BEM-VINDA À ESCOLA DAS CALORIAS
Durante décadas, aprendemos que a perda de calorias é igual à perda de peso. Mas as mais recentes descobertas científicas sugerem que estivemos, até agora, a errar nos cálculos. Está na hora de voltar à escola para fazer umas contas.
UMA (MUITO) BREVE HISTÓRIA SOBRE AS CALORIAS
As calorias tâm sido usadas como ferramenta para dietas desde 1910. Simplificando o termo, uma caloria é uma unidade de energia, originalmente definida como a quantidade de energia necessária para elevar em 1° C a temperatura de 1 ml de água. Era, então, desta forma que se media o valor calórico da comida. Atualmente, o cenário mudou e o conteúdo calórico de um alimento é calculado pelo que os especialistas chamam de sistema Atwater, ou 4-9-4. Falamos de um sistema que determina que proteínas e hidratos de carbono contêm quatro calorias por grama. Já um grama de gordura conta com nove calorias, diz o sistema Atwater. Se quisesse trabalhar a nível do equilíbrio dos macronutrientes, provavelmente iria recorrer a este cálculo calórico. Mas, recentemente, esta fórmula começou a ser questionada. Vários críticos alegam que nem toda a energia dos alimentos é completamente digerida ou absorvida e que o sistema Atwater falha ao não considerar que a absorção varia de acordo com o tipo de alimento ou do indivíduo que o ingere. Por outras palavras, é difícil traduzir com precisão o número de calorias de um alimento através do seu rótulo, caso se procure uma compreensão clara a nível da energia que as calorias de cada alimento fornecerão.
A FALSA ECONOMIA DOS PRODUTOS LIGHT
O interesse por alimentos mais saudáveis tem sido crescente um pouco por todo o mundo e tem levado a indústria alimentar a apostar fortemente nos snacks (teoricamente) light, comummente vendidos como baixos em calorias e gordura ou magros. Mas será que as trocas de ingredientes que tornam um produto na sua versão mais light são inteligentes? Nem sempre. Aliás, em muitos casos, pagamos mais por snacks mais pequenos do que pelos tradicionais. Por esta lógica, poderíamos rotular um pacote de batatas fritas como ‘junk food’ e um punhado das mesmas batatas de… comida dietética. Um estudo publicado na revista The American Journal Of Clinical Nutrition concluiu que fazer um lanche leve à base de hidratados de carbono - para aqueles momentos em que não estamos com fome, mas apenas com vontade de comer -, como um punhado de pipocas, não reduz de forma alguma a ingestão de calorias na refeição seguinte. Em alternativa, seria mais proveitoso optar por um lanche um pouco mais calórico mas que realmente sacie o seu apetite.
PODEMOS CONFIAR NA TABELA NUTRICIONAL DOS RESTAURANTES?
Se quiser saber quantas calorias há numa sandes de queijo comprada num espaço de comida num centro comercial, pode, à partida, encontrar tais informações no site da empresa. Em alternativa, uma rápida pesquisa no Google dá-lhe uma ideia generalizada sobre tais valores. A ‘especificidade’ desta informação é reconfortante. Mas quão precisos serão tais números? Afinal, dificilmente saberá o método de confeção em concreto ou a precisão da quantidade de cada ingrediente usado naquela sandes ou qualquer outro prato. Ora, várias são as pesquisas que sugerem que muitas cadeias alimentares são insuficientes no que toca à correta apresentação dos valores calóricos dos seus pratos. Numa análise feita a 269 refeições, publicada na American Medical
Association, uma em cada cinco refeições tinha pelo menos 100 calorias a mais do que o declarado no menu. Já pratos mais leves, como sopas e saladas, apontavam uma maior probabilidade de serem subnotificados. Por último, os lanches à base de massa tendiam a ser mais homogéneos entre si, com variações próximas de 4%, segundo o estudo também publicado na revista Obesity.
LIÇÃO APRENDIDA: Ao comer fora, seja em cafés ou restaurantes, está basicamente a confiar o seu consumo de macronutrientes aos ocupados funcionários da cozinha em questão. Considere os rótulos apenas como uma estimativa aproximada e aprenda a julgar a olho nu as porções de cada macronuteiente presente no prato.
O MICRO-ONDAS ALTERA O NÍVEL DE CALORIAS DOS ALIMENTOS?
Esqueça as frigideiras cheias de óleo ou o grande pedaço de manteiga que coloca para fazer uma omelete. Sim, estas gorduras irão certamente aumentar o número de calorias que vai ingerir, mas foquemo-nos apenas no processo de cozedura do alimento. São várias as evidências científicas que sugerem que alimentos crus são mais difíceis de ser absorvidos pelo corpo do que os cozinhados – quer sejam assados, cozidos ou cozinhados a vapor. “O método convencional de cálculo do valor calórico falha ao não avaliar a digestibilidade dos alimentos”, diz o antropólogo Richard Wrangham, professor na Universidade de Harvard. “No caso de alimentos ricos em amido [como a massa, por exemplo], o aumento nas calorias fornecidas aquando da cozedura é de pelo menos 30%, e poderia ser muito maior”. Se a abordagem do Professor Wrangham estiver correta, a ingestão média diária de hidratos de carbono poderia facilmente diminuir em mais de 700 calorias caso optássemos pela versão crua. Mas a questão não se aplica apenas aos hidratos. “Alimentos com formas fisicamente“resistentes ”de proteína [como um bife mal passado] também fornecem menos calorias “, aponta o professor.
LIÇÃO APRENDIDA: Ainda que as pesquisas sugiram que cozinhar demais pode levar a uma maior absorção de calorias, na prática não é assim tão simples quanto cru = bom e cozido = mau. Micronutrientes como o antioxidante licopeno tornam-se mais biodisponíveis quando se cozinham os tomates.
TODAS AS CALORIAS TÊM O MESMO VALOR?
Uma das maiores falhas a nível do sistema de contagem de calorias para perda de gordura é que se assume que todos os alimentos têm um igual valor calórico. Uma fatia de pão branco não é o mesmo do que uma fatia de pão de alfarroba. O bom senso diz-nos isso mesmo. E a ciência também. Até 30% das calorias derivadas da proteína são queimadas durante a digestão, em comparação com apenas 5% a 10% dos hidratos de carbono. Um estudo da Food & Nutrition contou com uma amostra dividida em dois grupos a quem foi entregue uma sandes com o mesmo número de calorias - uma era mais rica em fibras e proteínas e feita com alimentos inteiros, e a outra era mais rica em hidratos de carbono e alimentos altamente processados. O primeiro grupo exigia 47% mais energia para digerir. No entanto, se analisasse o número de calorias das duas sandes nos respetivos rótulos, veria que seriam idênticas. E a proteína não é o único macronutriente a complicar estas contas. Segundo uma revisão feita no The BMJ, dietas com baixo teor em gordura podem levar a “maior eficiência de absorção de calorias”, o que significa que as mantém por mais tempo.
LIÇÃO APRENDIDA: Estas diretrizes irão ajudar a que ingira o necessário: espalhe a ingestão de proteínas ao longo do dia. Calcule segundo a proporção de 0,75 g de proteína por quilo de peso corporal por dia. No caso de hidratos de carbono, ingira 10 g de fibra e não mais do que 10 g de açúcar por refeição, de forma a melhorar a digestão.
PROCESSAMOS TODOS A COMIDA DA MESMA MANEIRA?
Quer esteja a controlar as calorias, os hidratos de carbono ou a proteína que ingere, importa lembrar que a nutrição não começa nem termina no momento em que leva o garfo à boca. A forma como o próprio intestino reage às calorias tem um papel fundamental em todo o processo e varia caso aquilo que comeu seja usado como energia ou armazenado em forma de gordura. Além disso, vários estudos comprovam que a forma como extraímos calorias de determinados alimentos pode ser influenciada por certas bactérias. Ou seja, as bactérias intestinais podem mudar, criando subtis alterações no metabolismo. Tal significa que se está a atingir as suas metas calóricas, mas os resultados teimam em não surgir, possivelmente há outros fatores em jogo. Especialistas apontam que uma boa dieta a longo prazo e uma completa rotina de treino podem afetar a função metabólica por meio da tiroide. Por outro lado, o stress e a má recuperação podem reduzir os níveis de mitocôndrias produtoras de energia, levando a que mais energia seja armazenada e menos seja beneficamente usada.
LIÇÃO APRENDIDA: Os prebióticos - presentes na aveia, chicória, espargos, alho, cebola, entre outros - podem ajudar a uma maior queima de calorias. Um estudo americano descobriu que os suplementos prebióticos reduzem a gordura corporal em crianças com excesso de peso. Em suma, as calorias contam, mas não para tudo.