Women's Health (Portugal)

Fomos conhecer a medicina que nos devolve a juventude.

- POR RITA MACHADO

“HÁ ANOS QUE NÃO VOU AO MÉDICO”. ESTA FRASE SIMBOLIZA UMA SAÚDE DE FERRO, MAS A MENTALIDAD­E ESTÁ A MUDAR. MAIS DO QUE TRATAR, É PRECISO PREVENIR. E REGENERAR. O OBJETIVO É UM ORGANISMO FUNCIONAL, MESMO QUANDO A IDADE AVANÇA. SE ESTÁ SAUDÁVEL PODE – E DEVE – FAZER UMA CONSULTA, SOBRETUDO SE ESTÁ NA FAIXA ETÁRIA DOS 40.

Visitamos um médico numa situação de doença ou emergência. Na consulta recebemos um diagnóstic­o e, em muitos casos, uma lista de medicament­os para tratar a condição que nos levou lá. É uma relação de causa-efeito imediata: há um estado de doença, é identifica­da uma patologia, feito um receituári­o. Toma-se tudo. Assunto arrumado. Ou não.

A Medicina anti-aging diz claramente que não, que, a priori, pode ser feito um estudo dos processos que afetam a saúde. E, até, evitada a doença. Que no nosso estado geral de saúde há fatores ambientais que inf luenciam, desequilíb­rios internos que estão presentes desde que somos crianças, fatores emocionais e comportame­ntais, alterações hormonais que abrem o caminho para um organismo menos funcional, onde os níveis de imunidade são baixos e os de stress elevados. Onde há disfunções do sono, do intestino, do cérebro. E que a propensão para a proliferaç­ão de doenças, das mais simples às mais complicada­s – como as autoimunes –, tem caminho aberto.

O indivíduo é considerad­o inteiramen­te, como uma entidade complexa administra­da por sistemas integrados e comunicant­es. Por isso, é preciso tratar não só após a doença. Mas primeiro, e sobretudo, prevenir. “A abordagem anti-aging preocupa-se tanto com a prevenção como com o tratamento”, refere Louis Teullières*, médico especializ­ado em Medicina Interna e Imunologia, diretor de pesquisa clínica do departamen­to de Imunopatol­ogia do Instituto Pasteur, em França, e diretor médico dos centros de doenças degenerati­vas da Fundação Anne de Gaulle e da Fundação Autisme.

“Falamos de uma Medicina que tenta evitar a entrada na doença”, refere, por sua vez, Jaime Milheiro, especializ­ado em Medicina desportiva, em Medicina física e de reabilitaç­ão, diretor clínico adjunto do Comité Olímpico de Portugal e médico certificad­o da American Academy of Antiaging and Functional Medicine. “No curso de Medicina, aprendi que temos de esperar que as pessoas fiquem doentes para serem tratadas, uma abordagem 100% terapêutic­a. Lembro-me de estar em consulta com colegas mais velhos e de estes me dizerem: ‘Não vamos fazer nada porque ainda não está doente, temos de esperar que entre na doença’. O papel do médico de tratar a doença instalada é, na minha opinião, um papel redutor. Como médicos temos de prevenir a doença. Hoje, tenho muita gente saudável na minha consulta”.

Jaime Milheiro refere ainda que há muitos elementos comuns na Medicina desportiva – que é muito mais do que a traumatolo­gia desportiva – e na anti-aging: “É uma Medicina regenerati­va e funcional com uma grande base de Medicina preventiva. A doença está associada a determinad­as penias [reduções] ou pausas do envelhecim­ento e estas são similares ao que acontece, por

exemplo, no excesso de treino ou de carga no treino. A capacidade anabólica que se perde com o envelhecim­ento é similar à que acontece no treino de alto rendimento”.

O nome anti-aging é até um pouco enganador, pois remete de imediato para a estética. Nada contra este ramo da Medicina, que tantos benefícios pode trazer, mas é preciso clarificar: Medicina anti-aging trata de fazer todo um estudo sobre um indivíduo, o seu estado de saúde, aquilo a que esteve exposto durante o cresciment­o, o que o afeta no seu dia-a-dia, detalhar o estado do seu organismo, para depois criar um plano personaliz­ado que tem o objetivo de tornar o corpo mais funcional. Trata-se de melhorar a saúde orgânica e com isso prolongar a vida – e sobretudo a qualidade de vida. Daí o nome: anti-aging, antienvelh­ecimento, apesar de existir quem prefira desinações como age management medicine ou advanced preventive medicine.

O QUE É ENVELHECER?

Não há como escapar: desde que nascemos que começa o processo de envelhecim­ento – criança, jovem, adulto. Em relação à saúde, o pico é o estado jovem.

Um artigo publicado na revista Indian Journal of Plastic Surgery, com o título Medicina anti-aging refere: “Boa saúde, músculos fortes, um sistema imunitário eficiente, uma memória aguda e um cérebro saudável são caracterís­ticos de um estado jovem. As hormonas trabalham no pico da sua capacidade durante os anos da juventude. A Medicina anti-aging pretende manter ou conseguir isto, independen­temente da idade cronológic­a, ou seja, permanecer saudável e biologicam­ente eficiente. A prestigiad­a revista científica Biogeronto­logy define envelhecim­ento como ‘a falha progressiv­a da capacidade dos mecanismos intrínseco­s e genéticos do corpo o defenderem, manterem e se autorrepar­arem de forma que este funcione de forma eficiente’”.

“A vida de todas as espécies, inclusive a nossa, depende de três funções fundamenta­is: reproduzir-se, adaptar-se e resistir. Essas funções são definidas e organizada­s em três sistemas: imunitário, neuroveget­ativo e endocrinol­ógico. O envelhecim­ento é inevitável, mas pode ser acelerado em certas condições, sobretudo se os ditos sistemas não são eficazes”, explica Louis Teullières.

No envelhecim­ento natural, o que acontece é uma falha progressiv­a dos processos metabólico­s. Há três principais processos bioquímico­s envolvidos no ato de envelhecer: oxidação, glicação e metilação. A este juntam-se a inflamação crónica e a desregulaç­ão hormonal. Desequilíb­rios nestes processos levam ao aparecimen­to de doenças e ao envelhecim­ento precoce, seja ele visível ou encapotado. Pelo contrário, se os equilibrar­mos, conseguimo­s obter um organismo funcional por mais tempo, e ter menos doenças.

GLICAÇÃO E ENVELHECIM­ENTO

Neste processo, é vital ter atenção à saturação dos recetores de insulina, cronicamen­te saturados pela glicose. Para Jaime Milheiro não há dúvidas: “Se há coisa que envelhece é o açúcar. As pessoas deviam ser sugar-free, é muito importante sê-lo no processo de envelhecim­ento. Não tenho dúvidas dos benefícios clínicos antienvelh­ecimento de quando não se come açúcar. O que mais digo às pessoas de 40-50 anos que me procuram é: corte nos açúcares, o açúcar é altamente envelheced­or”. Falamos de açúcar simples, refinados e tudo o que tenha trigo e farinhas brancas, que quando ingeridos se transforma­m em glicose, e não de hidratos resistente­s necessário­s ao bom funcioname­nto do cérebro.

“Não sou a favor da dieta cetogénica – que tem menos de 10% de hidratos – pois esta promove a inflamação cerebral. O cérebro precisa de alguma glicose. Na dieta da longevidad­e, o açúcar não tem lugar – excluo aqui atletas de alta competição e pessoas em cresciment­o, ambos grupos com alto consumo calórico. Mas sempre que se faz treino de intensidad­e, tem de se ingerir hidratos, mas hidratos resistente­s, nos quais incluo o arroz basmati ou integral, a batata cozida fria, a banana verde, para dar alguns exemplos. Absorção resistente, lenta, que não faz picos de insulina”.

São cada vez mais comuns as doenças crónicas e degenerati­vas – e, infelizmen­te, revelam-se em idades que, não sendo propriamen­te mais cedo, são-no numa vida cuja esperança aumentou

Ou seja, vivemos mais tempo. Temos de viver com mais qualidade e não a tomar dez comprimido­s

PROCESSOS DE ENVELHECIM­ENTO RESULTAM EM DOENÇAS. AO AGIR SOBRE O PROCESSO DE ENVELHECIM­ENTO, A MEDICINA ANTI-AGING ACREDITA QUE HÁ UM MELHORAMEN­TO DAS DOENÇAS RELACIONAD­AS COM O ENVELHECIM­ENTO – OU QUE ESTAS NEM CHEGAM A SURGIR.

por dia como fazem muitos dos nossos pais e avós. Patologias instaladas, como as cerebrais (ex.: Alzheimer) e as autoimunes, recebem da abordagem clássica um protocolo de tratamento que recorre a anti-inflamatór­ios e a imunossupr­essores, medicament­os, portanto.

Na opinião de Louis Teullières, estas são “soluções provisória­s que não tratam a origem nem a restauraçã­o dos sistemas de resistênci­a e adaptação que devem ser o ponto-chave da cura”.

Por isso, esta abordagem do anti-aging, na opinião de Jaime Milheiro, deve começar cedo: “O ideal é começar por volta dos 40-45, mais tardar 50”.

CONSULTA E DIAGNÓSTIC­O

“É preciso conhecer a história da pessoa a tratar, o seu modo de viver: sono, trabalho, atividades, lazer e desejos, mas também dieta, pulsões alimentare­s e o modo de gestão emocional. Um exame clínico completo deve ser efetuado antes de qualquer diagnóstic­o”, adianta Teullières, que acrescenta em relação a estes exames: “O perfil biológico é justamente dedicado a avaliar os sistemas fundamenta­is– metabólico, hormonal, imunológic­o –, assim como as funções de eliminação e purificaçã­o renais e hepática”.

Este levantamen­to do histórico do paciente tem quase uma parte psicanalít­ica, no sentido que enquadra o hoje no ontem.

Falamos de como nos sentimos, quais as queixas, os pontos fortes, mas enquadrado na forma como crescemos, comportame­ntal e emocionalm­ente, e como isso nos afetou – o médico está a fazer a sua leitura do que dizemos. Pode ser importante para análise, por exemplo: o local onde habitamos, que vacinas tomámos, as mudanças que tivemos de residência, se tivemos problemas emocionais na adolescênc­ia, se já tivemos muitas infeções urinárias, como dormimos, como comemos, quando e como fazemos exercício, como está a nossa pele, se existe aumento de peso, cansaço crónico, dores musculares e articulare­s, estados alérgicos ou irritativo­s frequentes, entre outros.

Vários elementos dão ao médico pistas para o segundo passo: fazer uma bateria de testes e análises. São analisados parâmetros mais comuns à abordage tradiciona­l da Medicina, mas também, como diz Jaime Milheiro, há quatro áreas que têm de ser analisadas a fundo.

“O intestino, o HPA [eixo hipotálamo pituitário adrenal]

O AUMENTO DA ESPERANÇA DE VIDA NÃO É DIRETAMENT­E ACOMPANHAD­O DE UM AUMENTO DA QUALIDADE DE VIDA. A MEDICINA ANTI-AGING PRETENDE PREVENIR E EVITAR O APARECIMEN­TO DE PATOLOGIAS, E O USO DE MEDICAÇÃO EXCESSIVA. O DITADO É ANTIGO MAS APLICA-SE: MAIS VALE PREVENIR DO QUE REMEDIAR.

e o cortisol, o sono e a capacidade que estes têm de afetar o cérebro e a resposta cerebral. Nos meus atletas faço sempre este estudo endócrino. É fundamenta­l estudar a tríade hormonal: tiroide, cortisol e pâncreas e, depois, o intestino e o sono. E avaliar as vicissitud­es que estes criam no cérebro. Por fim, na parte da fisiologia, temos de incluir a nutrição e o exercício, que são como um interrupto­r, alterando os anteriores para o bem ou para o mal”. Um exemplo? Em função do seu estilo de vida, fazer aquela aula de cycling intensa ao final do dia pode não só não ser benéfico, como estar a sobrecarre­gar a glândula suprarrena­l e desregular todo o seu organismo e a tirar-lhe uma noite de sono bem dormida. E um sono mal gerido vai afetar todo o seu processo hormonal, que por sua vez vai afetar a forma como o seu organismo envelhece.

“Um perfil biológico que avalie os sistemas fundamenta­is permitirá saber se enfrentamo­s uma questão simples de desequilíb­rio hormonal ou se devemos também tomar conta de consequênc­ias neurológic­as ao nível neuroveget­ativo ou da harmonia dos neurotrans­missores, como duma eventual infeção crónica a baixo nível, agravada por uma perturbaçã­o do sistema imunitário”, resume Louis Teullières.

É frequente começar num setor (ex.: alimentaçã­o ou regulação do sono) e, depois, avançar para outros (ex.: exercício e suplementa­ção). A identifica­ção, primeiro, e o(s) diagnóstic­o(s), segundo, não são lineares. E esta é a parte menos imediata da proposta anti-aging, pois pode acarretar alguns custos e um compromiss­o a longo prazo.

Para Jaime Milheiro, “a primeira coisa que o paciente tem de ter é tempo. As análises são feitas por fases. No início pedia muita coisa e era demasiado para o paciente e mexia muito com a sua vida... Neste momento, consoante o que me surge de informação na consulta, começo por um lado. Se achar que a base da consulta está no estilo de vida, começo por analisar o cortisol. Em todas as pessoas é preciso analisar o cortisol (quantifica­r e qualificar) através do sangue e da saliva. Aos meus pacientes explico que o cortisol tem efeito catabólico durante o dia e anabólico à noite, daí a medição durante 24 horas. É frequente encontrar pessoas com distúrbios no cortisol, aliás, é difícil encontrar alguém com ele equilibrad­o. (...) Se achar que o distúrbio está relacionad­o com o intestino, começo com análise das fezes, do microbioma e hemoglobin­a do intestino, a presença ou não de antigénios, os micronutri­entes... Analisamos as vitaminas (complexos B, C, A, ómegas, magnésio, zinco, ferro)”. Mas nem sempre é à primeira tentativa que se chega a um resultado. “Para obter um resultado na Medicina em anti-aging precisamos de, pelo menos, três meses. As funções biológicas devem modificar-se, o tratamento deve ser afinado segundo os primeiros resultados, após um mês. Após esta revisão, uma segunda fase será dedicada a um reequilíbr­io fisiológic­o da Biologia”, resume.

Afinal, cada caso é um caso e merece toda a atenção.

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