UMA SEMANA SEM…
Glúten! A nossa jornalista conta tudo na primeira pessoa.
FIZ UMA SEMANA DE ALIMENTAÇÃO ISENTA DE GLÚTEN E CONTO A MINHA EXPERIÊNCIA E TUDO O QUE APRENDI NESTAS PÁGINAS. MAS ANTES DISSO, É MUITO IMPORTANTE ESCLARECER UM ASPETO SOBRE ESTE TEMA: CORTAR NO GLÚTEN NUNCA DEVE SER O CAMINHO PARA UMA ALIMENTAÇÃO MAIS SAUDÁVEL.
Comecemos pelos necessários esclarecimentos. Se alguém é intolerante ao glúten, é alérgico ao trigo ou sofre de sensibilidade ao glúten não celíaca, então sim, poderá ter de excluir este composto de proteína da sua alimentação (mas por favor não se auto-diagnostique!). Se, por outro lado, pretende seguir uma ‘dieta da moda’ e acha que o glúten pode ser o responsável por inchaço ou quilos a mais, então volte atrás e procure um nutricionista: aposto que a solução que o profissional lhe vai apresentar nunca será cortar no glúten… pelo menos antes de lhe pedir certas análises.
“A retirada do glúten é uma moda que apareceu sem nenhuma razão científica e que muitas vezes camufla coisas sérias”, começa por apontar Filipa Teixeira, nutricionista na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, assim que lhe falei deste desafio a que me propus. Dito isto, porque decidi passar uma semana longe deste composto? Essencialmente para conhecer melhor o mesmo. Para aprender a estar atenta aos rótulos e perceber se, hoje em dia, as opções oferecidas aos celíacos são vastas ou limitadas. A par disso, admito, creio que não digiro bem certos alimentos (e ainda não percebi quais) e achei que uma semana sem glúten me poderia ajudar a confirmar se esta sensação de inchaço e mau estar estaria associada ao composto de que aqui se fala.
“No caso de existir desconforto gastrointestinal que suscite dúvidas, o mais indicado é, em primeiro lugar, procurar um gastroenterologista para que se possa encontrar um diagnóstico e nunca retirar o glúten, ou qualquer outro nutriente, antes da consulta, uma vez que dessa forma se pode estar a camuflar o problema e dificultar o diagnóstico”, esclarece Filipa Teixeira. Por outras palavras, deixa-te de ideias, Mariana, e esquece este auto diagnóstico camuflado. Não é demais salientar novamente esta ideia. É que, como diz a nutricionista com quem falei, “existem outras manifestações que em nada estão relacionadas com o consumo deste conjunto de proteínas mas que provocam sintomas semelhantes e que muitas vezes são confundidos, como é o caso da Síndrome do Intestino Irritável”.
Esclarecido este ponto introdutório, era hora de esclarecer o que é o glúten, onde o encontramos e o que procurar num qualquer rótulo para saber se posso ingerir um produto ou não. “O glúten é um composto de proteínas (prolaminas e gluteínas) e está presente em cereais como trigo, cevada e centeio, podendo estar presente em algum tipo de aveia mas apenas por contaminação por outros cereais durante as fases de produção. Assim, para uma dieta isenta de glúten é importante evitar os três primeiros cereais e certificar que a aveia consumida é isenta de glúten (Esta referência deve vir no rótulo do produto)”, explica a nutricionista da Santa Casa da Misericórdia que resume que, para o excluir, só teríamos de substituir os cereais e derivados. Simples. Em vez de cereais de trigo, preferir os de arroz. Como alternativa a massas de trigo – as mais comuns – procurar as opções sem glúten ou optar por arroz e batata. “O trigo sarraceno, bulgur, milho, milet, sorgo, tapioca ou quinoa são outeas opções”, enumera. Não vai ser difícil!, pensei. E como já tenho o hábito de planear ao domingo as refeições para a semana toda, preparar a lista das compras com base nas indicações da nutricionista foi menos complicado do que estava à espera. Tapioca para o pequeno-almoço, arroz ou quinoa para acompanhamento (quando
não era apenas legumes), batata para uma das refeições da semana e vamos lá. No supermercado, não tive de me cingir às prateleiras de produtos específicos a celíacos. Com a lista de refeições para a semana previamente planeada, com pesquisa prévia de receitas sem glúten inclusive, pude optar por vários produtos a que já estava habituada no meu dia-a-dia. Fui na mesma à prateleira dos produtos ‘saudáveis’ - como são habitualmente descritos – e de lá trouxe apenas o esparguete de milho: 500 g por 1,59€. Não são os 45 cêntimos que se paga pela mesma quantidade de esparguete comum, mas já contava com este contraste. Não encontrei nenhuma farinha que pudesse usar (queria experimentar panquecas sem glúten), além da farinha de milho, o que me levou a descobrir a bruaca, receita brasileira de panqueca doce, que é glúten free.
HORA DE COZINHAR
Já na cozinha, o esparguete de milho precisava de mais água na cozedura (creio que devido à quantidade de amido) e muito menos sal (achei o sabor menos neutro do que as massas convencionais). No blog ‘gluten free’, de Sofia Paixão, encontrei uma receita de almôndegas de carne que não levam farinha nem pão – o feijão manteiga foi o responsável por ligar os ingredientes. A receita não era complicada nem demasiado demorada (tudo o que não queremos numa receita), mas as peças de carne desfaziam-se: a tarefa não foi concluída com sucesso, por isso lá terei de ir a uma segunda tentativa. Nada de novo. Comigo no papel de cozinheira, quase nenhum prato sai bem à primeira, nem sequer uma simples tapioca, que foi o meu pequeno-almoço durante toda a semana. Daí o meu orgulho na foto da tapioca que apresento nesta página. É claro que, como qualquer pequeno-almoço, iria me fartar se optasse por este prato todas as manhãs. Há que variar, fosse com pão sem glúten, papas de aveia ou outra opção do género. Além disso, um pacote de tapioca desidratada custa mais de 3,5€, e serve apenas cerca de 6 doses. Para o bolso de muitos – meu inclusive – não é uma opção para mais que um pacote por mês.
Para o fim de semana, arrisquei-me nas panquecas de farinha milho. Ficaram bonitas e fofas, mas achei-as um pouco mais secas e pesadas do que as comuns. Como panquecas é algo que faço apenas muito esporadicamente, não me vejo a optar por esta receita como pequeno-almoço ou lanche durante a semana. Mas valeu pela experiência. Idealmente, teria ido a um restaurante para fazer desta uma experiencia mais completa. Mas estamos a passar por uma pandemia: resguardar-nos ao máximo é a prioridade, por isso, adaptei este desafio à atual realidade e fui perceber se nas apps de entrega de comida se poderia mandar vir um jantar glúten-free. Confirma-se: bastou escrever ‘glúten-free’ no campo de pesquisa para que a app selecionasse os restaurantes mais próximos que garantem pratos sem glúten. Este é, de facto, um dos pontos que descrevem os restaurantes a par de ‘comida saudável’, ‘vegan’, ‘vegetariana’, entre outros. É bom perceber que os negócios de restauração têm em consideração que os seus clientes são cada vez mais distintos e específicos nos seus pedidos (e que em Alvalade, perto de casa, há pelo menos 15 restaurantes com opções sem glúten, sejam pizarias, pastelarias, mexicano ou italianos).
AS LIÇÕES
A ‘semana sem glúten’ terminou ontem e devo dizer que não correu mal. Consegui, por sete dias, encontrar facilmente alternativas permitidas ao meu regime alimentar, não me senti muito limitada e não tive de inventar demasiado na procura por pratos alternativos aos que habitualmente como. Não senti fome, demasiado cheia nem com digestão dificultada. Missão cumprida. Se algum celíaco estiver a ler isto poderá – com razão – dizer ‘experimenta cortar no glúten quando vais jantar a casa de amigos ou na noite de Natal’. Não tenho dúvidas de que aí as restrições se sentem mais. Uma semana é fácil, levar este regime alimentar para toda a vida, é outra conversa. . Tal como os vegans, intolerantes a lactose ou qualquer outra restrição alimentar, as opções serão sempre menos. Valha-nos as partilhas de receitas e dicas para quem e quer encontrar as melhores opções para o seu dia-a-dia.
O trigo sarraceno, o bulgur, o milho, o milet, o sorgo, a tapioca ou a quinoa são opções sem glúten sugeridas pela nutricionista, enumera.