AMOU, PERDEU-SE E MORREU AMANDO
Quem brada aos céus que o amor é lindo, é porque nunca lhe passou pelo coração um amor proibido. Ah! Mas não acenderá a proibição a chama da paixão? Absolutamente. Então o amor proibido não é apenas difícil, mas é igualmente admirável, objeto de desejo e digno de inveja dos amorzinhos mornos. Ele é prosa e poesia, é cultura e alvo de culto, é a coisa mais linda e a mais sofrida, também. Só que, caramba, não se deveria escrever a vida de sentimentos majestosos que são tudo menos amenos? Queremos acreditar que sim.
São infinitos os sinónimos para a palavra proibição: banido, censurado, desautorizado, interditado, negado, vetado, coibido, e por aí fora. É um termo que, pela sua natureza, tem a audácia de despertar uma certa curiosidade: se é proibido é porque deverá esconder qualquer coisa de intrigante. Se não, porque é que toma essa forma? O símbolo vermelho de barra branca, o red alert que pisca desalmadamente enquanto grita “não é por aí.” E se na estrada não nos resta senão cumprir o código, não vá o diabo tecê-las e a multa aparecer, na vida — na nossa vida — e mais ainda no amor — no nosso amor —, o caso muda de figura. Afinal, quem é quem para questionar as razões do coração, mesmo que este apresente razões que a própria razão desconhece? Tem-nos mostrado a história da humanidade que o é muita gente — ou o são muitas leis e muitas manias e muitos preconceitos e muitos se’s. Os amores proibidos são-no porque: 1) as famílias não o aceitam: “Romeu, Romeu? Porque és Romeu? Renega teu pai e abdica de teu nome; ou se não o quiseres, jura amar-me e não serei mais uma Capuleto (...) Teu nome, apenas, é meu inimigo”, implorava Julieta na obra shakespeariana que dispensa apresentações. 2) os estratos sociais não o permitem: a paixão de Eduardo VII do Reino Unido (1894-1972) por Wallis Simpson (1896-1986), uma socialite americana, criou uma crise constitucional no país, levando-o a abdicar do trono que lhe era devido e a ficar “apenas” com o título de Duque de Windsor para poderem contrair matrimónio – nenhum monarca britânico tinha, até então, desposado uma mulher com dois ex-maridos vivos. 3) outros casamentos atrapalham: o famoso poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321) pode ter visto Beatriz (1266-1290) somente duas vezes (da primeira vez tinham apenas nove anos), mas amou-a durante toda a sua vida, embora fossem casados com outras pessoas, numa época em que o divórcio era um grande impedimento na Florença medieval. Depois da precoce morte de Beatriz, Dante escreveu uma famosa coleção de poemas em sua memória, e é Beatriz quem ganha o título de Musa inspiradora na lendária obra A Divina
Comédia (publicada pela primeira vez em 1472). 4) a diferença de idades é colossal: os artistas de música brasileiros Mallu Magalhães (São Paulo, 1992) e Marcelo Camelo (Rio de Janeiro, 1978) começaram a namorar quando ela tinha 16 anos e ele 30. O relacionamento foi motivo de muitas críticas devido à diferença de idade entre os dois e a cantora, em conversa com a edição brasileira da revista Glamour, relembra que não entendia o porquê: “Eu achava que isso era uma viagem dos outros, não tinha nada a ver com o que a gente queria ou sentia. Mas é muito agressivo passar por uma situação como essa. É algo tão estranho e longe de mim que tenho até dificuldade de entender [o que aconteceu]. Eu gosto de tentar entender o que é que as pessoas pensam, mas uma pessoa que condena tanto e até ofende, não consigo entender. Acho desnecessário e destrutivo", concluiu. 5) e, tantas vezes, porque as personalidades de cada um dos seres apaixonados esbravejam em alto e bom som ‘vocês os dois não se fazem bem’. Ou, pelo menos, aparentemente, já que no íntimo desses seres amantes a coisa pode não ser bem assim. A este propósito, esclarecia a cantora americana Courtney Love: “Eles [a imprensa] só querem falar sobre a quantidade de drogas que Kurt [Cobain] e eu usámos. Isso não foi tudo o que nós fizemos. Nós tínhamos uma vida. Nós tomávamos o pequeno-almoço. Nós almoçávamos. Nós jantávamos. Alugávamos filmes e comíamos gelados. Líamos em voz alta um para o outro quase todas as noites e rezávamos todas as noites. Tínhamos uma merda de uma dignidade.”
Uma das mais eternas estórias de amor da literatura portuguesa é um apelo à liberdade do amor contra as exigências sociais do século XIX. O romance proibido de Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, com Mariana da Cruz a formar um triângulo amoroso com final trágico, é inspirada na vida do próprio autor, Camilo Castelo Branco (1825-1890), também ele protagonista de um amor proibido. “Escrevi o romance em 15 dias, os mais atormentados da minha vida.”,
confessou no prefácio à segunda edição de
Amor de Perdição (1862). A história relata a paixão entre Simão e Teresa, filhos de famílias inimigas, que preferem morrer a desistir do amor que os une. Mariana, que nutre um amor não correspondido por Simão, segue-o na morte.
A versão portuguesa de Romeu e Julieta é, na verdade, uma confissão de revolta do próprio
Camilo Castelo Branco, que esteve preso durante um ano por se ter envolvido num amor proibido com uma mulher casada. Através da sua obra, conta-se, Camilo visava convencer os 12 jurados que se perdera de amores — e que tal motivo não era merecedor de castigo
— muito menos de prisão. E temos ainda a lendária história de amor entre Dom Pedro e
Dona Inês de Castro, dama de companhia da sua esposa, Dona Constança Manuel. Dona Inês chegou a Portugal em 1340, como aia de Dona
Constança Manuel, recém-casada com Dom
Pedro, herdeiro do trono português. Pedro e
Inês apaixonaram-se quase de imediato, dando início a uma relação amorosa clandestina que se viria a revelar trágica. O Rei D. Afonso IV, pai de D. Pedro, temia que a influência de D.
Inês sobre o príncipe pusesse em perigo as relações de Portugal com o Reino de Castela e, em 1344, expulsou D. Inês da corte, mandando exilá-la. No ano seguinte, depois da morte de D. Constança, e contra a vontade do seu pai, D. Pedro mandou regressar D. Inês. Recusando-se a casar com qualquer outra nobre escolhida pelo Rei, D. Pedro decidiu viver com D. Inês, com quem teria quatro filhos. Cada vez mais receoso das consequências desta relação para o futuro do Reino de Portugal, D. Afonso IV ordenou a morte de D. Inês. Executada em Coimbra, foi sepultada no Mosteiro de Santa Clara, hoje, Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Luís de Camões narrava em Os Lusíadas (1572): “Tu, só tu, puro amor, com força crua / Que os corações humanos tanto obriga / Deste causa à molesta morte sua.” Ou seja, o amor — o proibido — é relatado como a origem da tragédia. Por outro lado, manifestava Camilo Castelo Branco: “Não deve custar a morte a quem tiver o coração tranquilo.” O autor brasileiro Paulo Coelho defendia que, para o guerreiro, “não existe amor impossível.” Já o escritor português Eça de Queirós (1845-1900) clamava que o único amor eterno seria o amor impossível, já que os amores possíveis começariam a morrer “no dia em que se concretizam.” São pontos de vista válidos mas são, essencialmente, sentenças que autentificam a natureza de um amor impossível — ainda que, impossible is nothing.
Digamos antes, de um amor proibido: é difícil, parece quase-impossível, é doloroso e desafiante; porém é também lindo e feroz e honesto e real. Drasticamente real. É que nada faz o coração bater mais forte do que uma boa estória de amor. E por boa, quero dizer trágica — é claro.
Aproibição parece aguçar a paixão. Não é por acaso que se costuma dizer que o fruto proibido é sempre o mais apetecido: “A emoção (a adrenalina) associada ao que é ‘proibido’ pode funcionar como um fator de atração extra para algumas pessoas. Outras haverá, com um maior predomínio da racionalidade, a quem o ‘fruto proibido’ não será sequer apetecido. Não existirá uma regra, antes uma tendência. A tendência de procurar a curiosidade, de querer pisar terrenos mais incertos do que os que oferecem segurança (à ausência de segurança/estabilidade associa-se maior atratibilidade), de sentir mais desejo pelo que desafia os limites, de experimentar coisas novas, de viver mais intensamente. Os obstáculos, mais ou menos explícitos, ao amor – ou relação – proibidos, podem contribuir para, na verdade, fortalecer a atração, em fenómenos que a Psicologia conhece e explica”, avança a psicóloga e terapeuta de casal Rita Fonseca de Castro. E especifica: “Como o tempo passado em conjunto é uma impossibilidade ou, caso aconteça, se reveste de clandestinidade e resulta de um esforço considerável, é muito mais valorizado. De facto, e de forma genérica, quanto mais esforço fazemos para alcançar um objetivo, mais esse objetivo é valorizado. Quando
OS TEMPOS JÁ NÃO SÃO O QUE ERAM. HOJE, ROMEU E JULIETA, DANTE E BEATRIZ, DOM PEDRO E DONA INÊS DE CASTRO, OU ATÉ O SOFRIDO CAMILO CASTELO BRANCO, TERIAM TIDO
MAIS E MELHORES HIPÓTESES DE ASSISTIREM A UM FINAL FELIZ DAS SUAS HISTÓRIAS DE VIDA AMOROSA.