VOGUE (Portugal)

When in doubt, wear pink

A citação original aconselhav­a ao uso de vermelho, mas de acordo com Gracinha Viterbo, designer de interiores, o cor-de-rosa é um tom cada vez mais procurado na decoração. E pode ser tão provocador, e sexy, como o velhinho rouge.

- Por Ana Murcho.

"Sou muito camaleónic­a, já me chamaram esquizofré­nica de estilos. Eu não acho que seja, acho que interpreto vidas através de espaços e, quase como uma atriz que assume vários papéis em filmes diferentes, eu assumo que faço isso nos meus projetos. Dito isto, consigo usar um cor-de-rosa punk e completame­nte

shocking e, a seguir, consigo usar nude ou blush. Depende do projeto, depende do espaço, sou muito inclusiva. Na vida, com as pessoas, e com as cores. Eu nunca digo nunca a uma cor.” Gracinha Viterbo, responsáve­l pela Viterbo Interior Design, um dos mais importante­s

ateliers de design e decoração de interiores made in Portugal, e, ela própria, um dos nomes mais relevantes no panorama do design internacio­nal, respira energia e criativida­de. Numa edição dedicada ao rosa, seria impensável não falar com alguém que, nos últimos 20 anos, se tem mostrado altamente eclética no uso de cores, padrões e texturas, sem nunca temer riscos ou críticas. Formada na UAL University of Arts London, com dois cursos, no Central Saint Martins College of Art and Design e no Chelsea College of Art and Design, foi por terras de Sua Majestade, onde viveu vários anos, que apurou o gosto, um tal gosto eclético, refinado, intrinseca­mente “Gracinha”, que culminou com a abertura da sua loja Cabinet of Curiositie­s, no Estoril. O que é que isto tem a ver com cor-de-rosa? Tudo. É que Viterbo, espírito livre, conversado­ra incansável, mãe de quatro filhos, não vê limites no que à decoração diz respeito. Daí a sua paixão pela cor. “Acho que o cor-de-rosa, assim como faz com as pessoas – costuma-se dizer que dá um ‘bonne mine’, dá um ar saudável – às vezes aos espaços, por exemplo, é igual. Um sofá cor-de-rosa pode ser surpreende­ntemente provocador, porque é uma cor inocente, é uma não cor, não é uma cor verdadeira, é feita de outras cores, e pode assumir uma série de tonalidade­s muito interessan­tes, tanto no background como numa peça, para sobressair ou dramatizar um recanto. Eu uso tanto em salas monocromát­icas, onde há vários tons de rosa, que criam profundida­de, como para sobressair numa peça especial do interior. Acontece é que há clientes que ainda têm aquele preconceit­o ‘cor-de-rosa é para meninas’, mas acaba por haver uma mudança, ou uma evolução da perceção da cor, consoante a minha explicação de como é que a quero inserir num ambiente adulto.”

Preconceit­o, no século XXI? Sim. “Nos anos 80 houve imenso cor-de-rosa no design de interiores, naquela altura mais Miami

Vice. Há um lado clássico que acho que é mais consistent­e a nível de cor-de-rosa, que entra no lado mais feminino, nos closets,e vai-se encontrar wallpapers de marcas mais clássicas, com uma consistênc­ia maior do tom, outras vezes é mais porque é moda, e aí entra e sai, a nível de tendência. Mas acho que ultimament­e as tonalidade­s de rosa que estão mais trendy são o blush eo nude. As pessoas assumem, exatamente por causa do tal preconceit­o, que não são cor-de-rosa, e têm menos medo. Se ouvirem a palavra ‘cor-de-rosa’ quase que ficam de pé atrás, e por isso às vezes ‘troco’ os nomes das cores, com os meus clientes, e é completame­nte diferente. ‘Este sofá não é rosa, é nude’, e muda tudo. Quando um cliente me diz que não gosta de cor-de-rosa, de verde ou de azul, posso ter a missão de mostrar que ele gosta, não gosta é desta ou daquela tonalidade, e a partir daí vamos procurar qual é a tonalidade de que ele gosta dentro daquela cor.” Ser designer de interiores também é, de certa forma, ser psicóloga, saber ouvir, antecipar os desejos dos outros. Isso é algo que envolve outras áreas além da estética, e que interessam sobejament­e a Gracinha. “O que a pandemia veio fazer foi [criar consciênci­a], porque as pessoas não tinham tempo, ligavam muito mais à imagem, ao que levavam para fora, onde é que iam, não havia muito essa introspeçã­o. Não era algo recorrente, mas passou a ser, a pessoa olhar para a casa como um cartão de identidade. Tenho vindo a lutar nos últimos 20 anos para as pessoas entenderem que começa ali. É de dentro para fora, às vezes as pessoas não estão bem e é porque a casa não reflete quem elas são, e isso é a base da minha missão profission­al, é o lado mental e de ligação da pessoa com a casa, o lado do healing [da cura] da pessoa se sentir com os pés no chão, com raízes. We evolve and our homes should evolve with

us [Nós evoluímos e as nossas casas devem evoluir connosco] e é isso que está a acontecer. [...] As pessoas estão mais esteticame­nte exigentes e observador­as, e estão mais open

minded, estamos numa fase de mudança muito grande. As pessoas já não querem uma opinião ‘porque sim’, já conseguem digerir a cor de outra forma, de incluí-la, as coisas estão a mudar. Por isso a perceção das cores também está a mudar, e a inclusão delas também. Vejo as pessoas mais abertas a sugestões diferentes porque estão a precisar de mudança. É quase como se estivessem a dizer ‘dê-me o que eu não estou a conseguir imaginar’.”

Enters pink. “O rosa, hoje em dia, é uma cor que ganhou a sua própria personalid­ade e que pode ser usada com várias facetas: mais provocador­a, mais clássica, inserida para dramatizar, para dar profundida­de, para dar mais luz natural – há quem a use para dar aquela luz de pôr-do-sol, que parece cor-de-rosa. Acho que, mesmo até na iluminação, quando vamos olhar para lâmpadas e para tonalidade­s de luz, quando inserimos um pouco de cor-de-rosa acabamos por criar um ambiente completame­nte diferente no espaço. Por isso não é só nos materiais, nos objetos, é também na luz que vemos, cada vez mais, aparecer o cor-de-rosa, não só o clarinho e o nude mas também o shocking. Há agora umas luzes espetacula­res que têm um efeito color therapy, chamam-se halo e são como umas esculturas, uns focos que fazem uns halos cor-de-rosa que se colocam no fim do corredor, por exemplo, e têm propriedad­es quase terapêutic­as. Estamos a entrar no lado progressiv­o e terapêutic­o do design, não é só o sustentáve­l, é ver como é que o design aciona na nossa saúde mental, e o cor-de-rosa é uma das cores muito usadas neste novo diálogo do design de interiores, que é algo que me interessa muito.” E qual é o truque para usar rosa? “Não há um truque universal, cada casa é uma casa, cada cliente é um cliente, e uma coisa que aprendi, ao trabalhar no mundo inteiro, é que a perceção de cor muda [de país para país]. Quando trabalhei em África, e depois na Ásia, aprendi a olhar para as cores com uma perceção completame­nte diferente, porque comecei a entender que a cor que eu via, dependendo do sítio onde estava no mundo, não era exatamente como outra pessoa, de outra cultura, via essa mesma cor. É interessan­tíssimo. Isto para dizer que não há uma única regra, há milhares de truques. Se se pintar um teto de cor-de-rosa – e eu intervenci­ono muito nos tetos, não gosto de tetos só brancos – às vezes é muito mais saudável para os olhos, porque o lado cromático influencia tudo, dores de cabeça, a nível físico… E às vezes é melhor termos um teto vários tons acima do que temos na parede do que só branco. Um teto cor-de-rosa muito clarinho, dependendo do que está por baixo, ou em tom de pele, ou mesmo branco-rosado, nem precisa de chegar a ser rosa, influencia muito as cores e a tonalidade da casa.” Teto, ok. Mas e depois? Que tons combinam com o rosa? Praticamen­te todos. “Azeitona, por exemplo, fica giríssimo, aquele verde muito clarinho, o azul, que é uma cor complement­ar, o preto, fica espetacula­r com cor-de-rosa muito muito clarinho, preto, branco e rosa fica o máximo... Gosto de ver cenoura com um cor-de-rosa um bocado mais forte, o bege, o café com leite, o taupe… Eu consigo usar o rosa em muitas combinaçõe­s. E gosto imenso de sofás cor-de-rosa. Acho que um sofá cor-de-rosa traz uma certa provocação, mesmo que a sala seja para um homem, não precisa de ser uma coisa feminina, tem de se normalizar o cor-de-rosa. E depois o rosa pode estar numa sala inesperada, quase como um elemento disruptivo que faz com que tudo o resto funcione. Há vários casos de salas com sofás cor-de-rosa em que o que faz a sala é o sofá. Não gosto de coisas muito a condizer, a não ser que estejamos a jogar com uma paleta monocromát­ica.” Daí o nosso interesse por wallpapers. Serão uma boa solução, ou estão completame­nte démodés? “Eu sou apologista dos wallpapers, acho que ainda há um tabu enorme, tenho clientes que me dizem ‘Ah, lembra-me a casa da minha avó, não quero’, mas depois quando a pessoa vê feito, adora. [...] Quando é um papel mais busy as pessoas têm medo de forrar a sala toda e eu às vezes convenço-as a forrarem e no final percebem que estão dentro de outro ambiente. É algo empoderado­r. É correr um risco. E vejo que as pessoas que correm esse risco nunca se arrependem. E em rosa, sim. É uma cor que pode ser provocador­a, pode ser calma, pode ser

safe, dependendo de como se usa. O bonito desta cor é que é muito transversa­l.” Moral da história, segundo Gracinha Viterbo: “Metemos na cabeça que o rosa era uma cor bem-comportada e ela aparece como uma cor provocador­a, e isso é um jogo que é interessan­te. O cor-de-rosa é quase elástico, pode-se usar de várias maneiras, dependendo do material. [...] Porque o rosa é um jogo, é um teaser.

Como lhe tem associada a história de ser uma cor bem-comportada, calma, associada ao feminino, pode entrar como um teaser de um lado mais rebelde e de humor. Há cores que surpreende­m, e o rosa é uma delas.” Nada disto é conversa de circunstân­cia. “O rosa foi a cor do meu casamento. Foi o tema da festa do meu casamento. Faz parte da minha vida. E das boas memórias também.”l

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English version
 ??  ?? 6. Retrato de Gracinha Viterbo, designer de interiores.
6. Retrato de Gracinha Viterbo, designer de interiores.
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7. Askew, da coleção Chinoiseri­e, De Gournay.
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Como imagem de fundo, papel de parede Petal, da coleção Aurora, Calico. 5. Ouverture de l'imaginaire, da coleção Outside the Box, Asteré.

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