A LINGUAGEM DO amor-próprio
Os movimentos de confiança corporal têm tomado de assalto as redes sociais e fazem-nos pensar no nosso corpo para lá da opinião dos outros. Este é o glossário que vai ajudá-la na sua relação com o seu corpo.
FUNCIONALIDADE CORPORAL
Olhamos para o corpo como um cartão-de-visita, como se a sua aparência fosse o único aspeto a considerar nesta unidade orgânica que nos dá vida. Mas temos de o encarar tal como ele é: a máquina mais perfeita e singular que temos e que nos permite experienciar, sentir, viver. Funcionalidade corporal é o termo usado para alertar para a importância de não olhar para o corpo pelo seu lado estético. Um estudo de 2013 da Universidade de Maastricht, na Holanda, analisou 118 mulheres entre os 30 e os 50 anos e concluiu que aquelas que davam mais valor à funcionalidade do corpo, ao invés da aparência que este tem, apresentavam um maior índice de satisfação. No entanto, outros “estudo indicam que as mulheres têm uma maior tendência a valorizar o seu corpo pela sua componente estética e não pela sua componente funcional desde a infância, afetando a sua autoestima”, diz a psicóloga Catarina Ribeiro.
AUTOCRÍTICA Dizemos vezes sem conta que ninguém é perfeito e que é na imperfeição que está a beleza, mas verbalizamos estas ideias sem nos apercebemos que a nossa mente pensa exatamente o contrário… sobre nós.
E é aqui que nasce a autocrítica, qual “vozinha que temos na consciência que nos diz que estamos mal, que não temos valor, etc., porque nos compara com os ideais ou valores que interiorizamos, como ser magro e bonito”, explica o psicólogo Fernando Magalhães, que dá consultas no Porto. “Muitas vezes temos a tendência de sermos mais críticos com a nossa imagem corporal do que seríamos com outra pessoa”, diz-nos a psicóloga Catarina Ribeiro, que destaca ainda que “a investigação nesta área tem mostrado que as mulheres tendem a percecionar o seu corpo como mais volumoso, comparativamente ao seu tamanho real”. A autocrítica pode ser desconstruída “com a correção dos erros de pensamento que ela faz: o valor pessoal é único e imutável, já existe porque somos humanos, é algo que não sobe ou desce em função da aparência”, diz Fernando Magalhães, explicando que “a mente prega uma partida. Não devemos levar a sério a vergonha sobre o corpo: resulta de uma avaliação , de não cumprirmos um suposto ideal de beleza. Mas a nossa identidade tem muito mais que o físico, temos os nossos interesses, passatempos, o nosso trabalho”.
NEUTRALIDADE CORPORAL
“Este movimento aproxima-se mais de uma abordagem holística de compreender e sentir os nossos corpos. Dá-nos espaço para aceitar que o corpo é a nossa casa, não servindo apenas para, mas integrando a componente estética entre outras. Desta forma poderá retirar alguma da pressão que muitas pessoas sentem para atingir um corpo perfeito”, revela a psicóloga Catarina Ribeiro, que dá consultas em Lisboa. Para o psicólogo Fernando Magalhães, “é um conceito que se aproxima da atenção plena e mindfulness, que procura observar sem julgamento, sem comparações e ver apenas um corpo, que não é essencial. É uma forma de se ultrapassar as pressões e exigências culturais que pretendem definir como deve ser o corpo e que associam o valor humano à ‘qualidade’ desse corpo”. Ainda de acordo com o especialista, o conceito de neutralidade corporal resulta numa “atitude de ‘o meu valor já existe , qualquer que seja o corpo, sou muito mais do que ele, sou as minhas realizações’”, algo que, defende, “ultrapassa a luta para se gostar ou amar o corpo, o que funciona menos vezes: a positividade muitas vezes é forçada e as pessoas não acreditam porque são muitas vezes bombardeadas com ideais que não cumprem ou porque já internalizaram há muito ideais absurdos e irrealistas de beleza. Quanto mais luta, reprime ou nega os pensamentos negativos, mais força e poder eles ganham”.
GORDOFOBIA
A linha entre a ‘normalização’ de corpos gordos e o incentivo à obesidade parece ser ténue e perigosa (e vamos mostrá-lo no artigo seguinte), tal como é a normalização de corpos abaixo de peso - como aqueles que constantemente vemos em passarelas ou anúncios publicitários -, que facilmente servem de gatilho para distúrbios alimentares. Apesar de vivermos numa era de aceitação corporal, a gordofobia existe. “Dado que
ESTES CONCEITOS AJUDAM A VER O CORPO ALÉM DA ESTÉTICA.
o excesso de peso e obesidade são uma realidade da nossa sociedade e que nos últimos anos foi-se desenvolvendo um grande estigma em relação a essas pessoas”, afirma Maria Alexandra Cruz, Nutricionista Coordenadora da Unidade de Nutrição CHULC. A obesidade pode ser de causa genética, psicológica, comportamental, educacional ou até monetária. Por gordofobia entende-se a repulsa e preconceito contra as pessoas gordas, algo que pode também definido como estigma social da obesidade e que traz consequências diretas, já provadas cientificamente, na perceção e aceitação corporal da pessoa, assim como no seu comportamento, sendo mais propensa a atos de evicção (não ir à praia, não vestir determinadas roupas, etc.). “A exclusão às pessoas gordas não se limita à rejeição social e ocorre no local de trabalho, escola, imprensa, hospitais e até nos relacionamentos com familiares, pais e professores. O preconceito começa em atividades simples do dia a dia, como frequentar locais que não estão adaptadas para que se possam movimentar com facilidade ou até a comprar roupa, uma vez que se torna difícil encontrar tamanhos que sirvam”, alerta a psicóloga Sofia Pinheiro (@sofiapinheiro_psicologa).
POSITIVIDADE CORPORAL
É para muitos visto como um movimento político-social que tem como objetivo apelar à aceitação e respeito pelo outro, acabando com os julgamentos feitos tendo em conta a aparência. Fernando Magalhães explica: “A positividade pode ajudar a sentir-se bem porque defende que todas as pessoas merecem ter uma imagem positiva do corpo, quaisquer que sejam os padrões de beleza dominantes”. Porém, alerta, “o positivismo pode não resultar em pessoas muito críticas, porque vão entrar numa luta forçada para aceitar o corpo ou até procurarem obedecer a esses padrões para se sentirem ‘positivas’ sobre o corpo. Tudo isto ainda mantém-nas focadas no corpo. A pressão para se sentir positivo também pode levar a emoções negativas. A alternativa é uma autoestima de aceitação incondicional, que significa que já tem valor, qualquer que seja o seu corpo, sem comparações!”.
TEORIA DA OBJETIFICAÇÃO “Quando falamos de objetificação do corpo feminino referimo-nos à banalização da imagem da mulher, quando a aparência das mulheres importa mais do que todos os outros aspetos que as definem enquanto seres humanos”, diz Sofia Pinheiro. A teoria da objetificação ajuda a explicar como a mulher vive refém da sua imagem. Tem a objetificação os dias contados? Ainda não, mas para lá se caminha. “A mulher cada vez mais tem um papel determinante na sociedade atual, está a ganhar um espaço próprio que vai ser determinante na sociedade atual e no futuro” e que vai além da imagem, diz Eduarda Coelho, docente na UTAD. “Penso que a neutralidade corporal pode ser um passo, ao reduzir o significado atribuído ao corpo. Mas é necessário combater a partir de vários ângulos, ensinando a igualdade de género, combater o sexismo e o machismo, e favorecer o empoderamento das mulheres. Precisamos de ver seres humanos com qualidades, como a inteligência, personalidade, sentido de humor, muito para além do aspeto físico”, refere Fernando Magalhães.
AS REDES SOCIAIS TÊM SERVIDO DE PALCO PARA MOVIMENTOS EM PROL DA INDIVIDUALIDADE.