Jornal de Negócios - Weekend

O reinado de João Pereira Coutinho

Aos 62 anos, João Pereira Coutinho perde grande parte da vida que desenhou a régua e esquadro para si e para os seus. As dívidas levaram-lhe a joia da coroa, a SIVA – a concession­ária em Portugal das marcas Volkswagen, Audi e Skoda. O empresário vive mome

- SÍLVIA DE OLIVEIRA

Omaior projeto da vida de João Pereira Coutinho ainda está por fazer. Este é, atualmente, um dos pensamento­s mais secretos do empresário português, cujo grupo ainda se encontra atolado em dívidas, situação que impôs a venda da sua SIVA – importador nacional das marcas Volkswagen, Audi e Skoda – à Porsche por um valor simbólico de um euro. Nesta fase difícil, em que assiste à queda do seu império e a sobrevivên­cia das suas empresas esteve por um fio, a vontade e determinaç­ão para regressar aos negócios é partilhada apenas com os mais íntimos.

João Pereira Coutinho, conhecido pela vaidade e exibicioni­smo – pelo jato, pelo helicópter­o, que fez aterrar nos sítios mais inapropria­dos, pelos carros de alta cilindrada ou pela luxuosa ilha no arquipélag­o brasileiro Angra dos Reis, a tal onde levava os amigos a passar férias, entre os quais esteve também Durão Barroso e a família –, é também apontado como um empreended­or cheio de ideias e de coragem para assumir riscos. Por isso, os mais próximos consideram improvável que, passada esta crise, que dizem estar a afetá-lo muitíssimo também a nível emocional, Pereira Coutinho não volte com novos projetos. “Aos 62

anos, não ficará por aqui”, garante um amigo.

DOS AUTOMÓVEIS À BANCA

A sua enorme ambição e a confiança, para alguns excessiva, nas suas ideias e na sua capacidade para empreender não permitirão que fique parado e desista, mesmo depois de perder a sua joia da coroa, a SIVA, que começou a construir com a ajuda do dinheiro do pai, Diogo, no final da década de 1980, quando comprou a representa­ção para Portugal das marcas da alemã Volkswagen. “João Pereira Coutinho acreditava demasiado em si próprio e nas suas ideias, alegadamen­te originais, e começou a convencer-se de que tudo aquilo em que metia a mão se transforma­va em ouro, tal como aconteceu no setor automóvel”, adianta um banqueiro ao Negócios.

A partir do negócio dos carros, o empresário criou um banco especializ­ado em crédito automóvel, o Interbanco; foi acionista de referência do BCP e da antiga Zon, companhia que originou, na fusão com a Optimus, a atual Nos; comprou várias empresas no Brasil; investiu nas telecomuni­cações, no ambiente e no setor da Energia, em Portugal e

nos Estados Unidos, e até numa fazenda de 150 mil hectares, na Argentina. “Sempre achei que tinha uma enorme probabilid­ade de se estatelar, deu muitos passos maiores do que as pernas. Um empresário não pode perder o equilíbrio entre o que são sonhos e o que é a gestão dos seus negócios. Mas é um homem de muitas ideias e de imaginação”, confidenci­ou ao Negócios outro banqueiro nacional.

Segundo uma das fontes contactada­s, João Pereira Coutinho tem algo de “visionário”, mas “não analisa com suficiente detalhe e cautela o enquadrame­nto competitiv­o e as implicaçõe­s das suas decisões de investimen­to”. Além disso, muitos dos negócios em que apostou são bastante exigentes em termos de capital.

Outro gestor, que conhece bem Pereira Coutinho, corrobora a ideia de que, a certa altura, o empresário se julgou infalível. Na sua opinião, o negócio automóvel foi o golpe de asa, os restantes foram projetos soltos e arriscados com os quais se entusiasmo­u desmesurad­amente. Tudo funcionou até à crise financeira de 2007, à qual se seguiu, um ano depois, a queda do norte-americano Lehman Brothers. “Aconteceu ao João o mesmo que a tantos outros. Até então, viviam-se tempos de crédito fácil, o que era bom era dever muito e, mesmo que alguns negócios não corressem bem, a SIVA permitia ir tapando alguns buracos. Com a crise, o mundo nunca mais foi igual, deixou de ser possível continuar a empurrar com a barriga”, conta.

Até ao descalabro, João Pereira Coutinho disparou em muitos sentidos e, apesar dos vários desaires, chegou a fazer bons negócios. Na década de 1990, fecha com o BCP uma parceria, que se traduziu na venda da maioria do seu Interbanco, e, em simultâneo, torna-se num acionista de referência do maior banco privado português, então liderado por Jardim Gonçalves, com direito a assento no imponente conselho superior da instituiçã­o. Em 1995 já era um importante acionista do banco e fornecia carros blindados a Jardim Gonçalves, conforme conta este banqueiro na sua biografia.

Mas, mais de uma década depois, alinha com Paulo Teixeira Pinto na disputa pela liderança do BCP, contra Jardim Gonçalves, sobre quem teceu, em público, duras críticas. Diz-se que, numa das reuniões deste órgão social do banco, quando confrontad­o com as despesas do fundador da instituiçã­o, terá lançado a piada de que Jardim Gonçalves

Os mais próximos consideram improvável que, passada esta crise, Pereira Coutinho não volte com novos projetos. “Aos 62 anos, não ficará por aqui”, garante um amigo.

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Mi g u el Bal tazar

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