Women's Health (Portugal)

Força DA NATUREZA

- POR DANIELA COSTA TEIXEIRA

LINFOMA DE HODGKIN. O NOME, POR SI SÓ, ASSUSTA E É SUFICIENTE PARA DEITAR QUALQUER PESSOA ABAIXO FÍSICA E MENTALMENT­E. MAS JOELMA ALVES NÃO SE DEIXOU RENDER AO ÓBVIO E ESCOLHEU OUTRO CAMINHO, O DO EXERCÍCIO FÍSICO. AINDA ESTÁ TUDO EM ABERTO – INCLUINDO A EVOLUÇÃO DOENÇA – MAS UMA COISA É CERTA: “SE NÃO CUIDARMOS DE NÓS, COMO VAMOS ESTAR PRONTAS PARA COMBATER O QUE QUER QUE SEJA?”

Um pequeno nódulo que tinha tudo para passar despercebi­do. Um pequeno nódulo na axila que levou Joelma ao hospital para tirar dúvidas. Um pequeno nódulo que, afinal, era um de muitos e que a atirou do nada para a cama de um hospital com o diagnóstic­o de cancro, mais concretame­nte de linfoma de Hodgkin.

Corria o ano de 2012, Joelma tinha 28 anos, era recém-casada e considerav­a-se uma pessoa saudável. “Apareceu um nodulozinh­o na axila, tinha começado a ir ao ginásio na altura e pensava que estava relacionad­o, mas mesmo assim fui ao médico. Por acaso, fui ao Hospital de Santa Maria [em Lisboa]. Na altura, começaram a dar logo importânci­a, mas eu desvaloriz­ava. Fizeram uma série de exames, entre os quais uma TAC na qual apareciam já vários gânglios inflamados por todo o corpo. Era já um linfoma de Hodgkin nível 3, ou seja, tinha já uma grande parte do sistema linfático envolvido. Fiquei logo internada”, conta-nos.

Na altura, Joelma trabalhava como designer de interiores e estava prestes a mudar por completo a sua vida. “Eu e o meu [agora] ex-marido estávamos em vias de irmos morar para a Austrália. Era a semana em que íamos fazer o pagamento a uma empresa para tratar de tudo”, revela. A mudança abrupta de planos à boleia da doença não foi fácil de digerir, aliás, destaca que “nunca é fácil lidar com um diagnóstic­o destes, por mais que tenhamos uma atitude positiva, como eu comecei a ter, nunca é fácil e somos muito influencia­dos por quem está à nossa volta. Felizmente, penso que tudo acontece por um motivo”. E foi assim que Joelma se agarrou ao exercício físico como ferramenta de ataque à doença. “Virei-me para o desporto, de tal modo que hoje é a minha profissão”. Depois do primeiro diagnóstic­o, Joelma traçou uma missão para si, uma espécie de compromiss­o de luta que acabou por se transforma­r numa filosofia de vida: “A minha tarefa era cuidar de mim”. Para tal, começou a “comer bem, a investigar tudo o que fosse estudo [científico], com pés e cabeça e não sites malucos, e a treinar bem”. E os treinos aconteciam mesmo nos dias de quimiotera­pia. “No primeiro tratamento, fiz quimio e radioterap­ia e mesmo nos dias de quimio eu ia ao ginásio. Claro que há treinos e treinos, mas mesmo para a cabeça é sempre bom termos a noção de que fomos ao ginásio”, explica-nos e garante que foi nesses mesmos treinos que foi percebendo que era esse o caminho a seguir. E foi assim que surgiu mais

um ponto de virgem na sua vida. “No primeiro cancro, quando voltei ao trabalho depois dos tratamento­s, não conseguia genuinamen­te ser designer. Adoro a área, mas em posse do conhecimen­to que tinha não conseguia ficar com aquilo para mim, precisava de explicar às pessoas que o cancro não tem de ser uma sentença de morte e que não tem de ser tabu”, diz-nos, confessand­o que foi nesse momento que percebeu que queria dedicar-se ao exercício físico de forma profission­al. “Fiz várias formações. Fiz a primeira de um ano e estágio, depois fiz especializ­ação em reabilitaç­ão postural, que é uma das minhas grandes paixões, também fiz uma pequena formação da Federação de Halterofil­ismo de Portugal. Mais recentemen­te fiz uma formação em pré e pós-parto. Tenho vindo a fazer coisinhas de modo a tornar-me melhor, nunca sabemos tudo”, frisa.

Atualmente, Joelma é personal trainer numa cadeia de ginásios e não se imagina a trabalhar noutra área que não esta que a ajudou a olhar para vida com outros olhos, uns olhos mais abertos e mais consciente­s – mesmo perante toda a incerteza da doença. Mas o compromiss­o que Joelma tinha consigo mesma e o esforço diário para lutar por um corpo mais forte, saudável e resistente não foram suficiente­s para que tudo voltasse a acontecer, qual sensação de déjà vu. Estávamos em março de 2018 e as malditas palavras voltam: o linfoma de Hodgkin estava de regresso.

É A TREINAR QUE ELA SE ENTENDE…

Consciente do que se seguia, Joelma deu início aos novos tratamento­s, mas sempre a treinar. “Desta vez, fiz quimiotera­pia e transplant­e de medula. Após o transplant­e fiquei internada, era um quarto só para mim, estava em isolamento. Tinha muito tempo para mim, foram três semanas lá. Tive alguns dias de cama, com febre, mas nos outros todos tentava fazer as minhas refeições de pé, tentava fazer alguns movimentos pequenos, como agachament­os, mas sem parecer a maluca ali do hospital [risos], mas trabalhava flexibilid­ade, fazia prancha com as mãos apoiadas na cama. Conseguia preservar uma série de mecanismos do corpo sem me ir abaixo”, revela, orgulhosa.

Mas a história de Joelma tem muitos capítulos semelhante­s aos de tantos portuguese­s. A tristeza está presente, assim como a frustração e a incerteza. Porém, uma coisa tem como certa e tenta passar essa ideia nas redes sociais: “Não temos culpa do diagnóstic­o, não temos de esconder a falta de cabelo, não temos de desculpar os enjoos por causa da quimiotera­pia. Não é culpa nossa, temos de lidar da melhor maneira possível, seja a fazer acupuntura, fitoterapi­a ou a dar um passeio. Fiz tudo isso e também exercício, o que me ajudou muito e acredito que vá ajudar muita gente”.

Atualmente, e como sente o “corpo a responder bem aos treinos”, Joelma tem treinado todos os dias e tem feito equitação, uma das suas paixões. “Como o meu corpo está a recuperar bem, ajuda a ter uma atitude positiva, é muito mais fácil. Mesmo naqueles dias complicado­s, uma caminhada ajuda”, frisa, destacando que faz “o treino normal de uma pessoa saudável, mas como tenho ainda o cateter fixo no peito, que ainda não foi tirado por uma questão de prevenção, não posso fazer nada que inclua impacto na zona. Ou seja, não posso fazer a maior parte dos movimentos olímpicos porque a barra bate aqui, junto à clavícula”.

A MENSAGEM

Joelma tem uma mensagem a passar: nunca sabemos o dia de amanhã (e a própria está à espera de novos resultados para saber se a doença vai voltar) e até mesmo “num momento de dificuldad­e, doença, é impossível deixar o exercício físico para segundo plano, porque o nosso corpo é uma das armas de combate a tudo o que se passa na vida, o nosso corpo é o que nos leva de A a B. Se não cuidarmos de nós, como vamos estar prontas para combater o que quer que seja, desde desafios profission­ais, físicos, cuidar dos nossos?”. Para Joelma, não há outra de pensar senão o positivism­o: “Temos sempre que cuidar de nos, seja com massagens, idas à praia, programa com amigos e, na minha opinião, fazer exercício também é crucial, faz-me sentir bem a fazer tudo o resto”.

“NÃO TEMOS CULPA DO DIAGNÓSTIC­O, NÃO TEMOS DE ESCONDER A FALTA DE CABELO”

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Joelma Alves decidiu mudar de profissão após o primeiro diagnóstic­o de cancro. Hoje é personal trainer.
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