Porque é que se comenta tudo o que as celebridades publicam?
As redes sociais são o melhor de dois mundos: há toda uma proximidade que não se deixa limitar por espaços físicos, mas, ao mesmo tempo, há toda uma falta de filtro naquilo que se diz. Os comentários depreciativos, o ódio gratuito e a crítica fácil são já
Segue, faz scroll, vê uma publicação, gosta, faz double tap. Segue, faz scroll, vê uma publicação, não gosta, comenta. Segue, faz scroll, vê uma publicação, fica indignado, manda mensagem privada. É desta forma quase mecanizada que as redes sociais , em particular o Instagram, são utilizadas e facilmente dão palco àquilo que chamamos de ‘o pior lado das pessoas’.
Criado em 2010, o Instagram era na altura uma espécie de diário de bordo tímido do dia-a-dia das pessoas, um parente pobre das prioridades digitais e muito atrás da importância que era dada ao Facebook. Por fazer das imagens protagonistas, o lado mais artístico, misterioso mas sempre imediato do Instagram num ápice se mostrou um aliado para as celebridades, mas também deu vida àquela que se veio a tornar numa das principais ferramentas com potencial digital: vender narrativas que levem à inspiração e posteriormente ao consumo ou mudança de estilo de vida. Foi assim, juntamente com o YouTube, que nasceram os influenciadores digitais, donos da profissão do momento e que tanto inquieta muitos. Porquê? Podemos ser já diretas e falar de inveja e ciúme, mas não queremos ser redutoras.
Liberdade para opinar
A sensação de proximidade que o acesso a publicações de outras pessoas dá leva a que muitos utilizadores se sintam quase no ‘direito’ de interagir, para o bem e para o mal, e especialmente no que diz respeito a figuras públicas, caras conhecidas da televisão, do cinema, da música, do desporto, da política e das próprias redes sociais. “As redes sociais criam uma ilusão de proximidade com celebridades que não existia e que permite desenvolver esses ‘ódios de estimação’ com outra facilidade”, começa por dizer Rita Espanha, professora auxiliar com agregação do Iscte-Instituto Universitário de Lisboa e investigadora do CIES-Iscte.
Os comentários depreciativos, insultuosos e difamatórios são uma constante nestas plataformas digitais e o Instagram tem vindo a ser palco deste fenómeno que, apesar de não ser novo (como já vamos ver), tende a intensificar-se, qual efeito bola de neve, qual sensação de impunidade que qualquer perfil, seja ele verdadeiro ou não, dá. “Enquanto seres humanos, estamos programados para nos focarmos no negativo, é um mecanismo primitivo de sobrevivência. Talvez por isso é-nos mais fácil criticar do que elogiar”, destaca Sónia Anjos, psicóloga clínica e de saúde na Oficina da Psicologia.
Mas, porque é que as pessoas têm o ímpeto de comentar tudo? (como mostramos ao longo do artigo, sem qualquer edição da nossa parte nos comentários feitos) São muitos os motivos. Inveja, ciúme e baixa autoestima, mas também a incapacidade de aceitar uma opinião diferente da sua, falta de empatia, infelicidade, sensação de impunidade, anonimato e exigência de perfeição, o velho calcanhar de Aquiles da sociedade e que continua a perpetuar-se. No entanto, a própria plataforma ajuda a mudar o mensageiro e a mensagem a ser passada. “A sociedade já não diz entredentes o que passa na cabeça, diz nas redes sociais, que têm uma capacidade incrível não só de aliteração, mas também de mudar aquilo que é a comunicação interpessoal”, explica Silvana Mota-Ribeiro, professora auxiliar no Departamento de Comunicação da Universidade do Minho. “Nessas plataformas deixou de haver reserva da privacidade e por deixar de haver isso, as pessoas quando comentam não se sentem propriamente com amarras para dizer o que quer que seja”, destaca.
Para a psicóloga Sónia Anjos, “a crítica e o julgamento ganham uma dimensão diferente e ‘contagiante’ com o facto de não ‘se dar a cara’”. Na prática, explica, “o não estar frente a frente com a pessoa dá uma ‘falsa liberdade’ e ‘falsa e abusiva sensação de poder’. Por outro lado, estas críticas e comentários ganham apoiantes porque na verdade é um fenómeno de grupo, há pessoas que se identificam. É mais fácil fazer e dizer coisas quando temos apoio e feedback dos outros do que sozinhos”. No fundo, lamenta, “são pessoas que estarão muito zangadas com as pessoas e com o mundo!”.
Velho hábito, nova forma de o praticar
Se até há uns anos era preciso esperar pela imprensa cor-de-rosa para saber o que acontecia na vida do ator da novela, da cantora da música do momento ou do jogador futebol que se mudou para o clube rival, nos dias de hoje o relato é feito quase que em tempo real pelos próprios, com ou sem privacidade, mais ou menos pensado, mas sempre de livre e espontânea vontade.
O interesse pela vida de figuras públicas não é de agora e as redes sociais apenas vieram facilitar a satisfação de saber mais e mais depressa. Mas e quando o querer saber mais dá lugar ao comentário? Pois bem, essa é a realidade de sempre, mas agora feita de forma diferente - mais ousada, menos filtrada. O comentário que agora é feito atrás de um ecrã, outrora era partilhado com alguém próximo, fosse a vizinha, o colega de trabalho, o dono do café, a irmã, o tio, o marido. Mais inocente ou não, falamos da velha cusquice.
“As redes sociais espelham muitas vezes o que uma sociedade é”, revela Silvana Mota-Ribeiro, “mas agora tem uma vantagem, apesar de estar lá o nosso nome, somos quase anónimos na crítica e podemos ser muito mais agressivos. E falamos ‘diretamente’ com a pessoa [lesada]”.
Os comentários feitos online não se ficam por aquilo que cada pessoa acha da publicação, muitos chegam mesmo a ser quase que uma tentativa de mudar comportamentos, uma opinião em tom de alerta para aquilo que acreditam ser a razão. Ainda segundo Silvana Mota-Ribeiro, temos vindo a assistir a uma espécie de “código de etiqueta digital”, em que as pessoas exigem que as celebridades cumpram o que dizem no seu comentário. “Há uma função educadora, as pessoas acham que vão ensinar e que a celebridade vai mudar o seu comportamento”, frisa a docente universitária.
À procura de escudos protetores
Para a psicóloga Sónia Anjos, o uso que se faz das redes sociais encaixa naquilo a que chama “mundo sem lei”, uma realidade que “faz com que haja sempre pessoas a ultrapassar aquilo que é a essência das relações humanas: respeito, compaixão. Empatia não existe e a sensação de poder é grande”, diz-nos.
Ora, as figuras públicas, influenciadores digitais e todos os utilizadores de redes sociais poderiam simplesmente não fazer mais publicações, mas esse seria o caminho com menos sentido a seguir. As páginas são