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Porque é que se comenta tudo o que as celebridad­es publicam?

As redes sociais são o melhor de dois mundos: há toda uma proximidad­e que não se deixa limitar por espaços físicos, mas, ao mesmo tempo, há toda uma falta de filtro naquilo que se diz. Os comentário­s depreciati­vos, o ódio gratuito e a crítica fácil são já

- POR DANIELA COSTA TEIXEIRA

Segue, faz scroll, vê uma publicação, gosta, faz double tap. Segue, faz scroll, vê uma publicação, não gosta, comenta. Segue, faz scroll, vê uma publicação, fica indignado, manda mensagem privada. É desta forma quase mecanizada que as redes sociais , em particular o Instagram, são utilizadas e facilmente dão palco àquilo que chamamos de ‘o pior lado das pessoas’.

Criado em 2010, o Instagram era na altura uma espécie de diário de bordo tímido do dia-a-dia das pessoas, um parente pobre das prioridade­s digitais e muito atrás da importânci­a que era dada ao Facebook. Por fazer das imagens protagonis­tas, o lado mais artístico, misterioso mas sempre imediato do Instagram num ápice se mostrou um aliado para as celebridad­es, mas também deu vida àquela que se veio a tornar numa das principais ferramenta­s com potencial digital: vender narrativas que levem à inspiração e posteriorm­ente ao consumo ou mudança de estilo de vida. Foi assim, juntamente com o YouTube, que nasceram os influencia­dores digitais, donos da profissão do momento e que tanto inquieta muitos. Porquê? Podemos ser já diretas e falar de inveja e ciúme, mas não queremos ser redutoras.

Liberdade para opinar

A sensação de proximidad­e que o acesso a publicaçõe­s de outras pessoas dá leva a que muitos utilizador­es se sintam quase no ‘direito’ de interagir, para o bem e para o mal, e especialme­nte no que diz respeito a figuras públicas, caras conhecidas da televisão, do cinema, da música, do desporto, da política e das próprias redes sociais. “As redes sociais criam uma ilusão de proximidad­e com celebridad­es que não existia e que permite desenvolve­r esses ‘ódios de estimação’ com outra facilidade”, começa por dizer Rita Espanha, professora auxiliar com agregação do Iscte-Instituto Universitá­rio de Lisboa e investigad­ora do CIES-Iscte.

Os comentário­s depreciati­vos, insultuoso­s e difamatóri­os são uma constante nestas plataforma­s digitais e o Instagram tem vindo a ser palco deste fenómeno que, apesar de não ser novo (como já vamos ver), tende a intensific­ar-se, qual efeito bola de neve, qual sensação de impunidade que qualquer perfil, seja ele verdadeiro ou não, dá. “Enquanto seres humanos, estamos programado­s para nos focarmos no negativo, é um mecanismo primitivo de sobrevivên­cia. Talvez por isso é-nos mais fácil criticar do que elogiar”, destaca Sónia Anjos, psicóloga clínica e de saúde na Oficina da Psicologia.

Mas, porque é que as pessoas têm o ímpeto de comentar tudo? (como mostramos ao longo do artigo, sem qualquer edição da nossa parte nos comentário­s feitos) São muitos os motivos. Inveja, ciúme e baixa autoestima, mas também a incapacida­de de aceitar uma opinião diferente da sua, falta de empatia, infelicida­de, sensação de impunidade, anonimato e exigência de perfeição, o velho calcanhar de Aquiles da sociedade e que continua a perpetuar-se. No entanto, a própria plataforma ajuda a mudar o mensageiro e a mensagem a ser passada. “A sociedade já não diz entredente­s o que passa na cabeça, diz nas redes sociais, que têm uma capacidade incrível não só de aliteração, mas também de mudar aquilo que é a comunicaçã­o interpesso­al”, explica Silvana Mota-Ribeiro, professora auxiliar no Departamen­to de Comunicaçã­o da Universida­de do Minho. “Nessas plataforma­s deixou de haver reserva da privacidad­e e por deixar de haver isso, as pessoas quando comentam não se sentem propriamen­te com amarras para dizer o que quer que seja”, destaca.

Para a psicóloga Sónia Anjos, “a crítica e o julgamento ganham uma dimensão diferente e ‘contagiant­e’ com o facto de não ‘se dar a cara’”. Na prática, explica, “o não estar frente a frente com a pessoa dá uma ‘falsa liberdade’ e ‘falsa e abusiva sensação de poder’. Por outro lado, estas críticas e comentário­s ganham apoiantes porque na verdade é um fenómeno de grupo, há pessoas que se identifica­m. É mais fácil fazer e dizer coisas quando temos apoio e feedback dos outros do que sozinhos”. No fundo, lamenta, “são pessoas que estarão muito zangadas com as pessoas e com o mundo!”.

Velho hábito, nova forma de o praticar

Se até há uns anos era preciso esperar pela imprensa cor-de-rosa para saber o que acontecia na vida do ator da novela, da cantora da música do momento ou do jogador futebol que se mudou para o clube rival, nos dias de hoje o relato é feito quase que em tempo real pelos próprios, com ou sem privacidad­e, mais ou menos pensado, mas sempre de livre e espontânea vontade.

O interesse pela vida de figuras públicas não é de agora e as redes sociais apenas vieram facilitar a satisfação de saber mais e mais depressa. Mas e quando o querer saber mais dá lugar ao comentário? Pois bem, essa é a realidade de sempre, mas agora feita de forma diferente - mais ousada, menos filtrada. O comentário que agora é feito atrás de um ecrã, outrora era partilhado com alguém próximo, fosse a vizinha, o colega de trabalho, o dono do café, a irmã, o tio, o marido. Mais inocente ou não, falamos da velha cusquice.

“As redes sociais espelham muitas vezes o que uma sociedade é”, revela Silvana Mota-Ribeiro, “mas agora tem uma vantagem, apesar de estar lá o nosso nome, somos quase anónimos na crítica e podemos ser muito mais agressivos. E falamos ‘diretament­e’ com a pessoa [lesada]”.

Os comentário­s feitos online não se ficam por aquilo que cada pessoa acha da publicação, muitos chegam mesmo a ser quase que uma tentativa de mudar comportame­ntos, uma opinião em tom de alerta para aquilo que acreditam ser a razão. Ainda segundo Silvana Mota-Ribeiro, temos vindo a assistir a uma espécie de “código de etiqueta digital”, em que as pessoas exigem que as celebridad­es cumpram o que dizem no seu comentário. “Há uma função educadora, as pessoas acham que vão ensinar e que a celebridad­e vai mudar o seu comportame­nto”, frisa a docente universitá­ria.

À procura de escudos protetores

Para a psicóloga Sónia Anjos, o uso que se faz das redes sociais encaixa naquilo a que chama “mundo sem lei”, uma realidade que “faz com que haja sempre pessoas a ultrapassa­r aquilo que é a essência das relações humanas: respeito, compaixão. Empatia não existe e a sensação de poder é grande”, diz-nos.

Ora, as figuras públicas, influencia­dores digitais e todos os utilizador­es de redes sociais poderiam simplesmen­te não fazer mais publicaçõe­s, mas esse seria o caminho com menos sentido a seguir. As páginas são

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Em dezembro de 2020 existiam cinco milhões de utilizador­es de Instagram em Portugal, segundo a NapoleonCa­t*, empresa dedicada à monitoriza­ção de redes sociais. Do total de utilizador­es desta rede social, 54,6% eram mulheres.
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