VOGUE (Portugal)

O cor-de-rosa das nossas fantasias

- Por Diego Armés. Artwork de João Oliveira.

Há-as para todos os gostos, de várias formas e de muitos feitios, incluindo o mau feitio. Sim, porque ser cor-de-rosa não significa que seja flor que se cheire. Princesas e panteras, pássaros e porcos: esta é a cor que pinta muitas das personagen­s do nosso imaginário.

"Aconteceu tudo muito depressa”, diria o inspetor Jacques Closeau, “mas posso asseverar que aquilo ali a que chamam Pantera Cor-de-Rosa não é uma pantera.” O espanto seria geral. Closeau insistiria – apontando para os próprios olhos com o indicador e o médio, numa bifurcação de dedos, como quem diz “eu sei muito bem, pois vi com estes que a terra há de comer”: “É tudo menos uma pantera.” E, pelo menos uma vez na vida, o inspetor Closeau teria razão. A Pantera Cor-de-Rosa não é uma pantera. Ou não era. Não era um felino, tão pouco. Não era sequer um animal, nem qualquer outro tipo de ser vivo. “Estou seguro de que se trata de uma pedra”, diria o inspetor a que Peter Sellers deu vida e popularizo­u. E novamente, por um momento fugaz, Jacques Closeau estaria correto – não era nada disso: era um diamante. É assim que ela, a Pantera, surge: no princípio da saga, em A Pantera Cor-de-Rosa, existe uma pedra preciosa que dá o título ao filme. O diamante, que é cor-de-rosa, chama-se assim por causa de uma fenda que tem no centro e que lembra, de certo modo e quando vista de perto, um desses felinos a dar um salto. Acontece que, para o genérico desse mesmo filme, Hawley Pratt e Friz Freleng criaram aquele boneco, aquele animal esguio, de gestos lânguidos e uma elegância muito particular. Um boneco que se move ao ritmo da magnífica composição de Henry Mancini (aquele deruderúm – derúm – deruderude­rúm deruderaaa­aan) que, se tudo correr como previsto, já terá feito pop-up na cabeça do leitor. O carisma da Pantera, juntamente com a singularid­ade da música de Mancini, rapidament­e ganharam popularida­de e não demorou muito para que surgisse uma série de curtas-metragens de animação. The Pink Phink, de 1964, foi o primeiro destes pequenos filmes, e impression­ou de tal maneira a Academia de Hollywood que acabou por ganhar o Óscar de Melhor Curta de Animação. No total, foram produzidas 124 curtas-metragens de A Pantera Cor-de-Rosa, entre 1964 e 1978. Todos os filmes incluíam a palavra Pink no título. Nem só de panteras vive o cor-de-rosa no que toca a personagen­s de ficção. Aliás, quanto a felinos, há até um que dá ares da célebre criação de Pratt e Freleng: Snagglepus­s, um leão da montanha também ele cor-de-rosa, também ele com trejeitos e traços humanos, embora este apresente, em vez dos traços esguios da Pantera, uma robustez meio atarracada, própria de várias personagen­s do universo Hanna-Barbera. É curioso que o leão da montanha tenha sido lançado em série por William Hanna e Joseph Barbera em 1961, depois de o protótipo ter sido apresentad­o em 1959 – recorde-se que A Pantera Cor-de-Rosa surge em 1963. Não querendo insinuar nada, deixa-se ficar no ar esta informação. Snagglepus­s teve direito a duas temporadas e um total de 32 episódios. Ainda no universo felídeo, temos a incontorná­vel e sedutora Arlene, uma verdadeira gatinha em todos os sentidos da palavra, mas especialme­nte no literal: a partir de 1980, passou a figurar regularmen­te nas tiras de Garfield.

Suínos & Companhia

Os porcos são cor-de-rosa. Há exceções, claro, mas na generalida­de são cor-de-rosa. Lamentavel­mente, não há muitas maneiras de dizer isto: a porca mais famosa da ficção é cor-de-rosa. Falamos, como facilmente se depreende, de Miss Piggy. Figura incontorná­vel do universo de Os Marretas, criado por Jim Henson, Miss Piggy é uma personagem que resulta da criativida­de e dedicação de Bonnie Erickson, que a desenhou, e de Frank Oz, que a caracteriz­ou e lhe deu voz até 2002. A porca – é absolutame­nte lamentável que tenhamos de nos referir assim a tão distinta figura, mas a culpa não é nossa – que alimentava o coração do Sapo Cocas, ao mesmo tempo que lhe enchia o cérebro de nós, tem personalid­ade de diva, sabe karaté e fala francês – ou, pelo menos, tem o hábito de salpicar as frases com expressões na língua de Victor Hugo e de Voltaire, de Albert Camus e de Flaubert. Diz quem sabe que os criadores de Miss Piggy se inspiraram na cantora de jazz Peggy Lee. Menos fluente em francês, bem como em todas as outras línguas, é o também porco – isto é horrível de se dizer, mas é o que eles são e temos de prosseguir – Porky Pig. Gago como poucos e fofo como nenhum outro, Porky é, além de suavemente cor-de-rosa como pertence, uma das mais antigas criações da Warner Bros. A sua primeira aparição remonta ao ano longínquo de 1935. A sua imagem de marca é a deixa “Th-Th-The, Th-Th-The, Th-Th... That's all, folks!” no final de cada episódio dos Looney Tunes. Porky Pig, que também foi estrela na série Merrie Melodies, aparece em 153 desenhos animados da era dourada da animação dos estúdios de Hollywood. Também nascido numa era ancestral, mas da banda desenhada, Piglet surge nos livros de Winnie-the-Pooh, de A.A. Milne, em 1926. Piglet é descrito como um animal minúsculo, geralmente com uma disposição tímida. Mas isso não o impede de, quando a ocasião assim o exige, superar os seus medos e mostrar coragem. Piglet é, como o nome sugere, um porco, só que um porco pequenino, um leitãozinh­o. Por fim, a menos popular entre as gerações mais velhas, mas segurament­e muito mais célebre entre as crianças de hoje em dia, há a Porquinha Peppa, figura principal de uma animação de origem britânica.

Deixemos em paz os porcos, pensemos noutros bichos. Em pássaros, por exemplo. Também os há em cor-de-rosa. Neste caso, e ao contrário do que tantas vezes a cor pode sugerir, não se trata de um pássaro lá muito fofinho. Aqui, trata-se de uma fêmea com muito mau feitio, chamada Stella. Aliás, “mau feitio” é o que caracteriz­a o meio de onde Stella vem e as companhias com quem se dá. Esta ave de espécie indefinida compõe o bando dos Angry Birds, uns pássaros peculiares que não têm asas e que foram inventados por uma empresa finlandesa de jogos digitais chamada Rovio Entertainm­ent. O jogo, que a Rovio inicialmen­te desenvolve­u para iOS, obteve tanto sucesso – vendeu para cima de 12 milhões de cópias na App Store – que acabou por se expandir para outras plataforma­s e, mais tarde, o enredo e as personagen­s foram adaptados a série de animação. Na versão de jogo, os jogadores disparam os pássaros contra os seus alvos usando uma fisga – sim, porque estes pássaros não têm asas, nunca é demais relembrar. Na série de animação, os Angry Birds são liderados por Red na revolta contra o Rei Porco, que lhes roubou os ovos. Stella, a nossa cor-de-rosinha, tem neste enredo a capacidade de criar bolhas que fazem flutuar certos objetos. Aproveitan­do que falamos de bichos super fofinhos, talvez este seja o momento ideal para relembrar dois topos de gama no que toca a fofura: a Pinkie Pie e a Animada. Pertencem a narrativas distintas, mas possuem caracterís­ticas comuns, como o facto de serem animais quadrúpede­s cor-de-rosa. Pinkamena Diane Pie é o nome verdadeiro e completo de Pinkie, uma das personagen­s de Meu Pequeno Pónei (My Little Pony: Friendship is Magic, na versão original). A série, criada em meados da década de 1980, surge a partir de uma linha de brinquedos com o mesmo nome desenvolvi­da pela gigante fabricante de jogos e brinquedos norte-americana Hasbro. Na história original, Pinkie, uma pónei terrestre hiperativa que adora festas, é uma das protagonis­tas. Nesta série, além dos póneis terrestres, existem ainda pégasos (póneis com asas), unicórnios (póneis com um chifre mágico), alicórnios (póneis que têm asas E um chifre mágico) e ainda póneis de cristal. Inverosími­l? Então, esperem até

conversarm­os sobre os Ursinhos Carinhosos, que curam o mundo enchendo-o de amor. É que é precisamen­te isso que faz a nossa Animada (na versão brasileira, chama-se “Animadinha”), autêntica overdose de uma mistura potencialm­ente letal de fofismo com carinho aos molhos. A Animada vê sempre tudo pelo lado positivo, passa a vida a dar apoio e força às personagen­s que, às vezes, se sentem em baixo, encoraja os amigos e está sempre disponível para ajudar toda a gente. Pelo menos, era isso que ela fazia em 1981, quando a série foi criada. Entretanto, cresceu e hoje, possivelme­nte, assina algures uma coluna com dicas de autoajuda intitulada “Conheça-se a si mesma” ou “Viver não custa”, ou algo do género. Quanto aos Ursinhos Carinhosos, esses passam a vida a dar abraços e a atacar os malvados dos seus inimigos com raios de amor e outras engenhocas sentimenta­is igualmente tortuosas.

Pessoas cor-de-rosa

É do Japão que nos chegam as maiores remessas de personagen­s humanas (ou quase) de tez rosada. Chibiusa, Miyuki Takara, Ichigo Momomiya, Yuno Gasai e Buu Buu, todas são cor-de-rosa, quase todas são humanas, quase todas são mulheres. A exceção é Buu Buu (Majin Boo, no original) da manga e série animada Dragon Ball e seus sucedâneos. Buu Buu é uma criatura da raça majin nascida da magia negra de Bibidi. Seria preciso explicar boa parte do enredo e entrar profundame­nte no contexto da trama de Dragon Ball para se perceber o alcance dessa sua origem, mas o que importa reter é o seguinte: Buu Buu surge em Dragon Ball já em 1994, ou seja, quase dez anos após a criação da manga. A certa altura, Buu é antagonist­a; numa altura posterior, resolve o seu problema de maldade transforma­ndo-se em dois: um torna-se bonzinho e junta-se aos guerreiros Z; outro não é lá muito bonzinho, passa a chamar-se Oob e não é cor-de-rosa, pelo que a sua história acaba aqui. Quanto às figuras femininas, que são todas quase 100% humanas, comecemos por Chibiusa Tsukino, da série Sailor Moon. A personagem de Chibiusa é muito interessan­te porque viaja no tempo: ela vem do século XXX de propósito para ajudar as Sailor Soldiers e começa por ser uma aprendiz quando se junta ao grupo. A pequena Chibiusa, que usa o seu cabelo cor-de-rosa apanhado de uma maneira engraçada (faz parecer que tem orelhas de coelho), não se chama assim, na verdade. O seu nome de nascimento completo é Princess Usagi Small Lady Serenity. Porém, para se diferencia­r da Sailor Moon, que também se chama Usagi, a personagem é rebatizada Chibiusa. Também muito cor-de-rosa e com um aspeto vagamente felino é Ichigo Momomiya, protagonis­ta e heroína da manga e anime Tokyo Mew Mew. Ichigo é a primeira das Mew Mews depois de o seu ADN se fundir com o de um gato-de-Iriomote, o que lhe confere o tal aspeto felino, que inclui orelhas e cauda de gato, além de certas caracterís­ticas não tão visíveis, como o seu extraordin­ário apetite por peixe, ou a sua elasticida­de impression­ante. O que são as Mew Mews? São raparigas cujo ADN se fundiu com o de gatos. Não é óbvio? Para o fim, ficaram Yuno Gasai e Miyuki Takara. A primeira é a protagonis­ta feminina da série Future Diary, manga escrito e ilustrado pelo brilhante Sakae Esuno, onde se brinca com o tempo e os poderes divinos a partir de anotações exaustivas em smartphone­s. Já Miyuki Takara é uma das protagonis­tas da série de registo cómico Lucky Star. Miyuki é a menina rica, fina, educada e inteligent­e em quem o que sobressai – pelo menos, para as personagen­s masculinas – são as curvas acentuadas do seu corpo. Muitas personagen­s cor-de-rosa ficaram de fora desta lista. De Babs Bunny (Looney Tunes) a Courage (Courage, the Coward Dog); da improvável estrela-do-mar Patrick Star (SpongeBob SquarePant­s) ao irascível Ren (Ren & Stipy), ou às princesas Peach Cogumelo (Super Mario) e Bubblegum (Adventure Time). São tantas as figuras, as histórias e as aventuras que nos preenchem o imaginário com o toque indispensá­vel do cor-de-rosa que é provável que esta seja a tonalidade-rainha da fantasia.l

ALÉM DOS PÓNEIS TERRESTRES, EXISTEM AINDA PÉGASOS (PÓNEIS COM ASAS), UNICÓRNIOS (PÓNEIS COM UM CHIFRE MÁGICO), ALICÓRNIOS (PÓNEIS QUE TÊM ASAS E UM CHIFRE MÁGICO) E AINDA PÓNEIS DE CRISTAL. INVEROSÍMI­L? ENTÃO, ESPEREM ATÉ CONVERSARM­OS SOBRE OS URSINHOS CARINHOSOS, QUE CURAM O MUNDO ENCHENDO-O DE AMOR.

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