Arundhati Roy, a deusa das pequenas pessoas
Livro de ensaios da escritora e ativista indiana no qual a perspetiva é contada a partir do chão. Os intocáveis, os não hindus, os vencidos por Gandhi, os rebeldes, os aldeões e os inocentes.
Há muito que Arundhati Roy é uma voz incómoda na Índia e este livro de ensaios é um pouco o currículo disso. É uma voz incómoda não por ser uma voz isolada no país, mas sobretudo por ser uma voz indiana que chega ao Ocidente – pelo menos desde 1997, quando ganhou o prémio Booker por “O deus das pequenas coisas”. O ensaio mais antigo dos seis aqui reunidos data do ano seguinte, 1998. O mais recente é de 2016.
O livro arranca com um longo texto sobre uma das grandes questões indianas, o sistema de castas que condena à subcondição humana os que são intocáveis – intocáveis não no sentido privilegiado do termo no Ocidente, mas no sentido indiano do termo, ou seja, são tão “sujos” e “impuros” que não devem ser tocados.
Exceto talvez o corpo das mulheres. “Os homens das castas privilegiadas tinham direitos indiscutíveis sobre os corpos das mulheres intocáveis. O amor é poluente. A violação é pura. Em muitas partes da Índia, grande parte disto continua a vigorar ainda hoje. Que mais é preciso dizer sobre uma imaginação, humana ou divina, que congeminou um arranjo social como este?”
Apesar de ser uma realidade tão entranhada e solidificada, Arundhati Roy diz que nunca encontrou “a noção de casta num único manual escolar.” Além de violações e chacinas, a autora recorda ocupações de terras, restrições de acesso a água potável e humilhações públicas que lembram os tempos medievais, como serem despidos e passeados nus, ou obrigados a comer dejetos.
A autora regressa a meados do século XX e à independência, e recupera uma espécie de duelo entre Gandhi e B. R. Ambedkar, que viriam praticamente a rivalizar entre eles sobre quem é que falava mais em nome dos intocáveis. Arundhati Roy não tem problemas em rejeitar qualquer tipo de santidade em Gandhi. “Embora fosse dado a pedir desculpa e a angustiar-se em público e em privado a respeito de coisas como os ocasionais lapsos de controlo do seu desejo sexual, nunca manifestou angústia a respeito das coisas extremamente perniciosas que disse e fez em matérias de castas.”
Como se sabe, o nome que chegou até hoje foi Gandhi, não foi Ambedkar. “Embora possuísse um impressionante intelecto, Ambedkar não tinha sentido de oportunidade, a duplicidade, a astúcia e a capacidade de ser inescrupuloso – qualidades necessárias a um bom político.”
O ensaio seguinte é de julho de 1998, no rescaldo dos testes nucleares indianos no contexto da disputa regional com o Paquistão. “Se protestar contra ter uma bomba nuclear implantada no meu cérebro é anti-hindu e antinacional, então eu entro em secessão.”
Segue-se um ensaio-reportagem de 2010 sobre as guerrilhas nas selvas indianas, e um texto, de 2016, sobre um clássico indiano, o conflito de Caxemira. A construção de uma grande barragem e o 11 de setembro completam o livro.
A AUTORA REGRESSA A MEADOS DO SÉCULO XX E À INDEPENDÊNCIA, E RECUPERA UMA ESPÉCIE DE DUELO ENTRE GANDHI E B. R. AMBEDKAR.
Não se sabe se foi o próprio embaixador britânico Sir Charles Norman Stirling a escolher o vinho da Casa de Vilacetinho para um banquete em honra de Isabel II, rainha de Inglaterra. Mas é certo que foram os ingleses, entre vários lotes apresentados, que optaram por aquele vinho verde para um dos eventos que marcaram a visita real a Portugal em 1957.
A ligação “real” já tinha antecedentes na história. A Casa de Vilacetinho, em Alpendurada, no concelho de Marco de Canaveses, foi um dos primeiros produtores da região dos vinhos verdes entre os rios Douro e Tâmega. Fazia parte do enorme património do Mosteiro Beneditino até 1790, altura em que cerca de 100 hectares ficaram na posse do primeiro visconde de Alpendurada.
A quinta continua na posse da família desde então, mas a marca Casa de Vilacetinho surgiu nos anos 1950 com Francisco Girão, tio-avô do atual diretor-geral, João Maia, que representa a oitava geração. O produtor, com apenas 29 anos, destaca na história recente da casa a replantação da vinha feita pelos pais nos anos 1990. João explica que “a ideia central foi separar as vinhas por castas, algo pouco usual na altura, quando se privilegiavam os vinhos de lote na Região dos Vinhos Verdes”. Uma nova forma de plantação e que os produtores quiseram marcar como filosofia na região: vinhos monovarietais.
Apesar de terem castas brancas como o Alvarinho, Arinto, Avesso, Azal, Fernão Pires e Loureiro e, nos tintos, Azal Tinto (Amaral), Touriga Nacional, Touriga Franca e Vinhão, a Casa de Vilacetinho destaca a Avesso como uma das principais apostas nos cerca de 30 hectares de vinha. João Maia descreve-a como difícil de trabalhar, de caráter forte, de oxidação rápida, rebelde, “com acidez alta e pH baixo, o que promove a longevidade”. O primeiro monocasta Avesso, na altura chamado “Colheita Selecionada”, saiu em 2003 e, “dado o sucesso enológico destes primeiros vinhos”, em 2011 João decidiu que o Avesso passava a ser a bandeira da Casa de Vilacetinho. A partir de 2011 nascem os blends com outras castas, o espumante e as colheitas tardias.
Este ano de 2020 há uma novidade no portefólio, Avesso Reserva 2018, que o produtor aponta como “um teste à casta que temos vindo a fazer colheita após colheita”. Considera que “chegou a um ponto de qualidade que merece ser partilhado”. João explica que é um vinho gastronómico com muita frescura e mineralidade, “capaz de casar com pratos de maior estrutura como os assados de domingo”. Além de tudo, sublinha que “promete uma boa capacidade de envelhecimento que está muito curioso de testar”. Nas novas colheitas estão o Casa de Vilacetinho Avesso & Alvarinho 2019, que recebeu 91 pontos da Wine Enthusiast.
Nestes últimos tempos, a aposta nos canais digitais passou a ser prioritária.
Também reestruturaram a empresa, “para garantir maior flexibilidade e adaptação a esta nova realidade, alocando funções para manter todos os postos de trabalho”. Relativamente ao setor, João Maia considera que os vinhos de entrada vão continuar a apresentar bom volume de vendas, “ou até melhores, visto que o seu posicionamento na grande distribuição continuará a ter tanta ou mais procura”. Mas, relativamente a vinhos de média/alta gama, têm de encontrar alternativas, “já que a sua experiência estava principalmente ligada ao que era partilhado à mesa de um restaurante”.
A Casa Vilacetinho, 230 anos depois, continua a reescrever a sua própria narrativa no mercado dos vinhos verdes, algumas vezes pioneira e outras com momentos únicos na história como, por exemplo, terem sido, no final dos anos 1950, uma das primeiras marcas a voar com a TAP que acompanhavam as refeições servidas a bordo em garrafas de miniatura.