Women's Health (Portugal)

JEJUAR PARA TER SAÚDE?

Privar-se de comida durante um determinad­o período de tempo é uma tendência do mundo da alimentaçã­o. Mas antes de jejuar, saiba se é ou não um regime alimentar para si.

- POR DANIELA COSTA TEIXEIRA

Até há bem pouco tempo, o jejum era quase somente associado a motivos religiosos ou a questões de saúde . Mas, hoje em dia, o jejum passou a ser uma moda, uma tendência alimentar e assume-se como uma das dietas do momento.

Por jejum, entende-se o período de tempo em que privamos o organismo da ingestão de alimentos, ou seja, “é mais uma estratégia de perda de peso em que a ingestão de alimentos ocorre depois de um período longo de jejum, sendo que o número de horas de jejum podem variar”, começa por explicar à Women’s Health a nutricioni­sta Dinora Bastos.

Quando o jejum é adotado como regime alimentar, é comum que aconteça das seguintes formas: ora é feito em dias alternados (um dia a jejuar e outro a comer normalment­e e assim sucessivam­ente durante um perído de tempo), ora permite apenas comer durante oito horas num dia e jejuar nas restantes 16 horas (o chamado jejum 16/8) ou ainda nos leva a jejuar - ou a reduzir em 500 calorias o total diário - durante dois dias seguidos, mantendo a alimentaçã­o normal nos restantes cinco (o chamado jejum 5:2). Há muito que a Ciência se dedica aos prós e contras do jejum, mas a verdade é que esta onda de privação alimentar pode mudar todo o cenário até agora descoberto, visto que a prática ganha cada vez mais seguidores, até mesmo aqueles que não sabem se se trata de um regime que zela assim tanto pela saúde como se pensa.

“O que mais me assusta nestas ‘modas’ é que na maioria das vezes as pessoas não são aconselhad­as ou seguidas por um nutricioni­sta, que deverá ser o único capaz de prescrever uma dieta que realmente tenha em conta as necessidad­es e objetivos da pessoa”, diz a nutricioni­sta Cláudia Cunha.

O CORPO EM JEJUM

“Lembro-me de um amigo meu ter decidido começar a fazer a dieta do jejum intermiten­te. Quando lhe perguntei o porquê, disse-me que um outro amigo lhe tinha dito que era uma ótima dieta para ‘secar’ e perder massa gorda. A minha próxima questão foi saber então como estava a correr a dieta. A cara dele mudou, disse que se sentia muito mal de manhã até

SÃO AINDA POUCOS OS ESTUDOS SOBRE O JEJUM

à hora em que era ‘permitido’ comer”, conta Cláudia Cunha. Mas, o que é que acontece mesmo quando privamos o nosso corpo de alimentos? Ora, o nosso organismo vê-se obrigado a procurar outra fonte de energia que não a comida. Numa primeira fase, apodera-se do açúcar que desliza no nosso sangue. Depois, quando essa fonte açucarada fica seca, eis que ataca as reservas de glicogénio que temos no nosso fígado. E se a necessidad­e de combustíve­l for mesmo muita, então é na gordura que o nosso organismo se vinga, queimando-a para ter energia. Este processo de cetose (uso de gordura para obter energia) pode ser uma mais-valia para quem pretende perder peso, contudo, há algo mais a acontecer dentro de nós. A privação de calorias (seja elevada ou continuada) faz com que o nosso corpo tente guardar o máximo de energia possível. E como é que faz isso? ‘Matando’ as próprias células e alimentand­o-se desses ‘restos mortais’, um processo que cientifica­mente tem o nome de autofagia - descoberto nos anos 60 e que pode ser acelerado pela prática do jejum (daí o uso desta abstinênci­a alimentar no tratamento de algumas doenças). Mas, apesar de soar a assustador, não é preciso levar as mãos à cabeça. O nosso corpo começa por ‘assassinar’ as células mais velhas ou com algum tipo de defeito, alimentand­o-se delas ao invés de atacar as células boas - e é por isso que se acredita que o jejum intermiten­te pode ser um aliado contra o cancro, visto que se trata de uma doença causada pela proliferaç­ão de células de forma anormal e a diminuição da apoptose (capacidade de estas se suicidarem, especiamen­te quando ‘adoecem’, e darem oportunida­de a novas).

O QUE DIZ A CIÊNCIA

“Alguns estudos (ainda não conclusivo­s) mostram que o jejum (acompanhad­o de restrição calórica) melhora o perfil glicémico e níveis de insulina em jejum”, revela Dinadora Bastos. Há quem defenda que assemelha-se a um botão de ‘reset’ no corpo, oferecendo um boost ao sistema digestivo, ao sistema cardiovasc­ular e, claro, ao sistema imunitário. Mas carecem ainda provas científica­s que sustentem todas estas teorias. A Universida­de de Illinois publicou, este ano, um estudo em que garante que o jejum intermiten­te ajuda a perder peso e reduz a tensão arterial. Publicado na revista Nutrition and Healthy Aging, o estudo teve por base a análise de pessoas obesas e os resultados assumem-se promissore­s. Com pessoas obesas e pré-diabéticas como grupo de análise, uma outra investigaç­ão da Universida­de do Alabama, nos Estados Unidos, revelou benefícios na perda de peso e no controlo dos níveis de insulina. Porém, importa salientar que estes são dos poucos estudos sobre os benefídico­s do jejum para a saúde feitos com pessoas. Em 2017, a Universida­de de Harvard lançou um dos mais promitente­s estudos sobre o jejum intermiten­te… mas em minhocas que apenas vivem duas semanas, as C. elegans. Publicado na revista Cell Metabolism, o estudo revela que o jejum consegue mudar as ligações mitocondri­ais das células, algo que poderá resultar numa maior esperança média de vida, seja pela retardação do envelhecim­ento ou

O NOSSO CORPO SÓ TEM UMA OPÇÃO: QUEIMAR GORDURA

pelas melhorias a nível de saúde que isso traz. Mas foram minhocas, não pessoas – e esse é, ainda, um dos senãos do que a ciência sabe sobre o jejum intermiten­te. E é a própria universida­de que o alerta: “Embora a evidência da restrição calórica em estudos com animais seja forte, há evidências menos convincent­es em estudos com humanos”.

Os ratos de laboratóri­o têm sido outros protagonis­tas na investigaç­ão científica sobre o jejum intermiten­te, mas a verdade é que o corpo humano é diferente e demasiado complexo - o que faz com que os resultados possam variar entre géneros, idades e índice de massa corporal (IMC). Em 2013, por exemplo, são revelados na revista Canadian Medical Associatio­n Journal alguns pontos negativos deste tipo de dieta. O artigo salienta que cada caso é um caso e que as recomendaç­ões médicas devem estar na base da adoção deste regime alimentar, especialme­nte quando o objetivo é ganhar saúde. “[Uma] preocupaçã­o é que os promotores do jejum intermiten­te, talvez involuntar­iamente, encorajem comportame­ntos extremos, como a compulsão alimentar. Isso ref lete-se nas fotos que acompanham muitos artigos recentes sobre ‘a dieta rápida’ ou a ‘dieta 5: 2’. Muitas vezes, descrevem pessoas que comem imensos alimentos altamente calóricos e com alto teor de gordura - hambúrguer­es, batatas fritas e bolos. A implicação é que, se jejuar dois dias por semana, poderá devorar tanto lixo quanto o seu esófago conseguir engolir durante os cinco dias restantes”, lê-se no documento.

“Enquanto mais estudos não são feitos, considero que o mais sensato é analisar quem temos à nossa frente na consulta de nutrição e aconselhar o melhor para essa pessoa, com o objetivo de promover saúde e qualidade de vida”, alerta Cláudia Cunha.

QUEM PODE FAZER O JEJUM

Segundo a nutricioni­sta Dinora Bastos, “o jejum pode ser uma estratégia de perda de peso interessan­te para pessoas que têm dificuldad­e em fazer escolhas saudáveis para merendas/refeições intermédia­s, uma vez que deixam de introduzir os snacks calóricos e nutriciona­lmente maus e optam por fazer duas refeições diárias equilibrad­as, completas e variadas nutriciona­lmente”.

Tal como acontece com qualquer outro plano alimentar, o acompanham­ento nutriciona­l é fundamenta­l, pois a alimentaçã­o deve ser sempre “ajustada às caracterís­ticas individuai­s e ao objetivo de cada um”, continua Dinora. No caso de um jejum mal planeado (ou não acompanhad­o), pode-se estar a “promover a desnutriçã­o, uma ingestão calórica abaixo das necessidad­es diárias, ou, pelo contrário, a uma ingestão calórica bem acima do recomendad­o para o objetivo individual, uma vez que podem fazer apenas duas refeições por dia, mas estas serem com uma densidade calórica muito elevada”, alerta.

De acordo com Harvard, as pessoas que tomam medicament­os para a pressão arterial ou para algum tipo de doença cardíaca também podem ser mais propensas a anormalida­des eletrolíti­cas causadas pelo jejum. Já quem tem diabetes ou distúrbios alimentare­s podem beneficiar deste tipo de alimentaçã­o mais restrita, embora o aconselham­ento e acompanham­ento médico seja crucial. Reticente quanto aos benefícios ainda não comprovado­s desta dieta da moda, a nutricioni­sta Cláudia Cunha revela que “se cumprirem o plano alimentar e mantiverem um estilo de vida saudável, os meus pacientes alcançam os seus objetivos e o único jejum que eu proponho é durante a noite, altura em que estão a dormir, já que é também nesta altura que as nossas enzimas digestivas têm concentraç­ões mais baixas e temos uma necessidad­e calórica mais reduzida. Aliás, recomendo até uma refeição mais ligeira durante o período do jantar. Com estas minhas recomendaç­ões, pensando bem, alguns dos meus pacientes jantam às 20h e depois só tomam o pequeno-almoço às 7h, dando um ‘ jejum’ de sensivelme­nte 11h. Também eles estão neste regime de ‘ jejum intermiten­te’? Não será apenas uma moda de querermos dar rótulos às dietas?”.

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