VOGUE (Portugal)

Rosa-choque.

Todos estes artistas comem cor-de-rosa ao pequeno-almoço. Sorte a nossa.

- Por Sara Andrade.

Maria Imaginário

Reduzir o seu trabalho ao rosa é não ver o espectro de tonalidade­s pastel que pintam o imaginário do trabalho da portuguesa Maria, mas o cor-de-rosa é um bom ponto de partida para descrever um corpo de obras artísticas que primam por esse feeling. Mas não é por ser tão fofo como algodão doce que estas figuras com olhos e sorrisos de orelha a orelha falam menos de coisas sérias ou se circunscre­vem a esculturas tiradas de um conto de fadas. Maminhas e pénis e corações e emojis e gelados povoam o seu trabalho de igual modo para abordar temáticas como o amor (e o desamor), e a mulher e as emoções e a vida e o dia a dia… de uma forma que à primeira vista pode parecer ingénua, mas que se esculpem por camadas mais profundas repletas de humor, ironia e o seu quê de amargo quando misturadas na estética doce de @ maria_imaginario.

O rosa tem uma forte presença no seu corpo de trabalho. Porquê o rosa e o que significa, para si, a cor? Harmonia! O rosa é uma cor que me transmite harmonia. Todas as cores têm o poder de criar memórias e sentimento­s, por exemplo, todos nós temos pelo menos uma cor preferida, certo? A cor tem o poder de criar respostas emocionais, sejam positivas ou negativas. A cor acompanha-nos a vida toda, tudo é cor.

Como é que o seu love affair com o rosa começou? Não me lembro de como começou, porque penso que não existiu nenhum momento específico, o uso de cor-de-rosa não se deu como uma escolha consciente, foi algo mais intuitivo. O cor-de-rosa e os seus derivados, seja o lilás mais frio ou o salmão mais quente, são cores que sempre fizeram parte da minha paleta de cores, desde que me lembro de pintar.

Ainda que use outros tons, é válido dizer que a sua arte é feita de "rosa", ou que pelo menos indica um mundo rosa, singulariz­ando o rosa como um tom especial. Porque é que, enquanto artista, optou por uma cor e uma filosofia tão sorridente e de

"boas vibrações” Definitiva­mente quero passar sempre boas vibrações com o meu trabalho. Até mesmo quando falo de coisas menos boas, uso sempre o poder da cor para equilibrar o lado emocional do meu trabalho e deixar sempre uma nota positiva. Quero que o público tenha uma sensação de bem estar, de feel good, a olhar para o meu trabalho, é sobretudo isso que me faz feliz a criar.

Só porque é um tipo de cor que suscita o mood "boas vibrações", não significa que não haja uma mensagem séria por trás disso (muito pelo contrário, como se pode constatar). Acha que quando a mensagem é passada com um "sorriso",

as pessoas tendem a aceitá-la mais facilmente? Sim, penso que tudo o que é positivo entranha-se mais facilmente do que algo que é pesado e negativo. O meu trabalho vai de mim para os outros, sai de mim, por isso passar uma mensagem com impacto emocional positivo é algo importante, quero que ele seja um escape ao nosso dia a dia. Falo de temas importante­s para mim, claro, mas penso que são substância comum a todos: o amor, a dualidade de sentimento­s, as várias fases das emoções, mas a cor muda o tom de como passo as minhas histórias. Penso que uma das partes boas da arte é conseguir com a cor e o seu tom elevar o mood de uma peça para onde queres, como a banda sonora num filme. É difícil viver num mundo cor-de-rosa quando o mundo exterior parece ser cada vez mais cinzento? O mundo está mais cinzento? Ver o mundo mais cinzento é uma escolha; eu, por exemplo, sou daltónica aos tons cinzentos e aborrecido­s – a maior parte dos dias –, não tenho uma peça de roupa preta, por exemplo. Mas não é que esteja em negação, atenção, os tons escuros e cinzentos existem, e é uma tonalidade importante para muitas pessoas. Tenho a opinião que é importante saber viver com o lado cinzento também, para depois conseguirm­os apreciar a leveza e harmonia que um cor-de-rosa pode trazer.

Há algum personagem de banda desenhada cor-de-rosa que adore? É curioso, nunca refleti bem sobre personagen­s cor-de-rosa, mas assim de repente adoro o BUBU do Dragon Ball. Talvez porque estou sempre com fome.

Qual é o seu Pantone de rosa favorito? Por norma, não trabalho por Pantones, os meus cor-de-rosa vão sendo criados de forma intuitiva na paleta, com muito branco à mistura, sejam para tons mais para o quente ou frios. Mas se tivesse de escolher um Pantone talvez fosse o Aurora Pink, porque é um rosa bastante neutro que consigo usar em todos os trabalhos.

Do seu portefólio, qual é a sua obra cor-de-rosa favorita? A minha instalação sobre a Marie Antoinette, na Travessa da Ermida em 2018. O meu objetivo era praticamen­te só com a cor conseguir transforma­r completame­nte um espaço, e torná-lo numa experiênci­a imersiva, levar-te mentalment­e para outro sítio, idílico e mágico, penso que consegui isso.

Se um dia lhe dissessem que as reservas de cor-de-rosa tinham acabado, que cor usaria? O azul do céu num dia de verão, ou o lilás de um jacarandá em maio.

Alberto Pazzi

O background pode ser cor-de-rosa, mas pouco nas suas ilustraçõe­s e colagens o é, metaforica­mente falando. Numa representa­ção de temas tabu em formato meio surrealist­a que deixam espaço à interpreta­ção, mas sem margem para dúvidas sobre uma mensagem que se quer séria, o mexicano Alberto Pazzi – @ppaazzzzii no Instagram – aborda de tudo um pouco, desde a sua relação com Nova Iorque (onde reside) a emoções com as quais tão facilmente no identifica­mos, como a melancolia, a solidão, o amor, ou a autoestima. A paleta vibrante não mascara, não se engane, pelo contrário: destaca ainda mais as linhas que desenham a mais profunda realidade humana, que não se pinta de happy pink. Mas o fundo dos trabalhos de Pazzi, que têm a figura humana (nomeadamen­te a feminina) como protagonis­ta, pinta-se como mais um elemento unificador de um portefólio que não precisa de explicação: é a mente humana, preto sobre rosa. Ou recortes sobre rosa.

O rosa tem uma forte presença no seu corpo de trabalho. Porquê o rosa e o que significa, para si, a cor? É uma cor que gosto de ver e usar muito porque combina bem com as minhas linhas e com o meu estilo de pintura. Eu cresci perto de uma cidade muito colorida no México, onde as casas são de todos os tipos de cores diferentes, o que definitiva­mente me marcou.

Como é que o seu love affair com o rosa começou? Há cerca de quatro anos, estava a desenhar formas abstratas com um marcador gasto numa folha barata de papel rosa, apenas como um exercício de esboço. Essas formas acabam por eventualme­nte se tornar em corpos femininos e ideias aleatórias. O facto de esses esboços não estarem numa folha de papel branco normal fazia com que parecessem peças concetuais acabadas e eu cabei por ficar satisfeito, por isso continuei e tenho usado apenas papel rosa desde então.

Ainda que use outros tons, é válido dizer que a sua arte é feita de "rosa", ou que pelo menos indica um mundo rosa, singulariz­ando o rosa como um tom especial. Porque é que, enquanto artista, optou por uma cor e uma filosofia tão sorridente e

de "boas vibrações” Estou sempre à procura de significad­o, de beleza, e de revelar as complexida­des da natureza humana de uma forma simples. O rosa é apenas a cor pela qual sou obcecado e que encaixa melhor no meu estilo, mas não acho que o meu trabalho seja sempre necessaria­mente "sorridente e com boas vibrações.” A mensagem por detrás disso tende a ser bastante sombria, às vezes.

Só porque é um tipo de cor que suscita o mood "boas vibrações", não significa que não haja uma mensagem séria por trás disso (muito pelo contrário, como se pode constatar). Acha que quando a mensagem é passada com um "sorriso", as pessoas tendem a aceitá-la mais facilmente? Com certeza, o tipo de trabalho que faço é sempre em busca de conexão e sinto-me deveras satisfeito quando uma de minhas peças ressoa junto do público. Saber que o meu trabalho fica pendurado na casa das pessoas e que elas o compraram porque lhes disse alguma coisa, enche-me de alegria e é algo que nunca vou dar por garantido. É difícil viver num mundo cor-de-rosa quando o mundo exterior parece ser cada vez mais cinzento? Não podes deixar que o mundo exterior te paralise e te impeça de criar. O teu papel como artista é abraçar o que estás a passar e usar isso. Quer seja dor ou raiva, deves ter uma mente calma e serena para se concentrar em fazer um trabalho sincero e significat­ivo.

Há algum personagem de banda desenhada cor-de-rosa que

adore? A Pantera Cor-de-Rosa causou definitiva­mente impacto. Havia algo no estilo de ilustração e na banda sonora que parecia, acima de tudo, o que eu estava a assistir naquela época.

Qual é o seu Pantone de rosa favorito? O rosa salmão, não sei o nome oficial, mas espero um dia ter um Pantone com o meu nome.

Do seu portefólio, qual é a sua obra cor-de-rosa favorita? É impossível escolher apenas um, mas o fantasma solitário no bar e o palhaço que se olha no espelho estão definitiva­mente entre os meus autorretra­tos favoritos. Ambas as pinturas estão nas casas de dois dos meus amigos mais queridos, por isso estão em boas mãos.

Se um dia lhe dissessem que as reservas de cor-de-rosa tinham

acabado, que cor usaria? Não sei, provavelme­nte vermelho. Tenho a certeza de que encontrari­a um novo modo de expressão vibrante e empolgante.

Cécile Hoodie

Não se deixe enganar pelas tonalidade­s rosa que parecem dominar o trabalho de Cécile Hoodie: a artista francesa aborda temas sérios numa série de imagens que parecem beber do lado doce e negro de um Virgens Suicidas, de Sofia Coppola. Segui-la no Instagram, @ cecile_hoodie, é entrar num mundo que vibra em cor, à primeira vista, mas que faz ressonânci­a em temas sérios, como sexo, amor, feminismo, redes sociais, menstruaçã­o, ódio, abuso sexual, desigualda­de de género… Numa abordagem que mistura o seu quê de

pop com o seu quê de trashy, há rebeldia tanto quanto estética; há tanto de honestidad­e quanto de subliminar, há tanto de humor quanto de dramático. Porque, aqui, não há filtros para falar do que interessa. Nem sequer em tons de pink.

O rosa tem uma forte presença no seu corpo de trabalho. Porquê o rosa e o que significa, para si, a cor? Em França, temos a expressão “madeleine de Proust”, que designa algo que remete a pessoa à sua infância, assim como o cheiro de madalenas, que fez com que Marcel Proust a mencionass­e num dos volumes do seu livro Em Busca do Tempo Perdido. E diria que o rosa é uma das minhas muitas madeleines de Proust, lembra-me a minha infância, os brinquedos e objetos que tive durante os anos 80 e 90.

Como é que o seu love affair com o rosa começou? Apesar de relacionar essa cor à minha infância, não me lembro de adorar o rosa naquela época. Era uma cor na minha vida, mas durante a minha adolescênc­ia, por exemplo, não me importava com isso e achava que era muito "feminina" e "princesa" para uma rebelde como eu. Interessei-me pelo rosa, de facto, desde que comecei a explorá-lo nas minhas fotos.

Ainda que use outros tons, é válido dizer que a sua arte é feita de "rosa", ou que, pelo menos, indica um mundo rosa, singulariz­ando essa cor como um tom especial. Porque é que, enquanto artista, optou por uma cor e uma filosofia tão sorridente e de "boas vibrações"? Porque, agora, para mim, é realmente a melhor cor da vida. Traz imagens e objetos de forma positiva, como um blush rosa nas bochechas. Também acho o rosa muito estético. É caloroso e divertido. Eu gosto de seu lado kitsch quando é explorado ao extremo e seu lado retro dos anos 90 também. Esta é a cor que muitas vezes é equiparada ao feminino (embora as cores não devam ter um género), infantil, cândida, festiva ou kawaii. É a cor das flores de cerejeira, roupas de boneca. Amo os universos estéticos de Sofia Coppola e Wes Anderson, por exemplo, e é uma cor que é suficiente por si mesma, para criar uma atmosfera e um mundo que relembra a doçura e o passado, algo que é bem ilustrado no filme The Grand Budapest Hotel.

Só porque é um tipo de cor que suscita o mood "boas vibrações", não significa que não haja uma mensagem séria por trás disso (muito pelo contrário, como se pode constatar). Acha que quando a mensagem é passada com um "sorriso", as pessoas tendem a aceitá-la mais facilmente? Sim, é algo que joga muito na minha escolha dessa cor, a diferença entre o aspeto estético que surge da foto à primeira vista, e a mensagem que surge quando prestas um pouco mais de atenção. Gosto da ideia de produzir uma imagem infantil rosa-rebuçado que chame a atenção e pareça inocente, com uma mensagem mais forte, sobre temas sérios (feminismo, direitos LGBTQ+, injustiças sociais...) ou apenas um significad­o divertido e brega.

É um pouco de arte rosa-rebuçado, mas um rebuçado ácido que pode fazer algumas pessoas estremecer­em. É difícil viver num mundo cor-de-rosa quando o mundo exterior parece ser cada vez mais cinzento? Não, acho bastante encorajado­r fazê-lo ainda mais. Se as coisas ao teu redor parecem sombrias e soturnas, esta é mais uma motivação para nos refugiarmo­s num mundo que escolhemos, que amamos e que nos tranquiliz­a. Por exemplo, o meu quarto não parece um quarto standard de uma mulher de 37 anos, as paredes são rosa, as cortinas também, há detalhes que parecem o quarto de uma adolescent­e do passado, há flores falsas, imagens de ícones da minha juventude, e para mim é provavelme­nte o lugar onde me sinto melhor. Este é o meu “covil”, e os eventos recentes e o confinamen­to só aumentaram a minha necessidad­e de me sentir realmente bem lá. Acho que é muito importante não nos preocuparm­os com o que as pessoas podem pensar sobre isso, quando se trata de algo que nos faz sentir bem.

Há algum personagem de banda desenhada cor-de-rosa que adore? O Patrick do SpongeBob SquarePant­s. Sempre adorei este desenho animado. O Patrick é simples, gentil, engraçado e um amigo fiel, e a sua vida, de calções, faz-me sonhar. O dueto deles com o Bob é perfeito, e eu acho-os super divertidos. É um cartoon que é uma das coisas que me lembra uma época em que tudo parecia mais simples.

Qual é o seu Pantone de rosa favorito? O Pantone 14-1911 Candy Pink. Pelo lado rosa claro e suave, como o plástico dos meus brinquedos de infância. Acho que esse rosa é vintage e intemporal ao mesmo tempo. É o tipo de rosa que uso em muitas das minhas fotos.

Do seu portefólio, qual é a sua obra cor-de-rosa favorita? Eu não tenho uma foto favorita, na verdade, mas aquela com a máscara de papel de hambúrguer é uma das primeiras que realmente foi partilhada em grandes contas do Instagram. Tive a ideia enquanto comia num restaurant­e de fast food com os meus amigos. Muitas vezes, as ideias surgem quando vejo objetos. E estou muito orgulhosa de ter tido esta ideia, que é bastante simples, afinal, mas que resume algumas coisas sobre os nossos hábitos alimentare­s que contradize­m as nossas rotinas de self-care, por exemplo, e, mais genericame­nte, o paradoxo de muitas coisas em países ocidentais.

Se um dia lhe dissessem que as reservas de cor-de-rosa tinham acabado, que cor usaria? É uma boa pergunta, porque não tenho nenhuma cor que concorra com o rosa no meu coração. Imagino que seria um azul claro, como o azul de um céu de verão, que também uso regularmen­te nas minhas fotos (também para alternar cores e para que o feed do Instagram fique mais bonito). É uma cor que também pode referir-se a coisas infantis e doces. Mas continua frio e, mesmo esteticame­nte, os objetos destacam-se sempre melhor no rosa (do meu ponto de vista).

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 ??  ?? No topo, à esquerda, esculturas Candy Crush em cerâmica; e, em cima, escultura When life gives you twists and turns em madeira, tudo Maria Imaginário. Ao lado, Maria Imaginário.
No topo, à esquerda, esculturas Candy Crush em cerâmica; e, em cima, escultura When life gives you twists and turns em madeira, tudo Maria Imaginário. Ao lado, Maria Imaginário.
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 ??  ?? De cima para baixo, da esquerda para a direita, ilustraçõe­s Reminiscen­ces of the Early Days 13/20, Japanese Lady, Blind and Useless II e Topless Romantic, tudo por Alberto Pazzi. Em baixo, o ilustrador.
De cima para baixo, da esquerda para a direita, ilustraçõe­s Reminiscen­ces of the Early Days 13/20, Japanese Lady, Blind and Useless II e Topless Romantic, tudo por Alberto Pazzi. Em baixo, o ilustrador.
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 ??  ?? Alguns exemplos do corpo de trabalho de Cécile Hoodie. Em baixo, a artista.
Alguns exemplos do corpo de trabalho de Cécile Hoodie. Em baixo, a artista.
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