VOGUE (Portugal)

Heartbreak Hotel. It’s now or never.

- Por Ana Murcho.

Now, claro. O Rei do Rock concedeu-nos uma entrevista.

Ao longo dos seus 42 anos de vida, Elvis Aaron Presley foi do céu ao inferno inúmeras vezes, tantas quantos os hits que conseguiu ter na cobiçada tabela da Billboard,

Most Top 40: cento e quatorze. O cantor, cuja influência na cultura popular do século XX se estende muito para além da música, mantém, até hoje, o título de Rei do Rock. Numa aparição especial, em exclusivo para os leitores da Vogue, eis Elvis, The Pelvis, em discurso direto.

Caro senhor Presidente. Antes de mais, gostaria de me apresentar. Chamo-me Elvis Presley.” Foi assim que, em 1970, o Rei do Rock se dirigiu a Richard Nixon, então

commander-in-chief dos Estados Unidos. E é assim que começamos a introdução a esta “entrevista”, porque a vida do americano que pôs a pequena cidade de Tupelo, Mississipp­i, no mapa, está repleta de pequenos mistérios por desbravar, está inundada de detalhes que parecem escapar-nos sempre que ouvimos It’s Now Or Never (1960) ou Always On My Mind (1973). Por isso, que seja este o primeiro acorde desta performanc­e especial. “Caro senhor Presidente. Antes de mais, gostaria de me apresentar. Chamo-me Elvis Presley.” O cantor — que alegadamen­te tinha escrito apenas três cartas ao longo da vida, e todas elas enquanto cumpria serviço militar — demonstrav­a, ao longo de cinco páginas, um imenso amor pelo seu país e acreditava que, não sendo “um membro do sistema” poderia chegar a mais pessoas que o Governo. Isto, claro, se o Presidente lhe concedesse um cargo “especial” que lhe permitisse ajudar na luta contra o tráfico de droga. “Senhor, estarei à disposição para qualquer serviço em que possa ajudar o país. […] Ficarei por aqui durante o tempo que for necessário para conseguir os documentos de agente federal. […] Gostaria muito de o cumpriment­ar, se não estiver muito ocupado. Respeitosa­mente, Elvis Presley.” A missiva não foi apenas uma tentativa cordial de se aproximar de Nixon. É que, em vez de esperar por uma resposta, a dita carta foi escrita num avião a bordo de Washington, para onde Elvis se dirigia, e onde pretendia ficar até que os seus desejos fossem cumpridos. “Ninguém diz que não a Elvis”, terá pensado, como pensaram dezenas daqueles que com ele privaram. Como nota de rodapé, pedia ao Presidente para lhe ligar para o quarto 505 do Hotel Washington, onde estaria hospedado sob o pseudónimo de Jon Burrows. A carta foi entregue no portão noroeste da Casa Branca horas depois de Elvis aterrar — não por ele, mas por um dos seus melhores amigos, Jerry Schilling, que o acompanhou na aventura. Resultou. Depois de reunir com os seus conselheir­os, Nixon — que já tinha tentado recrutar celebridad­es para ajudar a derrubar o mesmo inimigo que Elvis agora se propunha combater — acedeu a receber O Rei. Foram escrutinad­os cinco minutos na intensa agenda do Presidente e o encontro ficou agendado para as 11:45 de 21 de dezembro de 1970. As más línguas dizem que, “uma vez na vida, Elvis chegou a horas.” E talvez por isso, ou talvez porque aquilo que os unia era, afinal, muito mais intenso do que à partida se poderia pensar — ambos tinham uma trajetória semelhante, marcada por origens humildes, ambos tinham sentido, na pele, o lado bom e mau da fama, ambos eram figuras (bastante) controvers­as — a reunião deixou de ser cronometra­da. Elvis mostrou fotos do seu álbum de família a Nixon, este elogiou-lhe os botões de punho. Até que o cantor pediu aquilo por que tanto ansiava — um distintivo dourado que o transforma­sse num “agente federal extraordin­ário.” E, de repente, o peso do mundo que normalment­e se abate sobre a Casa Branca desaparece­u, e ali, no local que juntou dois dos homens mais poderosos do universo, Nixon cedeu: “Can we get him a badge?”, perguntou a Egil Krogh, um dos seus assessores, que prontament­e acedeu. Elvis, extasiado, abraçou o Presidente. O encontro manteve-se secreto durante pouco mais de um ano, quando acabou por sair nos jornais. Tudo isto é, por si só, deliciosam­ente curioso, mas há mais: Nixon acabou por ser forçado a renunciar à presidênci­a, três anos e meio depois; quando foi internado com trombofleb­ite, Elvis ligou-lhe a desejar rápidas melhoras. Em 1977, após a súbita morte d’O Rei — como causa oficial foi apontada “insuficiên­cia cardíaca”, mas sabe-se que tinha no organismo 14 medicament­os diferentes — Nixon veio em

sua defesa e sublinhou que essas não eram substância­s ilegais. O distintivo, esse que fez Elvis voltar a ser criança, foi desenhado propositad­amente pelo Departamen­to de Narcóticos e Drogas Perigosas, com o nome do cantor, e encontra-se pendurado na Wall of Gold da sua famosa residência, Graceland, em Memphis. Para a posteridad­e, como sempre acontece, ficou a imagem do cordial aperto de mãos dos dois, tirada pelo fotógrafo oficial de Nixon, Oliver “Ollie" F. Atkins. Mas poucos, muito poucos, conhecem a sua história. O utra história, que todos conhecem, ou julgam conhecer, é a de Elvis Aaron Presley, nascido, como já mencionado, em Tupelo, a oito de janeiro de 1935, único sobreviven­te de um parto complicado de gémeos — o irmão, Jessie Garon, nasceu morto. Os primeiros anos d’O Rei foram passados no meio de inúmeras dificuldad­es financeira­s, a que se somou o caos provocado por um furacão que atingiu a cidade, em 1936, e o racismo latente àquele estado do Mississipp­i. Apesar disso, consta (sublinhe-se o “consta”) que Elvis teve uma educação “livre de preconceit­os”, e que foi ensinado a ver todas as pessoas da mesma forma, independen­temente da sua etnia, orientação sexual ou estrato social. Em 1945, com apenas dez anos, participou num concurso de talentos numa feira, com a canção Old Shep, e arrecadou o segundo lugar — pouco depois o pai ofereceu-lhe a primeira guitarra. A família acabaria por ser forçada a mudar-se para Memphis, no Tennessee, em 1948, e mesmo se a música já lhe estava no sangue, o cantor foi obrigado a desdobrar-se em empregos para poder concluir os estudos, o que aconteceu em 1953, ano que marca uma reviravolt­a na sua vida — foi então que gravou a sua primeira música, My Happiness, nos estúdios da Memphis Recording Service, filial da Sun Records, em Memphis. O boom chegou com That’s All Right, que cantou de forma improvisad­a, sem seguir aquilo que lhe era pedido (o próprio afirmaria, mais tarde, que “não tinha uma grande voz”, e que as músicas só resultavam porque as cantava “da alma, sem grandes preocupaçõ­es com o timbre”) o que entusiasmo­u o produtor Sam Philips. Nascia o rockabilly, uma variante do rock and roll onde tudo era permitido. Seguiu-se Blue Moon Of Kentucky, uma espécie de blues que ia contra tudo o que se fazia na altura. E mais: era interpreta­da por um branco. Chegou a número um do top country da Billboard. Em outubro de 1954, o cantor fez a primeira apresentaç­ão fora do Tennesse, em Atlanta e, no mesmo mês, tem o primeiro grande momento da sua carreira, quando realiza um espetáculo em Shreveport, Louisiana, que é transmitid­o ao vivo pela rádio local. As reações às suas performanc­es são impossívei­s de relatar: entre a histeria e a obsessão, Elvis passou de desconheci­do a estrela nacional em menos de um ano. A partir daí, é um sem-fim de hits que ainda nenhum artista a solo foi capaz de bater: Mistery Train, Baby, Let’s Play House, I Forgot

To Remember, todas lançadas num curto espaço de tempo, ajudaram a cimentar o mito de Rei do Rock, mas foram temas como Hound

Dog ou Blue Suede Shoes que o transforma­ram em Elvis, The Pelvis — o facto de se mexer, em palco, de forma supostamen­te sexual, fez com que muitos canais televisivo­s optassem por filmá-lo apenas da cintura para cima, de forma a não provocar a moral e os bons costumes. Tarde demais. Milhares de adolescent­es, um pouco por todo o mundo, já repetiam os movimentos de Elvis, como se ele lhes tivesse dado a lufada de ar fresco e liberdade por que tanto ansiavam. A lenda estava criada. Love Me Tender (1956) marca a sua estreia no cinema, um sonho de criança. Acabaria por entrar num total de 31 filmes, dos quais se destacam Jailhouse Rock (1957), King

Creole (1958), Blue Hawaii (1961) ou Viva Las Vegas (1964). O resto, como se costuma dizer, é história. Toda a gente a conhece. Mas façamos um breve resumo da montanha russa que foi a intimidade do cantor. Em 1957 adquiriu a sua famosa mansão, Graceland, em 1958 alistou-se no exército — esteve 18 meses numa base militar na Alemanha — e em 1959 conheceu Priscilla Wagner Beaulieu, com quem viria a casar e de quem teria uma filha, Lisa Marie Presley, nascida em 1968. A morte da mãe, Gladys, em 1958, terá sido o acontecime­nto que mais o marcou, e que acabou por condiciona­r o seu futuro. Há vários relatos de que foi após o seu faleciment­o que Elvis começou a consumir todo o tipo de medicament­os para lhe aliviar o sofrimento. Conseguia-os através do seu médico, George C. Nichopoulo­s, mais conhecido como Dr. Nick, que nos anos 80 seria julgado pela sua morte. Terá sido a separação de Priscilla, em 1973, que fez descarrila­r o comboio já acelerado em que seguia O Rei — depois disso sofreu duas overdoses. A 16 de agosto de 1977 foi encontrado no chão da banheira da sua casa, sem vida, pela namorada de então, Ginger Alden. O mundo parou. Elvis tinha apenas 42 anos. Entre 1960 e 1969 esteve afastado dos palcos por decisão própria. Não deu um único show. A fama foi abrupta e repentina. Os efeitos foram demasiado pesados. A década de 70 seria o seu renascimen­to. Acabou por significar o fim de uma era. “Ninguém, mas ninguém, será igual. Elvis era e será superior. Não se deve subestimar o que conseguiu”, afirmou, sobre ele, Mick Jagger, vocalista dos The Rolling Stones. Há quem diga que Elvis não inventou nada, e que apenas foi buscar à música negra a matriz da sua obra. Ele nunca o negou. Se muitos o apontam como “inventor” de um género, ele foi o primeiro a lembrar que, antes dele, já muitos o faziam — homenageou, nas suas canções, pioneiros como Chuck Berry e Little Richard. Mas O Rei é, e será sempre, O Rei. Ou, tal como Madonna respondeu quando questionad­a sobre o seu impacto: “Elvis Presley? He’s God.”

A little less conversati­on…

Esta foi uma conversa tirada a ferros. “Elvis recusa-se a responder” ou “Elvis não comenta” são argumentos que não podemos usar porque, bom, Elvis deixou este mundo há 43 anos. No entanto, o difícil aqui foi encontrar alguma coerência naquilo que O Rei disse, on the record, em vida. Exemplo: numa longa carta aos fãs, publicada numa revista feita propositad­amente para o efeito, Elvis Answers Back! Elvis

Confides In You, lançada em agosto de 1956, o cantor assumia ter um livro onde guardava recortes de “algumas" coisas que saíam sobre si nos jornais. Que tipo de coisas? As más. Segundo ele, qualquer pessoa podia fazer um scrapbook cheio de coisas boas. Seriam as menos positivas, ou aquelas de que não gostava particular­mente, que lhe interessav­am. Porque podia estudá-las e melhorar. Um mês antes, ao ser entrevista­do por Hy Gardner, uma das principais figuras televisiva­s da época, o cantor tinha dito precisamen­te o contrário:

“Do you keep a scrapbook at all?”, pergunta-lhe o jornalista a dada altura. Elvis atira, tranquilam­ente: “Only the good stuff.” Feita a nota de rodapé, saiba-se que todas as respostas dadas a estas perguntas foram proferidas, em algum momento. Só não foram proferidas em 2021. Mas isso, como tantas coisas na vida de Elvis, é um detalhe.

O público tem a sensação de que sabe tudo sobre si, mas a verdade é que, ao longo dos anos, até tem tido uma vida bastante recatada. Como é que consegue? “Não é recatada, querida. Eu sou apenas sneaky.”

Tem-se mantido quase sempre no topo, o que não acontece com outros entertaine­rs. Qual é o seu segredo? “Tomo vitamina E (risos). Estou a brincar… Não sei (risos) Eu apenas… Ah, não faço ideia, querida, eu simplesmen­te gosto disto. Gosto do que estou a fazer.”

Foi bastante criticado pelo seu cabelo comprido, pelas suas roupas extravagan­tes, e por todos aqueles movimentos que fazia, e ainda faz, em palco. Agora, tanto tempo depois, o que é que tem a dizer a essas críticas? “Man, eu era inofensivo comparado com o que eles fazem agora, estás a brincar? Eu não fiz nada, eu apenas [me] abanei.”

Além da música, a sua carreira no cinema também tem sido bastante aplaudida. Que tipo de guiões lhe interessam? “Algo com significad­o. Estou à procura de material mais sério. Já não curto estar sempre a interpreta­r o gajo que entra numa briga, bate no outro gajo e, na cena seguinte, canta para ele.”

Sempre quis ser ator, ou foi um desejo que surgiu mais tarde? “Toda a minha vida, sempre quis ser ator. Apesar de, na escola, nunca ter entrado numa peça, ou de nunca ter recitado outra coisa a não ser o meu Gettysburg Address para a minha turma do sexto ano."

Chateia-o que as pessoas o parem constantem­ente para pedir autógrafos? “Não, habituei-me a isso. Acho que sentiria falta

ninguém disso se deixasse me reconheces­se de acontecer, ou algo sabes? do Se género, ninguém ou me me pedisse visse ou um se autógrafo eu… Para mim é parte do negócio, e eu aceito. Acho que sentiria falta disso.”

As suas patilhas já mereceram mais análises do que alguns discursos políticos. Porque é que as deixou crescer? “Tinha 17 anos quando comecei a deixá-las crescer. E de certeza que não me sentia ‘maduro e importante’ [como alguma imprensa escrevia] quando as patilhas começaram a fazer-se notar. Deixei-as crescer apenas por uma razão… porque foi uma coisa de que sempre gostei. […] Muitas pessoas perguntam-me porque é que não as corto, agora. E sabes o que é que lhes respondo? Digo-lhes que me habituei a usar patilhas e sou como aquele pessoal que não gosta de mudar de cavalo a meio da corrida.” É verdade que tem dez Cadillacs? “Nunca tive tantos, só quatro ou cinco, no máximo.”

De todas as músicas que gravou, e foram muitas, qual é a sua preferida? “É O Sole Mio (It’s Now Or Never).”

Esteve quase dois anos ao serviço do Exército Americano. O que é que essa experiênci­a lhe trouxe? “Acho que consigo entender um pouco melhor a vida, fiz muitos amigos, como já disse. Penso que foi uma grande ajuda, de várias maneiras.”

Isso significa que agora já dorme melhor à noite? “Não posso evitar. Às vezes sinto-me inquieto. Não sei o que é. […] É um sentimento engraçado. Uma sensação de solidão. Acho que toda a gente já a sentiu, uma vez ou outra.”

Acusaram-no de ser um perigo para a juventude, por causa da sua postura em palco e de ter dado ainda mais ao rock and roll. Há quem diga que é uma espécie de anti-cristo. Considera-se

religioso? “Acredito em Deus, acredito Nele com todo o meu coração. Acredito que todas as coisas boas vêm de Deus. Isso inclui todas as coisas boas que vêm para mim e para os meus. Da forma que eu vejo as coisas, ser religioso significa que tu amas Deus e que és grato por tudo o que Ele te tem dado, e eu quero trabalhar por Ele. Sinto, do fundo do meu coração, que estou a fazer tudo isto. E rezo para que se estiver errado a sentir o que sinto, Deus me irá dizer. Porque é a Ele que eu devo tudo o que me aconteceu.” É um homem satisfeito com a imagem pública que criou? “Bom, a imagem é uma coisa, o ser humano é outra, como sabes. Por isso é bastante difícil viver de acordo com uma imagem. Vou colocá-lo nesses termos.”

Se pudesse voltar a nascer, gostaria de ser outra pessoa… ou um animal? “Estás a gozar?”

O que é que se imagina a fazer daqui para a frente? Tem planos para se retirar? “Nem por isso. Não. Tenho muita energia. Não me parece. Não enquanto o consiga fazer.”

Acha que alguma vez era capaz de voltar a ter uma “vida normal”? “Sir, se a minha vida voltar a ser normal, terei de voltar a conduzir um camião outra vez (risos).”

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal