Ou alimentos com má fama?
Vivemos numa era de mitos alimentares, de falsas teorias nutricionais, de enganadores especialistas não formados, de redes sociais que se assumem como bíblias inexatas da Nutrição. Vivemos numa era em que aquilo que colocamos no prato causa mais dúvidas do que os nutrientes que oferece. Mas serão os chamados ‘vilões atuais’, de facto, os maus da fita? A Women’s Health pediu ajuda a nutricionistas para desvendar a verdade absoluta sobre o glúten, a lactose, o café, o pão, o açúcar, a whey e a soja.
Gluten ANA ISABEL MONTEIRO
“O glúten não é tão vilão quanto as pessoas pensam e só o deve retirar da alimentação quem tem intolerância ou alergia. Essa eliminação deve ser sempre acompanhada por um profissional para não ficarem vitaminas em défice, como o caso das do complexo B. No entanto, também não é para comer glúten a todas as refeições”.
RITA ROLDÃO
“Não é apenas uma moda e nem só os doentes celíacos devem retirar o glúten. Uma alteração da flora intestinal influencia uma alteração da resposta imune e alterações nutricionais, enzimáticas, bem como interfere na integridade da muscosa intestinal. A sensibilidade não celíaca ao glúten existe, no entanto, não se deve confundir a suposta intolerância ao glúten com intolerância aos frutanos, que podem produzir reações semelhantes”.
SANDRA RIBEIRO
“A não ser que tenha efetivamente o disgnóstico de doença celíaca ou sensibilidade ao glúten não celíaca, afastar o glúten vai fazer com que fique mais limitada na sua diversidade alimentar. Esta situação conduz, muitas vezes, pela opção de alimentos sem glúten, mas com uma lista de ingredientes não tão interessante pela presença de aditivos alimentares, em muitos casos”.
TÂNIA TINOCO
“O glúten é uma proteína encontrada em determinados cereais (trigo, centeio e cevada). O consumo desta proteína faz mal a quem tem intolerância, tal como os doentes celíacos, provocando dores de barriga, diarreia e inchaço abdominal. Quem não tem intolerância não tem o porquê de evitar o glúten”.
Cafe
ANA ISABEL MONTEIRO
“Dois ou três por dia podem trazer benefícios, mas se a pessoa não gostar, não tem de tomar, não é vital. Para quem toma, o ideal será não adicionar açúcar nem adoçantes. E o óleo de coco só acrescenta calorias, também não traz mais vantagens ao café”.
RITA ROLDÃO
“O consumo limitado a três chávenas de café expresso por dia pode trazer vantagens à saúde. Além de transmitir uma sensação de conforto e saciedade, influência o estado de alerta e cognitivo e tem propriedades antioxidantes (previne a formação de radicais livres). Numa alimentação balanceada, o seu consumo diário está associado à prevenção de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2. Por outro lado, certas pessoas queixam-se com os efeitos que o café provoca (ansiedade, insónia ou mau humor), sendo que isso acontece devido à dificuldade que existe em metabolizar o café. Algumas pessoas tornamse dependentes da cafeína e surgem sintomas como dores de cabeça e sonolência se não tomarem café. O café, em certos casos e com um consumo excessivo, também pode aumentar a frequência cardíaca e a tensão arterial. Cuidado com a sensibilidade gástrica”.
SANDRA RIBEIRO
“A ingestão de café contribui para a ingestão de substância antioxidantes que auxiliam o organismo a reduzir a formação de radicais livres que contribuem diretamente para o envelhecimento das nossas células. No entanto, para a maioria dos portugueses a ingestão de café vem quase inevitavelmente acompanhada do pacote de açúcar. Ora, se por um lado, estamos a beneficiar do potencial antioxidante e estimulante do café, estamos a contribuir o eventual surgimento de outros problemas ao adoçá-lo”.
TÂNIA TINOCO
“O café, em doses moderadas, apresenta vastas vantagens para a saúde. Por exemplo, por ser um estimulante natural e ajuda na diminuição da sensação de fadiga. Está também associado a uma melhoria de memória, contribuindo para a prevenção de demência. No entanto, pode apresentar perigo para a saúde caso seja consumido em doses exageradas, provocando arritmias, ansiedade, insónias, entre outros sintomas”. Lactose
ANA ISABEL MONTEIRO
“A minha opinião é a mesma relativamente ao glúten e à lactose. A pessoa tem alergia ou intolerância, então retira. A pessoa apresenta alguma sensibilidade, apresentando sintomas como inchaço ou flatulência depois do consumo? Então, pode retirar-se u tempo para ver se melhora e voltar a fazer a introdução gradual. Não acho que toda a gente tenha benefícios em retirar o glúten e a lactose”.
RITA ROLDÃO
“O leite materno assume uma importância extrema no primeiro ano de vida, no entanto, com o decorrer do tempo, e após a transição para o leite de vaca, verifica-se, em alguns casos, a intolerância ao leite e seus derivados. A síndrome de intolerância à lactose é comum e caracteriza-se por uma produção deficitária da enzima lactase, responsável pela digestão da lactose”.
TÂNIA TINOCO
“A lactose, tal como o glúten, não apresenta riscos para quem não tem intolerância. A remoção da mesma de dietas não apresenta vantagens, à exceção de algumas patologias, como os problemas intestinais, uma vez que provocam mais fermentação no intestino, causando mal-estar”.
Pão
ANA ISABEL MONTEIRO
“Alimento nosso, tradicional e que pode perfeitamente fazer parte da nossa alimentação. Devemos optar por pão com poucos ingredientes (farinha, água, fermento e sal) e, de preferência, integral, de centeio ou mistura. A evitar mesmo: pão de forma”.
RITA ROLDÃO
“O pão branco, constituído por farinhas brancas e refinadas, não é de facto o mais indicado. A melhor sugestão é consumir o pão que é constituído por massa mãe, uma massa com levedura natural estável que pode produzir infinitos pães, desde que continue sendo alimentada na medida certa para que as bactérias se reproduzam. O pão produzido por fermentação natural precisa de menos glúten do que aquele feito com outros tipos de fermento. Outra curiosidade é que o pão produzido com fermentação natural contém lactobacilos encontrados somente nesse tipo de fermento e que contribuem para a digestão do pão, além de serem benéficos para a nossa flora intestinal”.
SANDRA RIBEIRO
“O pão é um excelente alimento se tivermos em conta os seguintes pontos: Ao escolher um pão escuro, certifique-se que a principal farinha utilizada é integral, porque a tonalidade mais escurado pão poderá ser conseguida com uma percentagem pequena de farinha naturalmente mais escura, o que torna de facto o pão escuro mas não tão rico em fibra como se usada uma farinha integral. Se comprar pão embalado, observe a lista de ingredientes – o primeiro ingrediente da lista é o que tem mais peso no alimento, logo se o primeiro tipo de farinha não tiver a designação integral o pão não terá uma riqueza em fibra tão significativa. A ingestão adequada de fibra é muito importante tanto para a saciedade como para a saúde intestinal. Outra preocupação que deverá ter não diz apenas ao pão que escolhe mas também ao que coloca lá dentro”.
TÂNIA TINOCO
“Hoje em dia, o pão é visto como um vilão, no entanto, é um alimento saudável e que podemos incluir na alimentação. Temos de ter apenas em atenção a qualidade do pão, o peso médio de um pão deve ser 70g e devemos optar por pão feito com farinhas mais integrais”.
Acucar
ANA ISABEL MONTEIRO
“O açúcar de adição pode entrar de vez em quando na nossa alimentação, mas não deve ser algo diário, mesmo que estejamos a falar de opções mais naturais como o mel, agave, xarope de ácer, tâmaras, açúcar de coco, açúcar mascavado”.
RITA ROLDÃO
“Os açúcares refinados já perderam todos os seus nutrientes, como vitaminas, minerais, fibras e compostos fitoquímicos. São alimentos vazios e antinutrientes, porque consomem nutrientes do corpo para serem metabolizados, eliminando principalmente sais minerais do organismo. As piores opções são o açúcar refinado e os xaropes de milho e agave, por conterem frutose livre. O ideal é nunca utilizá-los (não se esqueça de que estão quase sempre incluídos nos produtos industrializados). Entre as opções disponíveis, as melhores serão o mel puro cru para receitas que não vão ao lume e o açúcar de coco ou o melaço de cana para receitas que serão submetidas ao calor e para adoçar bebidas quentes, como o café por exemplo. Consumido com moderação, nunca se esquecendo de que açúcar é açúcar, por mais natural que seja”.
SANDRA RIBEIRO
“Quando dizemos que não ingerimos açúcar, esquecemo-nos de alimentos que ingerimos e que contêm açúcar, tais como iogurtes, bolachas, chocolate em pó e até os menos óbvios como o ketchup, algumas conservas de vegetais, salsichas e outros alimentos processados. Comece a analisar o rótulo dos alimentos processados, a lista de ingredientes, para saber exatamente o que está a ingerir. Quanto mais curta a lista de ingredientes melhor e se o açúcar aparecer nas primeiras posições reflita se efetivamente precisa de ingerir aquele alimento. Descascar mais e desembalar menos”.
TÂNIA TINOCO
“Em primeiro lugar, há vários tipos de açúcar. Se falarmos de açúcar refinado (o tradicional açúcar branco) a minha opinião é de que não o devemos usar de todo, não apresenta qualquer tipo de vantagem, bem pelo contrário, é em grande parte prejudicial à saúde. No desporto, pode, por vezes, ser utilizado como fonte rápida de energia, sendo a única vantagem que vejo na sua utilização”.
Whey
ANA ISABEL MONTEIRO
“Depende muito! Acho que é uma opção prática para quem não consegue comer nada a seguir ao treino ou para quem não consegue atingir as suas necessidades proteicas diárias só através de alimentos. Acho que a maioria das pessoas não precisa e acaba por exagerar, quer na dose quer na proteína ingerida ao longo do dia”.
RITA ROLDÃO
“A whey, ou proteína do soro do leite, contém cerca de 20% da proteína encontrada no leite de vaca. É utilizada por desportistas e outros indivíduos que pretendem aumentar a massa magra, reduzir a massa gorda e, muitas vezes, favorecer o processo de hipertrofia muscular. Dá sensação de saciedade e ajuda a repor as fibras musculares, mas, atenção, o suplemento pode sobrecarregar os rins e algumas marcas estão cheias de açúcar e acabam por engordar. Não se deve adquirir nenhum suplemento sem consultar o nutricionista ou sem orientação médica”.
TÂNIA TINOCO
“A proteína whey, infelizmente, ainda é vista como um produto prejudicial, sendo confundida com anabolizantes. É uma ótima opção para complementar as refeições intermédias, para quem tem as necessidades proteicas aumentadas”.
Soja
ANA ISABEL MONTEIRO
“Atenção à origem, que deve ser biológica e garantidamente sem organismos geneticamente modificados. Deve ser ainda pouco processada e fermentada, como acontece com o tofu e tempeh. O edamame (feijões de soja verde) também é uma boa opção. Na dose certa, é seguro para homens e para mulheres”.
RITA ROLDÃO
“A procura da soja surgiu como alternativa ao consumo de produtos lácteos e de origem animal. É rica em proteína de origem vegetal, fibra, gordura insaturada, vitaminas e minerais, mas parte desses nutrientes são perdidos quando o produto é industrializado. O consumo regular deste alimento está relacionado com a diminuição do colesterol total, mau colesterol (ou LDL) e triglicéridos, mantendo uma alimentação saudável. Não existe certeza relativamente à eficácia da soja na prevenção de afrontamentos e outros sintomas da menopausa, sendo o seu consumo contraindicado em certos casos clínicos como cancro da mama e/ou ovários e alterações do funcionamento da tiroide”.
SANDRA RIBEIRO
“A soja faz parte do grupo das leguminosas, tal como o feijão, grão, ervilhas, favas e lentilhas, por exemplo. A ingestão diária deste grupo de alimentos deve rondar 25 g por dia, consumidos no prato, na sopa ou então na forma de farinhas usadas em pão, por exemplo. Cozinhar arroz com grão de soja (como se cozinha um arroz de feijão) é completamente diferente de consumir a soja em molhos, salsichas ou hambúrgueres, por exemplo. Como para todos os alimentos, esteja mais consciente da forma como adquire o alimento, natural, processado ou minimamente processado, e na forma como o vai confecionar”.
TÂNIA TINOCO
“A abordagem sobre a soja é ainda muito complexa, no entanto, grande parte dos mitos que lemos e ouvimos não têm fundamento, pelo que o seu consumo não deve ser evitado. Devemos, sim, ter em atenção determinados aspetos: optar pela soja que é não geneticamente modificada, devemos demolhar a soja antes de a cozinhar (tal como as restantes leguminosas), para diminuir o impacto dos fitatos na absorção de determinados minerais”.