Ouro sobre rosa.
Não basta mexer nos tons ou na nobreza dos materiais. Não basta ter uma produção exímia, nem sequer ousar ao aliar o ouro branco e amarelo ao rosa que dita o mood desta edição. É preciso saber juntar tudo sob um único mote: o do design.
Ou ouro sobre azul. Porque A Cartier transforma qualquer matéria-prima numa obra-prima.
E, sobre isso, a Cartier sabe uma ou duas (ou mil) coisas. A cultura do design é, para a marca francesa, tão essencial para a sua estratégia e filosofia quanto a qualidade da matéria-prima e a irrepreensível produção. Para a Cartier, tudo começa com o desenho. É com as linhas que não cedem a constrangimentos e com a precisão de um raciocínio e a liberdade de um artista que se escreve o primeiro capítulo de uma peça que é mais do que um objeto, ou um acessório, é uma obra de arte. Um rabisco intencional que não assina só cada anel, pulseira, colar ou outro item precioso da casa, assina também a identidade da própria Cartier e o seu espírito criativo. O resultado não são joias, são coleções de culto tão singulares quanto a liga metálica que as compõe, porque o propósito da caneta ou lápis quando toca uma folha em branco é elevar a ideia à sua expressão mais depurada, seja na estrutura de leitura imediata, percetível a olho nu, seja numa busca obsessiva pela pureza de um traço que se impõe como o esboço não de um produto, mas de uma experiência extraordinária para o consumidor.
Este design é o resultado do mais puro formato criativo da mente humana: a imaginação. A curiosidade. A vontade constante em questionar. Um quadrado, um círculo, ou qualquer outra forma, não são simples exemplos de figuras geométricas – para a maison, são um desafio, uma hipótese, um embrião para um estudo e reflexão sobre os efeitos do paralelismo, da simetria ou até da assimetria; são uma análise da perspetiva, um ensaio sobre profundidade ou um jogo de curvas que permitem imitar e criar movimento, inventando novas formas… E isso significa perceber até onde cada uma destas experiências pode ir para criar um objeto que não é pontual, é intemporal. Como é que essa transformação ocorre? No equilíbrio, nas proporções precisas, no compromisso entre a linha e a forma, a volumetria e a sua harmonia
– basicamente, na perspetiva “cor-de-rosa” da criação e da criatividade, ou seja, no ideal entre o que se imagina e o que se concretiza.
Só quando a proporção faz sentido é que a elegância do objeto acontece e surge com naturalidade no seu contexto. Os objetos Cartier obedecem às épocas, mas não se cingem a elas, transcendem-nas, porque o design não é apenas estético: é funcional. O love affair entre forma e função é mais perceptível nestes exemplares que usufruem da inovação técnica e de uma procura pela ergonomia para resultar numa joia que não é apenas bonita e especial, é confortável. Mas nunca permitindo que esta noção de conforto menospreze a beleza dos seus detalhes.
Quem nunca olhou para uma pulseira Love e reconheceu os seus círculos-fechadura? Quem nunca olhou para o trio de ouros entrelaçados e reconheceu ali o anel Trinity? Os pormenores não fazem só a diferença, identificam também uma peça e, no caso da Cartier, incrementam a sua iconicidade. Mas não são detalhes gratuitos ou artificiais: contribuem para a sua funcionalidade e utilidade, sem comprometer o fator estético. E é nesta relação que a intemporalidade acontece: a cultura do design da Cartier prima por criar objetos com emoção – e toda a gente sabe que o fator emocional não tem data. Inserem-se numa época, mas inscrevem-se em qualquer outra; refletem o presente, mas vivem no futuro. São contemporâneos – mas não da era em que foram criados, e sim da era em que são usados. Porque qualquer uma das criações Cartier desfruta da mesma capacidade para se reinventar, consoante quem a usa, e nunca esgota aquilo que quer transmitir, constantemente evoluindo a energia criativa, de época para época. Acima de tudo, porque o resultado não é apenas património cultural, antes objetos afetivos, que encerram memórias. E as memórias perduram no tempo tanto quanto o design Cartier não tem espaço específico – é eterno. É este o poder da cultura do design que é apanágio da marca francesa: o tempo não é fator de validade, muito pelo contrário, exponencia o apego pelas peças, em constante crescimento.
Palavras caras sem fundamento? Longe disso. A maison tratou de pôr toda a teoria em prática lançando exemplos de linhas de joalharia e relojoaria com peças como o relógio Tank, o anel Trinity, a pulseira
Juste un Clou, o relógio Santos, a pulseira Love, os relógios Panthère de Cartier e Ballon Bleu, todos eles objetos emblemáticos da marca (e que não desprezaram a versão em ouro rosa, mesmo quando este não era o metal de eleição da sociedade – adicione-se, portanto, "visionários" à lista de adjetivos dos criativos que trabalham para a histórica casa). Um exemplo? A pulseira Juste en Clou, desenhada por Aldo Cípullo em Nova Iorque nos anos 70, coloca a forma comum de um prego numa bracelete que tem tanto de bela como de ergonómica – e de luxo. O inconfundível Trinity, imaginado por Louis Cartier corria o ano de 1924, coloca num único anel a mobilidade de três, unindo um trio de tonalidades numa aliança atípica para a
época. O grafismo do quadrangular Santos, de 1904, é inédito para a altura – a Cartier lança o seu primeiro relógio quadrado para o pulso numa altura que privilegia os redondos mostradores de bolso; o retangular Tank, que surge também das mãos de Louis em 1917, segue-lhe as pisadas e desafia os ditames para criar uma harmonia ininterrupta de linhas entre a bracelete e o mostrador, de tal forma que ainda hoje é admirado como se a sua criação fosse do século XXI. E dizer que a Love é a visão do design Cartier que privilegia a forma sem menosprezar a função é reiterar o óbvio: a pulseira oval assinada por Cipullo, em 1969, obriga a uma chave especial para abrir e fechar a bracelete através destas circunferências que atuam como fechaduras, simbolizando um amor que se sela, como sendo para sempre. Porque é que se aborda assim o culto do design nas jóias de Cartier numa edição que se rege pelo pink, ainda que as tonalidades preciosas da marca surjam noutros Pantones? Porque, pelo andar da carruagem, a casa francesa não vai apenas desafiar os dogmas da joalharia, vai ainda revolucionar ditados. É que esta obsessão por primar não só pela nobreza dos materiais, mas também pela nobreza das ideias e do design, vai além do que se considera ser ouro sobre azul. É ouro sobre rosa.
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