Família Bensaude: dois séculos de negócios nos Açores
Judeus sefarditas, chegaram há 200 anos às ilhas açorianas vindos de Marrocos, diversificaram-se em três ramos, que se viriam a reunir 100 anos depois em Vasco Bensaude. Já tiveram sede em Lisboa, mas hoje são o maior grupo dos Açores e o seu centro de decisão está em Ponta Delgada.
Entre 1923 e 1925, Portugal pretendia importar uma partida de trigo que ascendia a dois milhões de libras (90 milhões de euros atuais). O organismo estatal apresentou as letras aceites na sucursal do Bank of London & South America, mas de Londres veio por telégrafo a exigência de aval.
“O país precisava do trigo. Recebi instruções para entregar as letras a Vasco Bensaude”, escreve nas suas memórias Joaquim Paço de Arcos, então funcionário do banco inglês. A fortuna da célebre família judaica acumulava-se, à quarta geração, “na pessoa daquele homem simples e melancólico, que parecia vergado ao peso da descomunal fortuna. No Banco Inglês avaliava-se esta, por alto, em doze milhões de libras, cifra astronómica para a época”, cerca de 500 milhões de euros.
A saga dos Bensaude começou em 1818, quando Abraão Bensaude (1790-1868) chegou a São Miguel vindo de Marrocos, depois de uma passagem por Gibraltar. Trazia na bagagem tecidos finos ingleses para um mercado exportador de laranja em que se vestia roupas de lã e linho. Foi Abraão Bensaude que preparou a vinda nos anos seguintes para os Açores dos irmãos Jacob, José e Elias, assim como de seu primo Salomão.
Abraão Bensaude não teve sucesso nos negócios. “As contrariedades, a insolvência, a falência e o ‘desaparecimento’ da sua firma caracterizaram o seu percurso de empresário”, como escreveu Fátima Sequeira Dias. Mais sorte tiveram o irmão, Elias, e o primo, Salomão, que a 5 de dezembro de 1835 criaram a Salomão Bensaude e Companhia, que juntou as suas atividades comerciais e negócios de navegação. Desfeita a empresa em 1847, só dez anos depois fundou a Salomão Bensaude e Filhos.
Para Fátima Dias Sequeira, Salomão Bensaude foi um “genial homem de negócios” e “responsável pela ascensão e riqueza da família”. À importação e venda de produtos ingleses, que depois distribuía pelas restantes ilhas, associou-se a exportação de laranja, milho, os negócios cambiais e os investimentos numa frota e na navegação, a que juntou propriedades agrícolas.
ELIAS E JOSÉ
Elias Bensaude, depois da rutura com o primo, manteve-se sozinho nos seus negócios, ainda que associado a Naphtaly Levy, na ilha Terceira, durante um curto espaço de tempo (1862-1867), e ao seu sobrinho Solon, no continente, nos negócios de tabaco. Tinha relações tensas com estes parceiros e escrevia que “uma pessoa deve ser honrada e não se deixar iludir por dinheiro, porque este é bem móvel e a honradez é bem de raiz”.
Elias Bensaude conseguiu uma posição de domínio no comércio de redistribuição insular, beneficiando dos tráfegos da navegação inglesa e das ligações estabelecidas com os agentes comerciais britânicos. Tinha negócios nas ilhas de São Miguel, Faial e Terceira e em Lisboa, Manchester e Londres. Depois da sua morte, em 1868, os herdeiros constituíram a firma Herdeiros de Elias Bensaude.
Se Abraão fracassou como empresário, o filho José Bensaude (1835-1922), que pertenceu à primeira geração de judeus naturais dos Açores, foi um gestor competente e um empresário imaginativo. Não seguiu uma carreira ligada às letras, como a do seu amigo Antero de Quental, mas, com 23 anos de idade, José Bensaude foi convidado para organizar a contabilidade de várias fortunas fundiárias da ilha de S. Miguel, ao mesmo tempo que fazia os seus próprios negócios.
Tinha uma fábrica de cal, e, em 1864, iniciou a exploração comercial do ananás depois de ter enviado para Londres, ao seu correspondente, alguns frutos, que terão sido vendidos, a três libras cada, para a Casa Real da Rainha Vitória. Surgia uma das mais lucrativas exportações micaelenses depois da laranja.
José Bensaude visitou fábricas de tabaco nos Estados Unidos e na Inglaterra e fundou, em 1866, com Clemente Joaquim da Costa, José Jácome Correia e o primo, Abraão Nathan Bensaude, a Fábrica de Tabacos Micaelense. Moderna e com novas formas de organização do trabalho, ficou pouco depois limitada ao mercado açoriano. José Bensaude dizia que havia mais produtores – eram nove fábricas – do que consumidores, mas rapidamente se tornou um grande negócio. José Bensaude ainda se interessou pela cultura do chá, chegando a ser o décimo produtor de chá.
UNIÃO DE DOIS RAMOS
Em 1872, as empresas Salomão Bensaude e Filho e Herdeiros de Elias Bensaude reuniram os seus patrimónios na Bensaude & Cª, e a sede mudou para Lisboa. Nessa altura, Abraão Nathan Bensaude passou a viver entre Lisboa, Paris e Ponta Delgada, e delegou nos primos, seus sócios, os negócios nas ilhas. A navegação foi uma das principais apostas.
A 11 de setembro de 1874, a Bensaude passou a controlar a Empresa Insulana de Navegação, que tinha a concessão de navegação para os Açores e para a Madeira. Em 1881, surgiu a Empresa Nacional de Navegação (ENN) para efetuar a ligação marítima de Lisboa a Moçâme
des, entre as ilhas de Cabo Verde e entre estas e a Guiné.
Em 1875, foi um dos sócios-fundadores do Banco Lisboa & Açores. Em 1891, foi fundada a Parceria Geral de Pescarias, dedicada à pesca do bacalhau, nos bancos da Terra Nova e na Gronelândia. Foi a empresa mais antiga no setor e viria a tornar-se o maior armador português de pesca do bacalhau.
Quando José Bensaude faleceu, em 1922, os seus filhos, que estudaram na Alemanha, já formavam a chamada “ínclita geração micaelense”, com Alfredo Bensaude (1856-1941), engenheiro e fundador do Instituto Superior Técnico, Joaquim Bensaude (1859-1952), engenheiro por Hanover, e ligado à indústria naval em França e aos portos em Portugal e historiador dos Descobrimentos Portugueses, Raul (1866-1936), médico em Paris, e Ester (1864 – 1965), que deu origem ao ramo Oulman.
À quarta geração, os patrimónios de Bensaude & Cª e de Herdeiros de José Bensaude reuniram-se em Vasco Bensaude (1896-1967), filho de Joaquim Bensaude e de Cecília Bensaude (1861-1960) e, por isso, neto de José Bensaude por via paterna e de Elias Bensaude por via materna.
O CICLO DE VASCO
Vasco Bensaude nasceu a 26 de abril de 1896 em Lisboa, estudou em Inglaterra, em Bedales, na região de Hampshire, onde fez o seu curso liceal e depois optou por gestão, que fez na Universidade de Saint-Gall, Suíça. Foi deputado à Assembleia Nacional entre 1935 e 1942.
É descrito como reservado, tímido, sabedor e sem grande vocação para a conversa de circunstância, meticuloso e obsessivo no trabalho, culto, generoso e charmoso no trato. Foi o principal responsável pelo apuramento da raça dos cães de água em Portugal.
Vasco Bensaude abriu uma nova área de negócio que ainda hoje perdura, o turismo, com a criação em 1933 da Sociedade Terra Nostra, com vários sócios, para construir o Hotel Terra Nostra, hoje Terra Nostra Garden Hotel, a que se viria a juntar o Hotel S. Pedro, que fora a casa de Thomas Hickling, primeiro cônsul americano em São Miguel.
Em 1941, António Medeiros e Almeida, de uma família açoriana, adquiriu 20% da Casa Bensaude mantendo-se como sócio até 1967, quando Vasco Bensaude faleceu. Em 1947, estiveram entre os promotores da Sociedade Açoreana de Transportes Aéreos (SATA), que é a mais antiga companhia aérea portuguesa e nasceu da visão de que o transporte aéreo iria passar a ter mais relevo que o marítimo.
Em 1949, fez a aquisição das instalações de combustíveis em Ponta Delgada da Standard Oil C.ª, seguindo-se no ano seguinte a Mutualista. A aquisição seguinte foi a J.H. Ornelas, em 1951, empresa ligada ao abastecimento de combustível, comércio automóvel e distribuição e comércio.
O REGRESSO AOS AÇORES
Quando faleceu, subitamente, nos Picos de Salomão nos Açores a 5 de agosto de 1967, Vasco Bensaude deixou 70% da Casa Bensaude e um património imobiliário e outros investimentos aos quatro filhos Beátrice, Antoinette, Patrícia e Filipe Bensaude, que passou a liderar o grupo.
Com as nacionalizações, feitas a partir de março de 1975, o grupo perdeu grande parte do seu património, como o Banco Micaelense, a seguradora Açoreana, a Fábrica de Tabaco Micaelense, a SATA e a Sinaga. Em 1976, a sede do grupo Bensaude regressou a Ponta Delgada, para o largo Vasco Bensaude, n.º 13. Estas instalações tinham sido adquiridas à antiga Misericórdia, por Salomão Bensaude, no início da segunda metade do séc. XIX.
A estratégia passou por se concentrar e crescer nos negócios em que tinha capacidade de gestão e estratégicos na nova era da economia insular no regime autonómico. Reforçou os investimentos na hotelaria, contando hoje com seis hotéis nas ilhas e um em Lisboa, as agências de viagens, rent-a-car, transportes, combustíveis e negócios na área dos serviços como o ambiente, os seguros.
Com a morte de Filipe Bensaude em 2000, sucedeu-lhe o filho Luís Bensaude (1957-2020) na liderança e abriram-se novas vias de desenvolvimento. O grupo adquiriu a ESA - Energia e Serviços dos Açores, 39,7% da Empresa de Eletricidade dos Açores e ficou, em 2002, com 10% do hoje Novo Banco Açores. Em 2007, comprou o principal grupo concorrente Grupo Nicolau Sousa Lima por cerca de 100 milhões de euros, tendo sido considerado o maior negócio privado feito nos Açores, e assim entrou na distribuição com a INSCO, que tem a marca Continente nos Açores.
Com cerca de três mil trabalhadores, o Grupo Bensaude tem, desde 2010, uma comissão executiva com gestores profissionais liderada por Victor Cruz, antigo líder do PSD Açores. O conselho de administração é presidido por Patrícia Bensaude Fernandes, da quinta geração, e conta com mais três membros da sexta geração: António Castro Freire, Tomás Bensaude Fernandes, Joaquim Bensaude e Tatiana Bensaude Markovitch, da sétima geração.