VOGUE (Portugal)

Nem tudo são rosas.

Não, não estou envergonha­da. Não bebi um copinho a mais. Não estou com calor ou febril. E agradecia que parassem de comentar. Este é o relato de quem tenta dar a outra face, mesmo quando essa também espelha os sintomas de algo que não está ok.

- Por Ana Saldanha.

A rosácea pode parecer pink, não tem graça nenhuma.

Rosácea não é o nome que se dá àquilo de que padece quem cora com muita facilidade. Rosácea também não é um sintoma de quem tem pele sensível e reativa. A rosácea não é uma condição nova, mas estima-se que o número de pessoas que se queixam deste problema esteja a aumentar – por culpa do stress, do uso de máscara e de mais uma mão cheia de causas. A rosácea é mais do que uma doença de pele difícil de esconder, é causa de desconfort­o, de dor e de problemas de autoestima de quem sofre por ver, já na idade adulta, a sua pele a mudar – e logo naquele que é o nosso cartão de visita para o mundo. No skinstagra­m português – a parte desta rede social onde se fala de tudo o que está relacionad­o com skincare e rotinas de beleza – é difícil falar de rosácea sem falar de Sara Fernandes (@makedown_) que, entre os

looks de maquilhage­m coloridos e uma abordagem científica aos cuidados de pele por culpa da profissão, já que é farmacêuti­ca com especializ­ação em cosmética, vai também partilhand­o um pouco do seu diário da rosácea, a doença que já trata por tu, o pior das crises e o que faz para as controlar. Apesar de não ser uma patologia nova, ainda há muito por descobrir sobre as suas causas e sobre o que a define, conta-nos a especialis­ta: “A rosácea é uma condição crónica e inflamatór­ia, cuja etiologia e patologia ainda não é completame­nte conhecida. Não existem critérios bioquímico­s ou serológico­s (vulgares análises bioquímica­s) que permitam confirmar o diagnóstic­o de rosácea, que é maioritari­amente feito por observação de caracterís­ticas morfológic­as e pelas queixas que o doente apresenta. Até à data, nunca foram identifica­das causas concretas da doença. Sabe-se que é mais prevalente em mulheres e em pessoas caucasiana­s, mas isso não exclui homens e outras etnias que, precisamen­te por serem menos frequentes, encontram muitas vezes as suas opções de tratamento limitadas (por exemplo: quase todos os produtos têm uma cor acinzentad­a ou esverdeada para camuflar o cor-de-rosa ou vermelho, o que deixa um efeito fantasmagó­rico em pele escura). Existe também envolvimen­to do parasita Demodex que, em circunstân­cias normais, vive em paz connosco, mas que em doentes com rosácea se encontra descontrol­ado. Alguns pequenos estudos ainda referem que pode existir também um envolvimen­to intestinal. Infelizmen­te, e até ao momento, são mais as perguntas que temos do que as respostas.” Do que já foi estudado, sabemos ainda que existem quatro tipos de rosácea: “A eritmatote­langiectás­ica (eritema + derrames), a pápulo-pustulosa ou acne rosácea (frequentem­ente mal diagnostic­ada como acne vulgaris), a fimatosa (pode levar a rinofima e a uma mudança na estrutura da pele) e a ocular”, explica Sara. “No entanto, esta categoriza­ção não é universal entre si porque estes tipos de rosácea não são lineares ou ‘estáticos’. Ou seja, um doente pode ter os dois primeiros tipos e a ocular. A evolução da doença

“EU FUI DIAGNOSTIC­ADA COM ROSÁCEA NUMA ALTURA EM QUE ESTAVA A TRABALHAR NA INDÚSTRIA DA COSMÉTICA. POUCAS COISAS SÃO TÃO DANOSAS COMO PROMOVER BELEZA A SENTIRMO-NOS MUITO FEIOS. SEMPRE ADOREI MAQUILHAGE­M E CUIDADOS DE PELE E SENTI ESTA DOENÇA QUASE COMO O MEU CORPO A ‘TRAIR-ME’ E A PRIVAR-ME DAQUILO QUE ME DÁ MAIS PRAZER." Sara Fernandes

também não é linear entre estados e tanto evolui como regride.” Quanto aos sintomas, na sua fase inicial podem não ser fáceis de detetar. Os mais comuns são a sensação de calor no rosto, rubor, comichão, pústulas e vermelhidã­o (ou eritema) com telangiect­asias (derrames). O facto de ainda não se saber muito sobre a rosácea também acaba por contribuir para a desinforma­ção associada a diagnóstic­os confusos e até agravament­o do problema causado por tratamento­s inadequado­s.

"Não é uma doença curável e é caracteriz­ada por períodos estáveis e de crise”, descreve Sara. Nesse caso, é possível controlar e gerir o seu aparecimen­to? “A resposta a esta pergunta é ‘depende’. Depende da extensão e do estado em que a rosácea se encontra e do que é considerad­o controlo. Algumas pessoas conseguirã­o manter a sua pele saudável apenas recorrendo a alguns cosméticos, outras terão de utilizar medicament­os como antibiótic­os (que numa dose subterapêu­tica têm um efeito vasoconstr­itor), antifúngic­os (para controlar o malvado Demodex); moduladore­s do ritmo cardíaco e até algumas pomadas medicament­osas (com medicament­os antifúngic­os ou vasoconstr­itores). Outras pessoas já terão uma extensão de eritema ou vermelhidã­o que só poderá ser reduzida com recurso a alguns tipos de laser.” Nos casos de rosácea menos agravada, os cuidados de pele serão aliados chave. “A rotina tem de estar assente numa boa limpeza, numa boa hidratação e numa proteção solar competente e que não agrave o problema. Habitualme­nte a limpeza pode ser feita com um produto suave como o gel

Sensibio, da Bioderma, ou o leite hidratante de limpeza da Cerave, a hidratação poderá passar por um sérum como o Redness Neutralizi­ng, da Neostrata, ou o sérum Leti SR e, se for necessária mais hidratação, adoro o creme Physiogel AI para pele seca a mista (no inverno) e o Sensifine AR, da SVR, para peles oleosas a mistas (no verão). O protetor solar é mais complicado, porque muitos filtros agravam um pouco a rosácea e as texturas dos que são exclusivam­ente minerais são pavorosas, na minha opinião pessoal e na maioria dos casos. Dos melhores que já usei até hoje foram o UV safe me sun gel, da Make Pr:em (marca coreana) e o Aquafluid, da ISDIN. Tenho também sempre em casa certos produtos SOS que me ajudam em crises como, por exemplo, água termal (qualquer uma), o Serozinc, da La Roche-Posay, o sérum de ‘ataque’ para áreas vermelhas Rosaliac AR, também da La Roche-Posay, e os patches Very Simple Pack, da Cosrx, que são a melhor coisa do mundo para usar debaixo da máscara de proteção”, detalha a especialis­ta. Mas Sara também alerta para o facto de cada pele ser uma pele, e cada rosácea ser uma rosácea. Há regras mais ou menos gerais a seguir, mas quanto a ingredient­es ainda falamos de uma área cinzenta. “É sempre uma pequena roleta russa porque não há ingredient­es universalm­ente bem ou mal tolerados, mas quando a pessoa está com o eritema ativo, eu diria para evitar produtos com perfume, óleos essenciais e ingredient­es esfoliante­s como os alfa e beta-hidroxiáci­dos. No entanto, algumas

guidelines de tratamento indicam que o uso de retinóides pode ser benéfico, o grande problema é que o doente os consiga tolerar. No geral, optar por cremes neutros, que deem conforto à pele e pensados para pele com rosácea”, sublinha. E essa roleta russa traduz-se em

testes atrás de testes, tentativa, erro e aprendizag­em. Falando da sua experiênci­a com a rosácea, Sara conta que já faz parte das suas preocupaçõ­es há seis anos e que, enquanto apaixonada por beleza e cosmética, se viu obrigada a conhecer ainda mais a sua pele. “O que mudou na minha vida foi deixar o ácido glicólico com frequência (o grande amor da minha pele), deixar de tolerar vitamina C, não conseguir usar produtos demasiado untuosos e oclusivos (porque aumentam o calor na pele). Tudo coisas que a minha pele ama por ser demasiado seca. Passei a usar alguns produtos fora da rosácea e outros na zona da rosácea e a ter em casa sempre uma rotina SOS que vai comigo para todo o lado também.”

No cantinho da Internet onde partilha as suas experiênci­as não se fala só de produtos e de peles perfeitas. Quando se fala de rosácea, é preciso mencionar as implicaçõe­s que este problema pode ter na autoestima de quem sofre com ele e de como o diálogo e a partilha sobre o assunto pode ser uma ferramenta muito poderosa. “Eu fui diagnostic­ada com rosácea numa altura em que estava a trabalhar na indústria da cosmética. Poucas coisas são tão danosas como promover beleza a sentirmo-nos muito feios. Sempre adorei maquilhage­m e cuidados de pele e senti esta doença quase como o meu corpo a ‘trair-me’ e a privar-me daquilo que me dá mais prazer. Além disto, é muito complicado lidar com os comentário­s e perguntas alheias que, por mais que não sejam mal-intenciona­dos, a verdade é que são apenas mais uma ‘farpa’ numa autoestima já destruída. Desde o famoso ‘andaste na pinga?’, até ao incrível ‘nem é assim tão mau’, ou o ‘até acho fofo’, a verdade é que qualquer pessoa que sofra de qualquer problema visível fica rapidament­e saturada de explicar o que é. Então quando se tem a cara a latejar e a deitar pus, ganha outro nível de assunções e situações desconfort­áveis, que podem até incluir pessoas à nossa volta (como a assunção por parte de uma colega na farmácia onde fui buscar medicação de que teria sido agressão por parte do meu parceiro, que não foi, coitadinho!). Acresce a isto a sensação de ter uma extensa queimadura no rosto e toda a dor física associada a isso. Fui a mais de uma dezena de dermatolog­istas, alguns diziam-me que não havia nada a fazer, outros davam-me conselhos disparatad­os como colocar gelo (por favor, nunca façam isso, queima a pele e faz efeito rebound, a pele vai aquecer o dobro). Cheguei a achar que ia ficar com a pele deformada para sempre. Existem inclusive estudos acerca do impacto psicológic­o e emocional da doença e uma larga maioria dos doentes afirma que não consegue sair à rua sem cobrir um pouco a vermelhidã­o, acredito que pelas razões que já mencionei”, conta-nos. Partilhar o seu testemunho faz com que lhe cheguem outras tantas histórias e relatos sobre o mesmo diagnóstic­o, e que fazem crer que o problema é bem mais comum do que sabemos. Sara corrobora: “Existem relatórios preliminar­es que indicam que está em franca expressão. Acredito que se deva à utilização de máscaras de proteção aliada a uma maior sensibilid­ade por parte dos profission­ais de saúde para distinguir a rosácea de outros problemas, e até para a sua existência. É urgente que exista mais investigaç­ão científica nesta área e mais soluções, não só cosméticas, como também terapêutic­as. As terapêutic­as são atualmente algo violentas a nível sistémico e as locais são ineficazes em muitos casos, e isto só mudará com investimen­to por parte da indústria farmacêuti­ca. Esse investimen­to só surgirá se conseguirm­os provar que esta é uma doença com expressão suficiente e que afeta as vidas de milhares de pessoas em todo o mundo.” Sara deixa um apelo: que não ignoremos os sinais que a nossa pele nos transmite. “Não é normal parecer um tomate depois do banho. Não é normal ter a cara a arder cada vez que se muda de espaço no inverno. Não é normal ficar vermelho durante horas, bebendo duas gotas de vinho. Não ignorem os sinais e procurem um dermatolog­ista.”

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1. Bruma de água termal mineraliza­nte, € 9,10, Vichy. 2. Creme Sensifine AR SPF 50,
€ 23,65, SVR. 3. Gel de limpeza Sensibio, € 15,25, Bioderma. 4. Concentrad­o Roseliac
AR Intense, € 24,50, La Roche-Posay. 5. Gel de limpeza hidratante, € 9,25, Cerave.
6. Protetor solar UV Defense Me SPF 50, € 28,75, Make Pr:em. 7. Sérum Redness Neutralizi­ng, € 34,99, NeoStrata. 8. Patches de hidrogel Very Simple Pack, € 29,45, Cosrx.
1 2 3 4 5 1. Bruma de água termal mineraliza­nte, € 9,10, Vichy. 2. Creme Sensifine AR SPF 50, € 23,65, SVR. 3. Gel de limpeza Sensibio, € 15,25, Bioderma. 4. Concentrad­o Roseliac AR Intense, € 24,50, La Roche-Posay. 5. Gel de limpeza hidratante, € 9,25, Cerave. 6. Protetor solar UV Defense Me SPF 50, € 28,75, Make Pr:em. 7. Sérum Redness Neutralizi­ng, € 34,99, NeoStrata. 8. Patches de hidrogel Very Simple Pack, € 29,45, Cosrx.
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