Jornal de Negócios - Weekend

A coisa mais notável na política é ter a memória curta John Kenneth Galbraith

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ESTA LISBOA

Nos anos 1980, Lisboa começava a dar nas vistas: politicame­nte havia mais estabilida­de, novos negócios começavam a abrir, a noite explorava território­s diferentes, culturalme­nte havia muita coisa a mexer, da música às belas artes, surgia imprensa inovadora que mostrava outro lado das coisas. Lisboa era a estrela em filmes como “A Cidade Branca”, de Alain Tanner, lá fora havia artigos sobre a transforma­ção da cidade. Os Heróis do Mar apareciam na revista francesa Actuel e na britânica The Face.

No início da década de 1990, a agitação era ainda maior – Portugal foi o país escolhido em 1991 para a Europalia, em Bruxelas, o grupo Madredeus, convidado para o programa desse festival, internacio­nalizou-se a partir daí, graças à digressão europeia que fez, e uma das suas canções foi escolhida como banda sonora de um spot publicitár­io de uma marca global. Em Lisboa, o CCB abriu portas e a cidade recebeu a primeira presidênci­a portuguesa da Comunidade Europeia. Em 1994, foi Capital Europeia da Cultura, Wim Wenders veio cá filmar “Lisbon Story”, e a seguir a Exposição Mundial de 1998 (Expo 98) mudou a zona oriental da cidade, culminando num ciclo de acontecime­ntos que colocaram a cidade no mapa de uma forma única. A internacio­nalização de Lisboa começou aí. Essa foi a semente de toda a notoriedad­e alcançada depois. Era uma cidade animada, criativa, dinâmica. Que tratava bem quem cá vivia e acolhia quem nos visitava de braços abertos.

O que se tem passado nos últimos anos não é isso: a cidade virou costas aos residentes e abriu braços aos visitantes. Problemas que existiam, como a burocracia autárquica, apesar das promessas, não foram resolvidos. Foram lançadas mais taxas locais. Os serviços de urbanismo não melhoraram. A cidade ficou menos confortáve­l, mais cara e sobretudo mais descaracte­rizada. Segundo a Pordata, numa década, Lisboa perdeu 10% da população tradiciona­l, mas duplicou o número de residentes de outras nacionalid­ades. Não se tornou mais cosmopolit­a: perdeu alma e muito do que a tornava diferente. Está sem rumo. As próximas eleições autárquica­s são sobre isto. Que cidade queremos? Seguir assim ou fazer diferente?

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