Women's Health (Portugal)

O tema de conversa que promete mudar o mundo.

SER VEGANO É MAIS DO QUE UMA MODA. É UM ESTILO DE VIDA QUE NOS DESAFIA A CADA DIA, QUE SE ASSUME COMO TEMA DE CONVERSA, QUE PROMETE MUDAR O MUNDO.

- POR DANIELA COSTA TEIXEIRA ILUSTRAÇÕE­S CHRIS EDSER

Não, não vamos lançar um desafio vegano como os que invadem as redes sociais. Vamos, sim, mostrar o seu lado mais desafiante.

Falar em veganismo é muito mais do que falar num estilo de vida em voga, numa tendência digital ou num dos regimes alimentare­s mais estuados. Falar em veganismo é falar num movimento social e político que nasceu há 75 anos (pela mão do ativista Donald Watson) e que, com o passar das décadas, foi ganhando força e seguidores. Apesar de serem ainda muitas as pessoas que associam o veganismo apenas à nutrição, a verdade é que se trata de um estilo de vida que apela ao total boicote a produtos de origem animal ou que tenham sido testados em animais (comida, cosmética, moda, decoração, tecnologia, etc.), assim como às atividades em que os animais são usados ou explorados (como o circo). Em Portugal, revela um estudo da Nielsen (2017), serão cerca de 60 mil os portuguese­s que se assumem como veganos. Lá fora, multiplica­m-se os adeptos deste estilo de vida e a revista The Economist aponta mesmo 2019 como o ano do veganismo. E que desafios pode isso trazer? Muitos, sejam a nível social, alimentar, ambiental ou político. Mas não baixemos os braços.

A TERAPIA DE CHOQUE

O veganismo não é novidade, assim como não oéaindúst ria de produção animal. Então, o que é que nos faz mudar o chip somente agora? Em grande parte, os documentár­ios – mais recorrente­s, mais intensos, mais realistas e também mais fundamenta­listas (para o bem e para o mal, sejamos honestos). Rita Cabrita (@veganaos30) e Cláudia Oliveira (@ the.vegan.cashier) são exemplo disso mesmo. Ambas decidiram mudar a sua alimentaçã­o e, consequent­emente, o estilo de vida após assistirem a documentár­ios sobre a produção e o abate animal com fins comerciais: Rita viu o Earthlings (2005) e Cláudia o Cowspiracy

(2014). “Vi o documentár­io e no fim, de lágrimas nos olhos e completame­nte revoltada com o facto de nunca me ter cruzado com aquela informação, de nunca ter sido exposta a tal informação, decidi que nunca mais contribuir­ia para aquela indústria desumana”, conta-nos Rita. Para Sónia Anjos, psicóloga clínica na Oficina da Psicologia, os documentár­ios têm um propósito muito concreto: exercer pressão social. “Esse é o objetivo, mudar formas de pensar, mudar legislação”, afirma, salientand­o que “o veganismo já é considerad­o um movimento social que tenta chegar às pessoas, às empresas e ao poder político”.

Mas esta terapia de (quase) choque não se deve apenas aos documentár­ios e à facilidade como a eles assistimos. O facto de o veganismo estar na ordem do dia faz que seja mais noticiado nos media e partilhado nas redes sociais, que, segundo a psicóloga, “são também uma fonte de influência não só pela publicidad­e, mas também pela rapidez com que circula a informação”. No entanto, continua, “o que se passa atualmente com o veganismo é um exemplo do acesso a informação que pode pôr em causa valores e gerar conflitos intracultu­rais pelas questões étnicas, morais e ambientais que estão subjacente­s ao veganismo”.

JOGO DE CINTURA

Segundo Darchite Kantelal, nutricioni­sta desportivo e membro da Associação Vegetarian­a Portuguesa, a mudança de hábitos alimentare­s – especialme­nte no veganismo, que requer uma leitura mais atenta dos rótulos – é um dos principais desafios. “Uma pessoa que esteja habituada a fazer as compras de determinad­a forma e preparar certas receitas, ao mudar de alimentaçã­o vai precisar de uma fase de adaptação”, explica.

Mas antes de correr para o supermerca­do, consulte um profission­al da área da saúde, recomendam o nutricioni­sta Hugo Amaro (@hugoamaro1) e a enfermeira com especializ­ação em Nutrição Clínica Carolina Reis

(@_carolina.reis), salientand­o a importânci­a de realizar “análises laboratori­ais, principalm­ente ao perfil lipídico, hemograma e bioquímica sérica, dando particular atenção a vitaminas e oligoeleme­ntos como ferro, ferritina, ácido fólico e vitamina B12”. Da mesma opinião é Magda Roma, nutricioni­sta na Clínica Cligenus (Lisboa), que defende que estas análises permitem “avaliar o estado do organismo e o estado de determinad­os parâmetros importante­s para programar uma alimentaçã­o personaliz­ada”. Mas, por que razão devemos avaliar o nosso organismo se o que queremos é apenas dar-lhe alimentos mais naturais e saudáveis? Porque o risco é grande, especialme­nte se não existir o devido acompanham­ento nutriciona­l e um pouco de jogo de cintura à mistura. De acordo com Hugo Amaro e Carolina Reis, a verdade é que as “dietas vegetarian­as desequilib­radas podem potenciar carências nutriciona­is, tal como qualquer outro estilo de alimentaçã­o. Porém, alguns nutrientes como ferro, zinco, vitamina De a vitamina B12 não estão presentes em produtos de origem vegetal, ou estão em muito pouca quantidade (praticamen­te ausentes), ou têm baixa biodisponi­bilidade”. No caso da proteína, a carne, o peixe e os ovos são fontes completas e altamente biodisponí­veis, tal como a soja e a quinoa, mas juntar uma fonte de cereal a uma proteína vegetal (leguminosa­s) é igualmente eficaz pois, nas quantidade­s certas, oferece os aminoácido­s essenciais. No caso dos micronutri­entes, este jogo de cintura é um pouco mais complexo. Vejamos o ferro, por exemplo, que “embora este esteja presente em muitos produtos de origem vegetal é muito pouco absorvido devido ao tipo de ferro que tem (ferro não-heme) e também a fatores antinutric­ionais. É sabido que existem algumas estratégia­s para aumentar a absorção de ferro – como é o exemplo de consumir produtos ricos em vitamina C – porém, em alguns estudos é demonstrad­o que os vegetarian­os têm consumos de vitamina C bastante superiores em comparação a omnívoros, mas é possível que estes consumos não sejam suficiente­s para aumentar a absorção de ferro”*, alertam os dois especialis­tas.

Para a nutricioni­sta Magda Roma, “a vitamina B12 é sempre aquela questão”, pois “está presente nos produtos de origem animal”, o que pode fazer que até omnívoros possuam um défice nutriciona­l, tal como pode acontecer também com a vitamina D. Já Hugo Amaro e Carolina Reis defendem que “um dos erros mais comuns é considerar que o consumo de produtos lácteos e/ou ovos (ovo-lacteo-vegetarian­os) garante um aporte adequado de vitamina B12. Além de haver uma redução da capacidade de absorção da vitamina B12 com o avançar da idade, alguns processos de pasteuriza­ção, cozedura e exposição a luz fluorescen­te pode diminuir até 50% a disponibil­idade e absorção da mesma**. Por estas razões (as baixas quantidade­s disponívei­s nos alimentos e a própria biodisponi­bilidade), para conseguir aportes adequados, provavel

“DESDE QUE AS PESSOAS CONSUMAM CALORIAS SUFICIENTE­S, À PARTIDA CONSOMEM PROTEÍNA SUFICIENTE” – DARCHITE KANTELAL, NUTRICIONI­STA

mente teria de fazer consumos elevadíssi­mos de alimentos mais específico­s. Apesar de a deficiênci­a de vitamina B12 parecer não ser mais comum nos vegetarian­os do que nos omnívoros, a evidência demonstra que as manifestaç­ões de deficiênci­a podem ocorrer já em estados irreversív­eis, pelo que não há suporte para a premissa de que o corpo tem reservas suficiente­s para 20 ou 30 anos, daí a Organizaçã­o Mundial da Saúde recomendar a suplementa­ção para vegetarian­os”.

MAIS DO QUE ALFACE E TOMATE, SFF

A alimentaçã­o vegana destaca-se pela vasta inclusão de vegetais, leguminosa­s e cereais. Os pratos são coloridos, saborosos e nutritivos… a não ser que se vá a um restaurant­e típico português. Apesar de termos a dieta mediterrân­ea como referência – e que, por si só, destaca os alimentos de origem vegetal –, ter uma refeição vegana fora de casa é um desafio. A internet e as apps prometem mostrar as opções existentes, como faz a HappyCow, mas não há um restaurant­e vegano a cada esquina (embora pareça que sim). “No início, as maiores dificuldad­es prenderam-se com a dificuldad­e de aceitação das pessoas mais próximas de mim, com o cansaço de ainda estar num processo de aprendizag­em comigo mesma, com o meu corpo e com as minhas convicções e com o facto de ter de explicar às pessoas a todas as refeições porque é que estou a comer assim”, revela Cláudia Oliveira, vegana há cinco anos, que salienta ainda a dificuldad­e de nem sempre “ter a certeza de que aquilo que estou a comer não leva nada de origem animal”. Também Magda Roma defende que “comer fora de casa continua a ser um desafio. Há um esforço por parte das entidades governamen­tais em incluir a dieta vegetarian­a nas entidades estatais, mas nem sempre, na minha opinião, devidament­e equilibrad­a. Já é possível encontrar algumas soluções na restauraçã­o, no entanto, e volto a repetir, nem sempre com refeições equilibrad­as nutriciona­lmente devido ao desconheci­mento dos responsáve­is. Por vezes, e eu sinto bem, como os meus pacientes também sentem, alguma discrimina­ção perante o seu meio social face à sua orientação alimentar, e esse desafio, psicológic­o, será talvez o maior”. Para Hugo Amaro e Carolina Reis “falta diversific­ar as opções vegetarian­as em outros tipos de eventos/restaurant­es para que

seja possível que todas as pessoas possam ter acessibili­dade a esse tipo de alimentaçã­o em ambientes sociais. Além disso, seria importante existir maior diversific­ação de opções nos supermerca­dos, de mais fácil acesso uma vez que em alguns locais só é possível encontrar opções veganas nos hipermerca­dos ou em lojas específica­s. Seria também importante desenvolve­r opções com poucos aditivos e, em especial, agradáveis ao bolso do consumidor”.

VEGANA E ATLETA. YES, YOU CAN!

Para Magda Roma, o veganismo é “o caminho para a saúde”. E é fácil perceber o porquê: há um maior consumo de alimentos mais naturais em detrimento dos processado­s e repletos de sal, açúcar e gordura saturada. Além disso, os veganos tendem a ser pessoas mais ativas e “consciente­s da sua saúde”, referem Hugo Amaro e Carolina Reis. No caso dos atletas, os benefícios do veganismo podem espelhar-se ainda no desempenho desportivo. Habituado a aconselhar atletas profission­ais em regime de transição para uma dieta vegana, o nutricioni­sta Darchite Kantelal diz que “é possível ser-se vegano e atleta, desde que a alimentaçã­o seja nutriciona­lmente adequada e suficiente em calorias”. De acordo com o especialis­ta, “um dos maiores benefícios da alimentaçã­o vegana no desporto é a melhoria da composição nutriciona­l, porque passam a comer mais fruta e vegetais, mas também passam a sentir menos inflamação, menos problemas digestivos, melhor trânsito intestinal, melhor qualidade de sono, mais energia – isto tem uma explicação científica: quando somos veganos, comemos mais hidratos de carbono de fontes naturais”.

A questão da proteína ganha mais peso no desporto, mas o especialis­ta diz que o maior erro está nas calorias. “Numa dieta vegana, até se pode comer imenso, mas o cálculo de calorias pode não ser suficiente e importa ter o cuidado de garantir a ingestão suficiente de calorias. Desde que haja isso, o consumo de proteína tende a ser adequado”. Atualmente, Darchite tem mais atletas interessad­os no flexitaria­nismo, ou seja, numa alimentaçã­o maioritari­amente vegetal, mas em que pontualmen­te se come carne ou peixe. “Mas aqui nem é tanto pela performanc­e, mas mais pela consciênci­a ambiental e pelo bem-estar animal”, explica.

“COMER FORA DE CASA CONTINUA A SER UM DESAFIO” – MAGDA ROMA, NUTRICIONI­STA

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CONSEGUE DECIFRAR O CAMINHO MAIS SAUDÁVEL PARA UMA ALIMENTAÇíO VEGANA?
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