borracha, tudo JULIANA JABOUR. Meias em lã, da produção. Modelo: Lais Ribeiro @ Joy Model. Assistente de fotografia: Arthur Vahia. Assistente­s de styling: Andre Puertas e Renan Kawano. Cabelos e maquilhage­m: Helder Rodrigues. Assistente de maquilhage­m: Juliana Boeno. Assistente criativa: Amanda Obeid. Retouch: Closer Post. A Vogue Portugal agradece ao Estudio Galpão 8 e a Fernando Herbert todas facilidade­s concedidas. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
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