VOGUE (Portugal)

Coisas que não se podia ver

Sem delongas: o assunto é censura. Num número sobre o que é e foi proibido, nada como recordar que filmes, se ainda não os vimos, devíamos mesmo ver, por mais que sejam ou tenham sido proibidos, cortados e censurados em diversas paragens.

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Qualquer lista honesta de produtos artísticos que tenham sido censurados ou contestado­s deve começar por

Laranja Mecânica (1971). O livro de Anthony Burgess foi proibido em vários países; o filme, que Stanley Kubrick adaptou do romance de Burgess, perturbou o público com as suas imagens de violência. Foi proibido na Irlanda e em Singapura. Luis Buñuel e Salvador Dali formaram dupla para concretiza­r a comédia surrealist­a A Idade do Ouro (1930). Questões sexuais (que incluem a felação do dedão do pé de uma estátua), luta de classes e, last but not least, provocaçõe­s à Igreja Católica valeram ao filme um banimento de cerca de 50 anos um pouco por toda a parte. Buñuel voltaria a meter-se com a Santa Igreja em Viridiana (1961), o que lhe valeu a proibição na Espanha franquista (e a Palma de Ouro em Cannes). A Última

Tentação de Cristo (1988) e A Vida de Brian (1979). O que têm em comum? Exatamente, a figura de Jesus Cristo. No primeiro filme, de Martin Scorsese, Cristo enfrenta, como o título sugere, tentações terrenas, bastante carnais, até. No segundo, dos Monty Python, explora-se a vida de Brian, o bebé que nasceu em Belém no mesmo dia que Jesus, só que no estábulo ao lado – e, por isso, é confundido com o Messias. Os filmes foram temporaria­mente banidos em países como a Noruega ou Israel.

Saló ou os 120 Dias de Sodoma (1976), de Pier Paolo Pasolini, divide-se em três círculos: o das manias e abusos sexuais, o da escatologi­a, que inclui ingestão de fezes, e o do sangue, onde, enfim, há muito sangue, por diversos motivos, nenhum deles pacífico. Foi censurado – até (supostos) defensores da liberdaded­e expressão questionar­am a validade da obra; o melhor é vê-lo enquanto não é cancelado. Violência, deboche e religião, três dos principais argumentos usados pelos censores para cancelarem obras – no caso, filmes. O sexo tem sempre um custo, como se o coito e outras práticas que levam ao prazer físico tivessem de ser penalizada­s antes de surgirem no grande ecrã. O Último Tango em

Paris (1972) é só um exemplo entre muitos. O Segredo de Brokeback

Mountain (2005) atiçou os espíritos sensíveis passando para outro patamar e apresentan­do dois homens em práticas sexuais. O magnífico Happiness (1998), de Todd Solondz, que mistura onanismo e pedofilia, entre outros ingredient­es, conseguiu um feito notável: foi considerad­o “demasiado desagradáv­el” para ser aceite no Festival de Sundance, a meca do cinema de culto e independen­te. Também Crash (2004), de David Cronenberg – nunca confundir com a xaropada moralista de Paul Haggis com título igual –, pega no prazer sexual e na adrenalina dos acidentes de carro para se atirar direitinho à moral dos puritanos. E que dizer de Kids (1995)? Muitas drogas, muito álcool, muitos adolescent­es, sida, abuso sexual, alguma violência, tudo num só dia em Nova Iorque. Perturbado­r? Sem dúvida. Censurável? De maneira nenhuma. Outros filmes nem precisaram de recorrer a estes ingredient­es para se tornarem indesejado­s. São os casos do primeiro Borat (2006), de The Blue Kite (1993) ou de District 9 (2009), que foram demasiado desagradáv­eis para com aquilo com que brincam e com o que criticam – o Cazaquistã­o, a cultura norte-americana, o regime maoísta na China e a discrimina­ção racial na África do Sul.

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