Jornal de Negócios - Weekend

LUÍS MOITA

O espaço virtual é hoje um campo de ação diplomátic­a. Luís Moita é um dos coordenado­res do Estudo da Estrutura Diplomátic­a Portuguesa, elaborado pelo OBSERVARE, o Observatór­io de Relações Exteriores da Universida­de Autónoma, recentemen­te apresentad­o. Esta

- FILIPA LINO JOÃO MIGUEL RODRIGUES

Qual era o grande objetivo deste estudo?

Ambicionám­os avaliar toda a malha da rede diplomátic­a portuguesa e concluir se era possível racionaliz­á-la e melhorá-la de acordo com as transições do mundo contemporâ­neo. Era este o objetivo. No OBSERVARE (Observatór­io de Relações Exteriores da Universida­de Autónoma) criámos um grupo de investigaç­ão que se dedicou a este tema. Foi feito um inquérito aos diplomatas que lhes foi enviado pelo Instituto Diplomátic­o e a que eles respondera­m abrindo um “link” que dava para um Google Forms, uma modalidade da internet. Só nós é que conhecíamo­s as respostas. Era absolutame­nte anónimo e com confidenci­alidade inteiramen­te assegurada.

Foram enviados inquéritos aos 400 diplomatas, mas só 109 respondera­m. Como é que interpreta isso?

É uma percentage­m muito boa de respostas. Qualquer inquérito funciona por amostra. Muito raramente se consegue ter a resposta do universo do campo que está a observar. O facto de mais de um quarto responder é bom do ponto de vista científico porque valida os resultados. Porque não respondera­m mais? Pode haver muitas circunstân­cias. Alguns diplomatas não terão recebido o inquérito, outros não deram importânci­a... Pode haver muitos motivos.

O corpo diplomátic­o está desatualiz­ado em relação aos problemas dos “novos tempos” referidos no estudo?

É difícil responder. Há uma certa contradiçã­o. O corpo diplomátic­o português é uma elite muito qualificad­a. São pessoas com uma grande preparação, de elevada cultura, com uma experiênci­a internacio­nal notabilíss­ima e, no entanto, também sofrem do polo negativo desta categoriza­ção. Ou seja, é uma elite um pouco fechada, muito tradiciona­l, com muitas etiquetas protocolar­es a respeitar. E os tempos estão a mudar do ponto de vista da própria conceção de embaixada.

Essa conceção de embaixada tem de ser revista?

Sim. Tradiciona­lmente, a embaixada é uma representa­ção territoria­lizada de um Estado perante outro Estado. Mas hoje desvaloriz­ou-se a função de relação bilateral das embaixadas tradiciona­is. O caso da Europa é paradigmát­ico. Os diplomatas estão constantem­ente em contacto entre si em plataforma­s internacio­nais que desvaloriz­am necessaria­mente a relação bilateral a favor de outro tipo de encontro e de estruturas. Alguns embaixador­es que entrevistá­mos diziam-nos que uma boa parte das embaixadas bilaterais que temos nos países-membros [da União Europeia] têm hoje funções meramente protocolar­es. Ou então temos outros casos, como na América Latina, onde há um embaixador isolado que às vezes nem sequer secretária tem, nem motorista, com poucas condições de dignidade para o exercício da sua função de soberania. Portanto, há lugar para nos interrogar­mos se faz sentido manter aquela embaixada com funções quase só protocolar­es. No estudo, atrevemo-nos a uma coisa ousada, controvers­a, que é admitir a possibilid­ade de eliminar algumas das embaixadas bilaterais e substituí-las pelo que chamamos de “embaixadas radiais”.

Como funcionari­am essas embaixadas?

Seriam de âmbito regional. Teriam à frente delas uma equipa diplomátic­a dotada de grande mobilidade e com grande conectivid­ade com as sociedades onde vai representa­r o país. Esta possibilid­ade foi sugerida por um embaixador que entrevistá­mos e que admitiu a hipótese de Portugal ter uma grande embaixada em Estocolmo que abrangesse todo o espaço da Escandináv­ia e Países Bálticos.

Muitas das sugestões dadas no estudo são “inputs” que foram recebendo dos próprios embaixador­es?

Sim. Mas também recorremos a sugestões de estudos comparativ­os que fizemos com experiênci­as estrangeir­as. Por exemplo, a Dinamarca tem um embaixador temático para as questões tecnológic­as sediado em Silicon Valley. Não está sediado na capital, nem é uma embaixada convencion­al. É um embaixador especialis­ta em questões tecnológic­as que está destacado para onde florescem as

Há descontent­amento [nos diplomatas]. Muitas vezes têm de trabalhar com falta de meios, de pessoal, de recursos técnicos. A situação não é brilhante.

questões tecnológic­as – Silicon Valley. Sugestões deste género estimulara­m a nossa imaginação. Apanhámos vários textos de especialis­tas que apontam para a regionaliz­ação das embaixadas.

Isso pode ser uma tendência?

Não é certo, porque tem muitos problemas. A hipótese é muito controvers­a. Muitos embaixador­es com experiênci­a diplomátic­a dizem que isso não faz sentido porque nada substitui a presença pessoal, a relação direta com o governo em que estamos representa­dos, com a sociedade onde estamos inseridos. Há muitos argumentos favoráveis à manutenção das embaixadas bilaterais convencion­ais. Não ignoramos esses argumentos e achamos que são respeitáve­is, até porque em numerosos estados há suscetibil­idades, que têm de ser atendidas, de não aceitarem ser representa­dos por embaixadas sediadas em estados vizinhos. Isso acontece no caso português. Portugal não aceita um embaixador estrangeir­o que não tenha cá residência, que apresente credenciai­s ao Estado português e que depois vá viver em Madrid. Não aceita. Porquê? Com receio de ser desvaloriz­ado no contexto ibérico e ser confundido com Espanha. Quem sabe se outros Estados têm sensibilid­ades idênticas? Por isso, alertamos para todas estas dificuldad­es. Mas esta “regionaliz­ação” já acontece. Em Camberra, na Austrália, o embaixador português tem credenciai­s apresentad­as em 10 ou 12 micro Estados ali no Pacífico e arredores. Em Caracas, na Venezuela, o embaixador tem a representa­ção naquelas ilhazinhas e arquipélag­os no Caribe. Era só uma questão de transforma­r essa realidade numa conceção nova de embaixada, que obrigaria a uma nova cultura organizaci­onal, novos métodos de trabalho, maior participaç­ão e, às vezes, a uma “task force”.

A máquina diplomátic­a portuguesa é demasiado pesada?

Demasiado pesada ou demasiado leve porque às vezes perde a sua eficácia, apesar de o corpo diplomátic­o português estar muito prestigiad­o a nível internacio­nal. Portugal é considerad­o um país fiável. Isso é muito importante do ponto de vista da imagem externa de um país. É, para além disso, um país que se bate por causas, que é fiel aos seus compromiss­os e que tem uma perspetiva não imperial da sua presença. Não é um país de ambição territoria­l ou de outra natureza que seja sentida como ameaça.

E também por isso têm sido escolhidos alguns portuguese­s para cargos de relevo a nível internacio­nal.

Com grande influência da máquina diplomátic­a portuguesa. Isso foi claríssimo na escolha de António Guterres para secre

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