Entre (mesmo) em modo descanso
Manter o seu eu profissional alerta não lhe traz benefícios a nível pessoal nem tampouco profissional. Repense connosco o termo ‘desligar’.
IImagine o cenário: esteve duas semanas de férias e acabou de regressar ao escritório. O dia começa com uma reunião de equipa e alguém pergunta-lhe sobre determinado tema de que não está a par porque acabou de regressar ao trabalho. “Não sei, estive de férias” é um argumento válido ou passa uma imagem de despreocupação e desleixo? As opiniões dividem-se. Em Portugal, assim como noutros países, ainda é comum a ideia de que trabalhar sem limite de horário é sinal de lealdade, assim como o é manter-se constantemente disponível para o trabalho, mesmo que esteja de férias. Mas as consequências que deste hábito resultam provam que pôr sempre o trabalho em primeiro plano, priorizando-o à sua família e a momentos pessoais, interferem em muito com a sua vida, bem como com o próprio trabalho, para o qual irá perder o interesse e vontade. Ainda que a média de horas que um português trabalhe por conta de outrem ultrapasse as 35 horas semanais (mais cinco do que a média europeia), Jaime Ferreira da Silva, psicólogo no centro Psicodinâmica, em Lisboa, alerta que “a partir de um certo número de horas a produtividade decresce e pode tornar-se negativa”. Então, porque insistimos em pôr a vida profissional à frente de tudo o resto?
Alerta contínuo
“Durante uns anos considerava que trabalhar um bocadinho nas férias não me faria mal, não tinha consciência de que tal condicionava a minha capacidade de desligar, de esquecer temporariamente as minhas responsabilidades e de me focar em mim e na minha família”, conta Ana Silvestre, psicóloga em clínica privada em Lisboa. A especialista, que é também coach de liderança, acabou no entanto por perceber que “não teria de ser assim”. A necessidade de descansar e redirecionar a energia falou mais alto e fê-la mudar de atitude. “Se não descansarmos, habituamos o corpo a estar continuamente em tensão e alerta”.
Sem descanso nem (bom) trabalho
Não são raros os casos em que alguém regressa de férias mais cansado do que quando saiu. Isso acontece porque não conseguiu sentir aquilo que ambicionou para durante as férias, as quais ansiou durante vários meses. Tal leva à ideia de que não é só quando faz horas extra que mais se vê a vida pessoal afetada. Estes minutos que perde todas as manhãs (nas férias) a ver o e-mail de trabalho não são inocentes para o ambiente que se espera viver nos tempos livres. Apenas se apercebe disso quando as férias terminam, mas antes já a sua família e amigos sentiram a sua falta.
Precisamos de férias
Ao estar constantemente alerta para o trabalho, perdemos significativamente a capacidade de raciocínio lógico e de resposta perante as exigências do dia-a-dia. Como aponta Ana Silvestre, “o nosso corpo precisa de períodos regulares de relaxamento e as férias assumem um papel essencial no nosso bem-estar”. Aceitar este direito é essencial para a promoção de um estilo de vida saudável. Assim, “a economia progride pelos ganhos de produtividade e redução dos encargos com a doença, criando uma situação de ganha-ganha para todos os intervenientes”, conclui Jaime Ferreira da Silva.
Dê o primeiro passo
As empresas têm um relevante papel na questão dos limites entre a vida laboral e a vida pessoal de cada trabalhador. No entanto, “cada um deve ser responsável pela sua saúde geral nas componentes física e psicológica”, refere Jaime Ferreira da Silva, que é também especialista em coaching e psicoterapia. “Vivemos numa época em que espaço, tempo e silêncio se tornaram luxos aparentemente não acessíveis a todos”, acrescenta. Cabe a cada um de nós contrariar esta noção ao apostar na prática frequente de exercício físico, bem como na meditação.
Dizer ‘não’ não é egoísmo
Desligar a 100% não é egoísmo, é apostar em si mesma com vista a uma maior produtividade e desempenho laboral. Comece por definir de forma clara os seus limites – a si e aos outros. Desligue os alertas do telemóvel, deixe em casa as leituras relacionadas com o trabalho e planeie as próximas férias com a mesma dedicação com que prepara as suas reuniões: contacte com a natureza, aposte no exercício físico e desafie-se a novas experiências. Em suma, faça valer as suas férias e verá que regressa ao escritório completamente renovada.