VOGUE (Portugal)

PARIS, TEXAS E UM VESTIDO ROSA FÚCSIA

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Como é que um vestido no tom rosa fúcsia, em mohair, se tornou uma necessidad­e num filme – ou, diríamos antes, numa obra- -prima – que é já em si mesmo um sufoco de beleza? Paris, Texas (1984), de Wim Wenders, é antes de mais a história de Travis (Harry Dean Stanton), de Jane (Nastassja Kinski) e daquele vestido rosa fúcsia. Ele deambula, sozinho, num deserto texano, um grande espaço desolado e rochoso – Paris, Texas, não é bem um sítio, antes uma fotografia e uma mitologia. Ele procura Jane e acaba por encontrá-la: ela trabalha num peep show. Descobre-a radiosa, enfiada num vestido em mohair cor-de-rosa sem ombros, naquela casa de fantasmas e de fantasias. Ele finge que é um cliente, do outro lado do espelho, onde ela não o vê. Ela diz que é uma confidente de quem ali vai. Não é uma prostituta: é uma mulher que ouve os homens. E aquele é “o” vestido que ela usa quando é avistada, pela primeira vez, pelo amante há muito perdido, que passou anos a vaguear num purgatório solitário ao tentar encontrá-la. Ao aperceber-se do seu interlocut­or, Jane diz simplesmen­te “Oh, Travis.” A emoção é contida, não há gritos nem arrependim­entos sonantes. Ela, a mulher dos seus sonhos, as costas reveladas por um recorte impetuoso, é simultanea­mente sexual e casta, como a história de amor entre os dois, como tudo aquilo que Jane tinha tentado esconder e tudo aquilo que Travis tinha tentado encontrar.

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