Fomos conhecer a medicina que nos devolve a juventude.
“HÁ ANOS QUE NÃO VOU AO MÉDICO”. ESTA FRASE SIMBOLIZA UMA SAÚDE DE FERRO, MAS A MENTALIDADE ESTÁ A MUDAR. MAIS DO QUE TRATAR, É PRECISO PREVENIR. E REGENERAR. O OBJETIVO É UM ORGANISMO FUNCIONAL, MESMO QUANDO A IDADE AVANÇA. SE ESTÁ SAUDÁVEL PODE – E DEVE – FAZER UMA CONSULTA, SOBRETUDO SE ESTÁ NA FAIXA ETÁRIA DOS 40.
Visitamos um médico numa situação de doença ou emergência. Na consulta recebemos um diagnóstico e, em muitos casos, uma lista de medicamentos para tratar a condição que nos levou lá. É uma relação de causa-efeito imediata: há um estado de doença, é identificada uma patologia, feito um receituário. Toma-se tudo. Assunto arrumado. Ou não.
A Medicina anti-aging diz claramente que não, que, a priori, pode ser feito um estudo dos processos que afetam a saúde. E, até, evitada a doença. Que no nosso estado geral de saúde há fatores ambientais que inf luenciam, desequilíbrios internos que estão presentes desde que somos crianças, fatores emocionais e comportamentais, alterações hormonais que abrem o caminho para um organismo menos funcional, onde os níveis de imunidade são baixos e os de stress elevados. Onde há disfunções do sono, do intestino, do cérebro. E que a propensão para a proliferação de doenças, das mais simples às mais complicadas – como as autoimunes –, tem caminho aberto.
O indivíduo é considerado inteiramente, como uma entidade complexa administrada por sistemas integrados e comunicantes. Por isso, é preciso tratar não só após a doença. Mas primeiro, e sobretudo, prevenir. “A abordagem anti-aging preocupa-se tanto com a prevenção como com o tratamento”, refere Louis Teullières*, médico especializado em Medicina Interna e Imunologia, diretor de pesquisa clínica do departamento de Imunopatologia do Instituto Pasteur, em França, e diretor médico dos centros de doenças degenerativas da Fundação Anne de Gaulle e da Fundação Autisme.
“Falamos de uma Medicina que tenta evitar a entrada na doença”, refere, por sua vez, Jaime Milheiro, especializado em Medicina desportiva, em Medicina física e de reabilitação, diretor clínico adjunto do Comité Olímpico de Portugal e médico certificado da American Academy of Antiaging and Functional Medicine. “No curso de Medicina, aprendi que temos de esperar que as pessoas fiquem doentes para serem tratadas, uma abordagem 100% terapêutica. Lembro-me de estar em consulta com colegas mais velhos e de estes me dizerem: ‘Não vamos fazer nada porque ainda não está doente, temos de esperar que entre na doença’. O papel do médico de tratar a doença instalada é, na minha opinião, um papel redutor. Como médicos temos de prevenir a doença. Hoje, tenho muita gente saudável na minha consulta”.
Jaime Milheiro refere ainda que há muitos elementos comuns na Medicina desportiva – que é muito mais do que a traumatologia desportiva – e na anti-aging: “É uma Medicina regenerativa e funcional com uma grande base de Medicina preventiva. A doença está associada a determinadas penias [reduções] ou pausas do envelhecimento e estas são similares ao que acontece, por
exemplo, no excesso de treino ou de carga no treino. A capacidade anabólica que se perde com o envelhecimento é similar à que acontece no treino de alto rendimento”.
O nome anti-aging é até um pouco enganador, pois remete de imediato para a estética. Nada contra este ramo da Medicina, que tantos benefícios pode trazer, mas é preciso clarificar: Medicina anti-aging trata de fazer todo um estudo sobre um indivíduo, o seu estado de saúde, aquilo a que esteve exposto durante o crescimento, o que o afeta no seu dia-a-dia, detalhar o estado do seu organismo, para depois criar um plano personalizado que tem o objetivo de tornar o corpo mais funcional. Trata-se de melhorar a saúde orgânica e com isso prolongar a vida – e sobretudo a qualidade de vida. Daí o nome: anti-aging, antienvelhecimento, apesar de existir quem prefira desinações como age management medicine ou advanced preventive medicine.
O QUE É ENVELHECER?
Não há como escapar: desde que nascemos que começa o processo de envelhecimento – criança, jovem, adulto. Em relação à saúde, o pico é o estado jovem.
Um artigo publicado na revista Indian Journal of Plastic Surgery, com o título Medicina anti-aging refere: “Boa saúde, músculos fortes, um sistema imunitário eficiente, uma memória aguda e um cérebro saudável são característicos de um estado jovem. As hormonas trabalham no pico da sua capacidade durante os anos da juventude. A Medicina anti-aging pretende manter ou conseguir isto, independentemente da idade cronológica, ou seja, permanecer saudável e biologicamente eficiente. A prestigiada revista científica Biogerontology define envelhecimento como ‘a falha progressiva da capacidade dos mecanismos intrínsecos e genéticos do corpo o defenderem, manterem e se autorrepararem de forma que este funcione de forma eficiente’”.
“A vida de todas as espécies, inclusive a nossa, depende de três funções fundamentais: reproduzir-se, adaptar-se e resistir. Essas funções são definidas e organizadas em três sistemas: imunitário, neurovegetativo e endocrinológico. O envelhecimento é inevitável, mas pode ser acelerado em certas condições, sobretudo se os ditos sistemas não são eficazes”, explica Louis Teullières.
No envelhecimento natural, o que acontece é uma falha progressiva dos processos metabólicos. Há três principais processos bioquímicos envolvidos no ato de envelhecer: oxidação, glicação e metilação. A este juntam-se a inflamação crónica e a desregulação hormonal. Desequilíbrios nestes processos levam ao aparecimento de doenças e ao envelhecimento precoce, seja ele visível ou encapotado. Pelo contrário, se os equilibrarmos, conseguimos obter um organismo funcional por mais tempo, e ter menos doenças.
GLICAÇÃO E ENVELHECIMENTO
Neste processo, é vital ter atenção à saturação dos recetores de insulina, cronicamente saturados pela glicose. Para Jaime Milheiro não há dúvidas: “Se há coisa que envelhece é o açúcar. As pessoas deviam ser sugar-free, é muito importante sê-lo no processo de envelhecimento. Não tenho dúvidas dos benefícios clínicos antienvelhecimento de quando não se come açúcar. O que mais digo às pessoas de 40-50 anos que me procuram é: corte nos açúcares, o açúcar é altamente envelhecedor”. Falamos de açúcar simples, refinados e tudo o que tenha trigo e farinhas brancas, que quando ingeridos se transformam em glicose, e não de hidratos resistentes necessários ao bom funcionamento do cérebro.
“Não sou a favor da dieta cetogénica – que tem menos de 10% de hidratos – pois esta promove a inflamação cerebral. O cérebro precisa de alguma glicose. Na dieta da longevidade, o açúcar não tem lugar – excluo aqui atletas de alta competição e pessoas em crescimento, ambos grupos com alto consumo calórico. Mas sempre que se faz treino de intensidade, tem de se ingerir hidratos, mas hidratos resistentes, nos quais incluo o arroz basmati ou integral, a batata cozida fria, a banana verde, para dar alguns exemplos. Absorção resistente, lenta, que não faz picos de insulina”.
São cada vez mais comuns as doenças crónicas e degenerativas – e, infelizmente, revelam-se em idades que, não sendo propriamente mais cedo, são-no numa vida cuja esperança aumentou
Ou seja, vivemos mais tempo. Temos de viver com mais qualidade e não a tomar dez comprimidos
PROCESSOS DE ENVELHECIMENTO RESULTAM EM DOENÇAS. AO AGIR SOBRE O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO, A MEDICINA ANTI-AGING ACREDITA QUE HÁ UM MELHORAMENTO DAS DOENÇAS RELACIONADAS COM O ENVELHECIMENTO – OU QUE ESTAS NEM CHEGAM A SURGIR.
por dia como fazem muitos dos nossos pais e avós. Patologias instaladas, como as cerebrais (ex.: Alzheimer) e as autoimunes, recebem da abordagem clássica um protocolo de tratamento que recorre a anti-inflamatórios e a imunossupressores, medicamentos, portanto.
Na opinião de Louis Teullières, estas são “soluções provisórias que não tratam a origem nem a restauração dos sistemas de resistência e adaptação que devem ser o ponto-chave da cura”.
Por isso, esta abordagem do anti-aging, na opinião de Jaime Milheiro, deve começar cedo: “O ideal é começar por volta dos 40-45, mais tardar 50”.
CONSULTA E DIAGNÓSTICO
“É preciso conhecer a história da pessoa a tratar, o seu modo de viver: sono, trabalho, atividades, lazer e desejos, mas também dieta, pulsões alimentares e o modo de gestão emocional. Um exame clínico completo deve ser efetuado antes de qualquer diagnóstico”, adianta Teullières, que acrescenta em relação a estes exames: “O perfil biológico é justamente dedicado a avaliar os sistemas fundamentais– metabólico, hormonal, imunológico –, assim como as funções de eliminação e purificação renais e hepática”.
Este levantamento do histórico do paciente tem quase uma parte psicanalítica, no sentido que enquadra o hoje no ontem.
Falamos de como nos sentimos, quais as queixas, os pontos fortes, mas enquadrado na forma como crescemos, comportamental e emocionalmente, e como isso nos afetou – o médico está a fazer a sua leitura do que dizemos. Pode ser importante para análise, por exemplo: o local onde habitamos, que vacinas tomámos, as mudanças que tivemos de residência, se tivemos problemas emocionais na adolescência, se já tivemos muitas infeções urinárias, como dormimos, como comemos, quando e como fazemos exercício, como está a nossa pele, se existe aumento de peso, cansaço crónico, dores musculares e articulares, estados alérgicos ou irritativos frequentes, entre outros.
Vários elementos dão ao médico pistas para o segundo passo: fazer uma bateria de testes e análises. São analisados parâmetros mais comuns à abordage tradicional da Medicina, mas também, como diz Jaime Milheiro, há quatro áreas que têm de ser analisadas a fundo.
“O intestino, o HPA [eixo hipotálamo pituitário adrenal]
O AUMENTO DA ESPERANÇA DE VIDA NÃO É DIRETAMENTE ACOMPANHADO DE UM AUMENTO DA QUALIDADE DE VIDA. A MEDICINA ANTI-AGING PRETENDE PREVENIR E EVITAR O APARECIMENTO DE PATOLOGIAS, E O USO DE MEDICAÇÃO EXCESSIVA. O DITADO É ANTIGO MAS APLICA-SE: MAIS VALE PREVENIR DO QUE REMEDIAR.
e o cortisol, o sono e a capacidade que estes têm de afetar o cérebro e a resposta cerebral. Nos meus atletas faço sempre este estudo endócrino. É fundamental estudar a tríade hormonal: tiroide, cortisol e pâncreas e, depois, o intestino e o sono. E avaliar as vicissitudes que estes criam no cérebro. Por fim, na parte da fisiologia, temos de incluir a nutrição e o exercício, que são como um interruptor, alterando os anteriores para o bem ou para o mal”. Um exemplo? Em função do seu estilo de vida, fazer aquela aula de cycling intensa ao final do dia pode não só não ser benéfico, como estar a sobrecarregar a glândula suprarrenal e desregular todo o seu organismo e a tirar-lhe uma noite de sono bem dormida. E um sono mal gerido vai afetar todo o seu processo hormonal, que por sua vez vai afetar a forma como o seu organismo envelhece.
“Um perfil biológico que avalie os sistemas fundamentais permitirá saber se enfrentamos uma questão simples de desequilíbrio hormonal ou se devemos também tomar conta de consequências neurológicas ao nível neurovegetativo ou da harmonia dos neurotransmissores, como duma eventual infeção crónica a baixo nível, agravada por uma perturbação do sistema imunitário”, resume Louis Teullières.
É frequente começar num setor (ex.: alimentação ou regulação do sono) e, depois, avançar para outros (ex.: exercício e suplementação). A identificação, primeiro, e o(s) diagnóstico(s), segundo, não são lineares. E esta é a parte menos imediata da proposta anti-aging, pois pode acarretar alguns custos e um compromisso a longo prazo.
Para Jaime Milheiro, “a primeira coisa que o paciente tem de ter é tempo. As análises são feitas por fases. No início pedia muita coisa e era demasiado para o paciente e mexia muito com a sua vida... Neste momento, consoante o que me surge de informação na consulta, começo por um lado. Se achar que a base da consulta está no estilo de vida, começo por analisar o cortisol. Em todas as pessoas é preciso analisar o cortisol (quantificar e qualificar) através do sangue e da saliva. Aos meus pacientes explico que o cortisol tem efeito catabólico durante o dia e anabólico à noite, daí a medição durante 24 horas. É frequente encontrar pessoas com distúrbios no cortisol, aliás, é difícil encontrar alguém com ele equilibrado. (...) Se achar que o distúrbio está relacionado com o intestino, começo com análise das fezes, do microbioma e hemoglobina do intestino, a presença ou não de antigénios, os micronutrientes... Analisamos as vitaminas (complexos B, C, A, ómegas, magnésio, zinco, ferro)”. Mas nem sempre é à primeira tentativa que se chega a um resultado. “Para obter um resultado na Medicina em anti-aging precisamos de, pelo menos, três meses. As funções biológicas devem modificar-se, o tratamento deve ser afinado segundo os primeiros resultados, após um mês. Após esta revisão, uma segunda fase será dedicada a um reequilíbrio fisiológico da Biologia”, resume.
Afinal, cada caso é um caso e merece toda a atenção.