Nem tudo são rosas.
Não, não estou envergonhada. Não bebi um copinho a mais. Não estou com calor ou febril. E agradecia que parassem de comentar. Este é o relato de quem tenta dar a outra face, mesmo quando essa também espelha os sintomas de algo que não está ok.
A rosácea pode parecer pink, não tem graça nenhuma.
Rosácea não é o nome que se dá àquilo de que padece quem cora com muita facilidade. Rosácea também não é um sintoma de quem tem pele sensível e reativa. A rosácea não é uma condição nova, mas estima-se que o número de pessoas que se queixam deste problema esteja a aumentar – por culpa do stress, do uso de máscara e de mais uma mão cheia de causas. A rosácea é mais do que uma doença de pele difícil de esconder, é causa de desconforto, de dor e de problemas de autoestima de quem sofre por ver, já na idade adulta, a sua pele a mudar – e logo naquele que é o nosso cartão de visita para o mundo. No skinstagram português – a parte desta rede social onde se fala de tudo o que está relacionado com skincare e rotinas de beleza – é difícil falar de rosácea sem falar de Sara Fernandes (@makedown_) que, entre os
looks de maquilhagem coloridos e uma abordagem científica aos cuidados de pele por culpa da profissão, já que é farmacêutica com especialização em cosmética, vai também partilhando um pouco do seu diário da rosácea, a doença que já trata por tu, o pior das crises e o que faz para as controlar. Apesar de não ser uma patologia nova, ainda há muito por descobrir sobre as suas causas e sobre o que a define, conta-nos a especialista: “A rosácea é uma condição crónica e inflamatória, cuja etiologia e patologia ainda não é completamente conhecida. Não existem critérios bioquímicos ou serológicos (vulgares análises bioquímicas) que permitam confirmar o diagnóstico de rosácea, que é maioritariamente feito por observação de características morfológicas e pelas queixas que o doente apresenta. Até à data, nunca foram identificadas causas concretas da doença. Sabe-se que é mais prevalente em mulheres e em pessoas caucasianas, mas isso não exclui homens e outras etnias que, precisamente por serem menos frequentes, encontram muitas vezes as suas opções de tratamento limitadas (por exemplo: quase todos os produtos têm uma cor acinzentada ou esverdeada para camuflar o cor-de-rosa ou vermelho, o que deixa um efeito fantasmagórico em pele escura). Existe também envolvimento do parasita Demodex que, em circunstâncias normais, vive em paz connosco, mas que em doentes com rosácea se encontra descontrolado. Alguns pequenos estudos ainda referem que pode existir também um envolvimento intestinal. Infelizmente, e até ao momento, são mais as perguntas que temos do que as respostas.” Do que já foi estudado, sabemos ainda que existem quatro tipos de rosácea: “A eritmatotelangiectásica (eritema + derrames), a pápulo-pustulosa ou acne rosácea (frequentemente mal diagnosticada como acne vulgaris), a fimatosa (pode levar a rinofima e a uma mudança na estrutura da pele) e a ocular”, explica Sara. “No entanto, esta categorização não é universal entre si porque estes tipos de rosácea não são lineares ou ‘estáticos’. Ou seja, um doente pode ter os dois primeiros tipos e a ocular. A evolução da doença
“EU FUI DIAGNOSTICADA COM ROSÁCEA NUMA ALTURA EM QUE ESTAVA A TRABALHAR NA INDÚSTRIA DA COSMÉTICA. POUCAS COISAS SÃO TÃO DANOSAS COMO PROMOVER BELEZA A SENTIRMO-NOS MUITO FEIOS. SEMPRE ADOREI MAQUILHAGEM E CUIDADOS DE PELE E SENTI ESTA DOENÇA QUASE COMO O MEU CORPO A ‘TRAIR-ME’ E A PRIVAR-ME DAQUILO QUE ME DÁ MAIS PRAZER." Sara Fernandes
também não é linear entre estados e tanto evolui como regride.” Quanto aos sintomas, na sua fase inicial podem não ser fáceis de detetar. Os mais comuns são a sensação de calor no rosto, rubor, comichão, pústulas e vermelhidão (ou eritema) com telangiectasias (derrames). O facto de ainda não se saber muito sobre a rosácea também acaba por contribuir para a desinformação associada a diagnósticos confusos e até agravamento do problema causado por tratamentos inadequados.
"Não é uma doença curável e é caracterizada por períodos estáveis e de crise”, descreve Sara. Nesse caso, é possível controlar e gerir o seu aparecimento? “A resposta a esta pergunta é ‘depende’. Depende da extensão e do estado em que a rosácea se encontra e do que é considerado controlo. Algumas pessoas conseguirão manter a sua pele saudável apenas recorrendo a alguns cosméticos, outras terão de utilizar medicamentos como antibióticos (que numa dose subterapêutica têm um efeito vasoconstritor), antifúngicos (para controlar o malvado Demodex); moduladores do ritmo cardíaco e até algumas pomadas medicamentosas (com medicamentos antifúngicos ou vasoconstritores). Outras pessoas já terão uma extensão de eritema ou vermelhidão que só poderá ser reduzida com recurso a alguns tipos de laser.” Nos casos de rosácea menos agravada, os cuidados de pele serão aliados chave. “A rotina tem de estar assente numa boa limpeza, numa boa hidratação e numa proteção solar competente e que não agrave o problema. Habitualmente a limpeza pode ser feita com um produto suave como o gel
Sensibio, da Bioderma, ou o leite hidratante de limpeza da Cerave, a hidratação poderá passar por um sérum como o Redness Neutralizing, da Neostrata, ou o sérum Leti SR e, se for necessária mais hidratação, adoro o creme Physiogel AI para pele seca a mista (no inverno) e o Sensifine AR, da SVR, para peles oleosas a mistas (no verão). O protetor solar é mais complicado, porque muitos filtros agravam um pouco a rosácea e as texturas dos que são exclusivamente minerais são pavorosas, na minha opinião pessoal e na maioria dos casos. Dos melhores que já usei até hoje foram o UV safe me sun gel, da Make Pr:em (marca coreana) e o Aquafluid, da ISDIN. Tenho também sempre em casa certos produtos SOS que me ajudam em crises como, por exemplo, água termal (qualquer uma), o Serozinc, da La Roche-Posay, o sérum de ‘ataque’ para áreas vermelhas Rosaliac AR, também da La Roche-Posay, e os patches Very Simple Pack, da Cosrx, que são a melhor coisa do mundo para usar debaixo da máscara de proteção”, detalha a especialista. Mas Sara também alerta para o facto de cada pele ser uma pele, e cada rosácea ser uma rosácea. Há regras mais ou menos gerais a seguir, mas quanto a ingredientes ainda falamos de uma área cinzenta. “É sempre uma pequena roleta russa porque não há ingredientes universalmente bem ou mal tolerados, mas quando a pessoa está com o eritema ativo, eu diria para evitar produtos com perfume, óleos essenciais e ingredientes esfoliantes como os alfa e beta-hidroxiácidos. No entanto, algumas
guidelines de tratamento indicam que o uso de retinóides pode ser benéfico, o grande problema é que o doente os consiga tolerar. No geral, optar por cremes neutros, que deem conforto à pele e pensados para pele com rosácea”, sublinha. E essa roleta russa traduz-se em
testes atrás de testes, tentativa, erro e aprendizagem. Falando da sua experiência com a rosácea, Sara conta que já faz parte das suas preocupações há seis anos e que, enquanto apaixonada por beleza e cosmética, se viu obrigada a conhecer ainda mais a sua pele. “O que mudou na minha vida foi deixar o ácido glicólico com frequência (o grande amor da minha pele), deixar de tolerar vitamina C, não conseguir usar produtos demasiado untuosos e oclusivos (porque aumentam o calor na pele). Tudo coisas que a minha pele ama por ser demasiado seca. Passei a usar alguns produtos fora da rosácea e outros na zona da rosácea e a ter em casa sempre uma rotina SOS que vai comigo para todo o lado também.”
No cantinho da Internet onde partilha as suas experiências não se fala só de produtos e de peles perfeitas. Quando se fala de rosácea, é preciso mencionar as implicações que este problema pode ter na autoestima de quem sofre com ele e de como o diálogo e a partilha sobre o assunto pode ser uma ferramenta muito poderosa. “Eu fui diagnosticada com rosácea numa altura em que estava a trabalhar na indústria da cosmética. Poucas coisas são tão danosas como promover beleza a sentirmo-nos muito feios. Sempre adorei maquilhagem e cuidados de pele e senti esta doença quase como o meu corpo a ‘trair-me’ e a privar-me daquilo que me dá mais prazer. Além disto, é muito complicado lidar com os comentários e perguntas alheias que, por mais que não sejam mal-intencionados, a verdade é que são apenas mais uma ‘farpa’ numa autoestima já destruída. Desde o famoso ‘andaste na pinga?’, até ao incrível ‘nem é assim tão mau’, ou o ‘até acho fofo’, a verdade é que qualquer pessoa que sofra de qualquer problema visível fica rapidamente saturada de explicar o que é. Então quando se tem a cara a latejar e a deitar pus, ganha outro nível de assunções e situações desconfortáveis, que podem até incluir pessoas à nossa volta (como a assunção por parte de uma colega na farmácia onde fui buscar medicação de que teria sido agressão por parte do meu parceiro, que não foi, coitadinho!). Acresce a isto a sensação de ter uma extensa queimadura no rosto e toda a dor física associada a isso. Fui a mais de uma dezena de dermatologistas, alguns diziam-me que não havia nada a fazer, outros davam-me conselhos disparatados como colocar gelo (por favor, nunca façam isso, queima a pele e faz efeito rebound, a pele vai aquecer o dobro). Cheguei a achar que ia ficar com a pele deformada para sempre. Existem inclusive estudos acerca do impacto psicológico e emocional da doença e uma larga maioria dos doentes afirma que não consegue sair à rua sem cobrir um pouco a vermelhidão, acredito que pelas razões que já mencionei”, conta-nos. Partilhar o seu testemunho faz com que lhe cheguem outras tantas histórias e relatos sobre o mesmo diagnóstico, e que fazem crer que o problema é bem mais comum do que sabemos. Sara corrobora: “Existem relatórios preliminares que indicam que está em franca expressão. Acredito que se deva à utilização de máscaras de proteção aliada a uma maior sensibilidade por parte dos profissionais de saúde para distinguir a rosácea de outros problemas, e até para a sua existência. É urgente que exista mais investigação científica nesta área e mais soluções, não só cosméticas, como também terapêuticas. As terapêuticas são atualmente algo violentas a nível sistémico e as locais são ineficazes em muitos casos, e isto só mudará com investimento por parte da indústria farmacêutica. Esse investimento só surgirá se conseguirmos provar que esta é uma doença com expressão suficiente e que afeta as vidas de milhares de pessoas em todo o mundo.” Sara deixa um apelo: que não ignoremos os sinais que a nossa pele nos transmite. “Não é normal parecer um tomate depois do banho. Não é normal ter a cara a arder cada vez que se muda de espaço no inverno. Não é normal ficar vermelho durante horas, bebendo duas gotas de vinho. Não ignorem os sinais e procurem um dermatologista.”