Parallel Universe.
Mariel Clayton não é uma fotógrafa comum. Contar mais seria fazer spoiler.
Mariel Clayton cria cenários pós-apocalípticos onde a protagonista, oito em cada sete vezes (pun intended) é uma boneca que nos habituámos a idealizar como uma donzela girly e indefesa. As suas fotografias, pequenas-grandes obras de arte onde prima o detalhe, não são para meninas.
Ointeressante na obra de Mariel Clayton é que não se consegue resumir numa só frase. Subversiva? Sim. Agitadora? Sem dúvida. Provocadora? By all means. Mas o trabalho desta fotógrafa baseada em Oakville, Ontário, no Canadá, é acima de tudo original. Ela foi uma das primeiras artistas a ter coragem – é disso que se trata, de coragem – de pegar num ícone da cultura popular e de o destruir, perdão, desconstruir. Quem é que, até há uma década atrás, imaginava ver a Barbie, essa boneca de meninas que nunca serviu para mais do que brincadeiras com finais felizes, a decapitar o eterno noivo, Ken, a tomar banho no sangue dos namorados, a exibir os filhos num almoço onde há mais armas do que comida, ou a masturbar-se em frente a uma câmara invisível? Sejamos sinceros, ninguém. Tudo isto Clayton tornou possível, porque a sua imaginação não tem limites e porque, acima de tudo, o que pretende é subverter estereótipos que estão há muito entranhados na nossa sociedade. “Ela não foi abusada quando era criança. Ela não odeia os homens... alguns até os acha bastante úteis”, lê-se na nota biográfica do seu site pessoal. Com uma carreira aclamada por todos os que aplaudem um humor negro e refinado, Mariel já expôs em Nova Iorque, Paris, Berlim, e agora aterra nas páginas da Vogue. É que, por vezes, o cor-de-rosa precisa de um nadinha de preto para ser mais spicy.
Define-se como uma fotógrafa “especializada no macabro e no subversivo.” Como é que tudo começou? Sempre quis tirar
fotografias? Tudo começou oficialmente quando comecei a colecionar miniaturas japonesas. Foi isso que desencadeou a ideia de criar um mundo de humor negro para a Barbie habitar e que parecia assustadoramente realista. Sempre gostei de construir imagens e cenas, mesmo em criança. Fosse a criar pequenos ambientes para brincar, ou a arrumar coisas para pintar ou desenhar, ou a trabalhar em cenários teatrais no colégio. Gosto do ato de criar mundos e fotografias nos quais os espectadores possam mergulhar – e, principalmente, apreciar pequenos detalhes. Quando encontrei as miniaturas pela primeira vez, parecia que o passo seguinte era levar a construção de cenas para o próximo nível. Ser adulto significava dar uma volta totalmente nova à ideia de “brincar com bonecas” – e no início eu só planeava manter cada conjunto completo como uma peça única. Mas havia tantas possibilidades, parecia muito melhor ideia fotografar cada uma, e depois destruí-la e começar outra, nova, e partilhar cada foto com os meus amigos ao longo do processo. Sempre gostei de fotografia, por isso, poder combinar os dois hobbies e paixões num só acabou por ser um incrível escape criativo para mim, que ainda estou a explorar.
Em criança costumava brincar com Barbies? Porque é que escolheu esta boneca como foco central do seu trabalho? Eu era uma criança mimada e tinha toneladas de brinquedos – especialmente a Barbie e os seus acessórios. Curiosamente, eu não brincava com a boneca em si, eu apenas “criava” um mundo Barbie onde ela podia existir, mas quando chegava a hora de brincar com ela... era chato... ela era vazia. Foi essa ideia que mais tarde me fez perceber que a Barbie como ícone é o brinquedo perfeito para transmitir múltiplos significados. Ela “pode ser” qualquer coisa ... e ainda assim sempre foi estereotipada como sendo, “bimba”, vazia e obcecada por beleza. Eu queria mudar isso e mostrá-la como algo mais escuro, com mais camadas, mais possibilidades. A ideia de doçura banal associada a uma sociopatia assassina não é assim tão rebuscada, como qualquer rapariga em qualquer escola lhe poderá dizer.
Os cenários que usa têm detalhes impressionantes. Constrói-os sozinha? Como é que arranja as peças que compõem as fotos, além das bonecas? Sou eu que construo cada cenário, sim – é uma construção muito simples, mas que se torna mais envolvente com a quantidade de adereços que coloco em cada um. As miniaturas são feitas principalmente por duas empresas japonesas, ReMent e Megahouse, e compro-as a colecionadores online, no Ebay, etc. O cenário começa de forma bastante simples, com uma cartolina ultra-branca, papel para [fazer] scrapbooks e algumas peças de madeira e móveis que peguei e repintei ao longo dos anos. Quando começo, normalmente há sempre uma imagem muito sólida na minha cabeça, e construo tudo a partir dessa base – assim que tiver as peças básicas configuradas, verifico a perspetiva no visor da câmara para ter a certeza de que está tudo bem composto e, de seguida, começo a adicionar os detalhes. À medida que prossigo, vou verificando pela câmara para ver como tudo está a ficar. Coisas como o sangue, a água, as bolhas etc., são sempre adicionadas por último. Às vezes, mudo completamente de direção a meio do caminho, rasgo a maior parte, e começo de novo. Cada diorama está em constante evolução – e a maior parte das piadas com detalhes menos óbvios só me surgem à medida que vou juntando as peças. Pode ser um processo muito interessante, o que vai da ideia inicial à imagem final.
Onde vai buscar inspiração para a sua obra? A todo o lado. Não consigo identificar nenhum meio específico de inspiração – porque qualquer coisa pode desencadear uma ideia, que depois se distorce. Tive ideias que surgiram de padrões no papel, de letras de músicas, de uma piada de mau gosto, de uma frase aleatória ouvida de passagem. Não acho que exista uma forma de explicar ou quantificar a inspiração.
O que é que responde às pessoas que dizem que a sua arte é demasiado chocante? Boa! Deve ser chocante... Não consigo pensar em nada pior do que uma resposta apática a uma das minhas fotos. O choque galvaniza o visualizador. As minhas fotos, na sua maioria, têm o objetivo de provocar uma resposta forte. Não há bom ou mau, é apenas como cada indivíduo interpreta o que está a ver. Para mim isso é absolutamente fascinante.
Esta edição é dedicada ao cor-de-rosa. É uma cor de que goste?
O que significa para si? Rosa, para mim, significa uma espécie de feminilidade forçada. À medida que me tornava mais velha, tudo era “pintado” de rosa para as meninas. A cor e a mensagem “feminina” por trás disso eram inescapáveis. Tudo o que era feminino existia apenas em tons de rosa, e era irritante, porque era uma cor que achava muito chocante e porque odiava ser obrigada a adotar uma cor de que não gostava, simplesmente por ser rapariga. Felizmente, a “lavagem rosa” de objetos destinados às raparigas diminuiu muito, mas ainda é irritantemente visível. Estou a começar a aceitar lentamente a cor... Lentamente, mas ainda não aprendi a amar o rosa, é por isso que ele aparece em algumas das minhas fotos quando quero abordar a “feminilidade” de uma forma aberta e açucarada.