Que lições devemos tirar das transformações físicas mais mediáticas dos últimos tempos?
Treino, cirurgias, dietas equilibradas ou algo radicais. É bem variado o leque de ‘ferramentas’ que está por detrás das mudanças de corpo que ficam na boca do mundo. Do lado das celebridades, deverá haver responsabilidade sobre a forma como comunicam a sua mudança? E nós, porque nos achamos no direito de criticar, exigir saber e opinar? A Women’s Health foi perceber as fragilidades desta temática.
Motivação ou sentimento de falhanço? A mensagem depende sempre do recetor
Perder peso para ser mais saudável, para se sentir melhor consigo mesmo. Este sempre foi o mote da Women’s Health que assenta todosos artigos em dois grandes pilares: amar o próprio corpo e trabalhar para a nossa versão mais saudável.
Muitas são as transformações que servem de inspiração e dão forma a esta mesma ideia que defendemos. Nestas páginas, focamo-nos no particular caso das celebridades. Por vezes mudanças saudáveis, por outras, demasiado drásticas e imediatas. O que nos leva à questão: têm as figuras públicas alguma responsabilidade sobre aquilo que partilham, ainda que relacionado com o próprio corpo?
A nutricionista Ana Isabel Monteiro, autora do blog Laranja-Lima, é imediata a responder: “É uma questão pessoal. Ninguém é obrigado a partilhar. Mas a partir do momento em que se escolhe partilhar o progresso, deve-se estar ciente da sua responsabilidade”.
Para a especialista, que dá consultas de nutrição na Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, não é sábio partilhar todo o processo já que é bem possível que do outro lado esteja alguém capaz de imitar todos os passos, seguindo um processo que não lhe será o mais indicado. “Não interessa saber se fez a dieta X ou Y, porque isso não vai educar de maneira nenhuma os seguidores”, diz-nos. Importa sim “passar a mensagem de que a mudança em questão foi um processo pensado e adequado a si”.
Lara Castro Nunes, que é psicoterapeuta na Consulta de Doenças do Comportamento Alimentar e na Equipa de internamento de Doenças do Comportamento Alimentar do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria, Lisboa, apoia esta ideia de partilhar o bom exemplo com algumas restrições. “Estas notícias não deveriam ser tão divulgadas ou, pelo menos, não se lhes deveria dar tanto impacto”, e justifica: “A obesidade acarreta riscos para a saúde, mas uma perda muito acentuada de peso, sem acompanhamento especializado, também acarreta riscos.Importa perceber se o processo foi obtido mediante soluções saudáveis e equilibradas ou resulta de práticas químicas agressivas ou desreguladas nutricionalmente, com efeitos nocivos para a saúde”, remata o sociólogo Nuno Medeiros, que é docente na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa do Instituto Politécnico de Lisboa, onde é diretor do Departamento de Psicologia e Sociologia e leciona unidades curriculares como Sociologia da Saúde e Sociologia da Alimentação.
Mas o que frequentemente se nota é que “as pessoas vivem a vida dos seus ‘ídolos’ como se a de alguém próximo se tratasse, têm a sensação de que os conhecem pelo que pesquisam, pelo que veem nas redes sociais, pelo que imaginam. E essa ilusão de conhecimento do outro conferes-lhes o sentimento de terem o direito de opinar, criticar e defender a celebridade em questão”, alerta Lara Castro Nunes, ao que Ana Isabel Monteiro acrescenta: “adorava que as pessoas tivessem o bom senso de perceber que nem tudo o que veem nas redes sociais é real. Querem seguir aquele exemplo e vão trabalhar para resultados que não são reais”.
Vejamos um caso específico
Quarta-feira, 6 de maio de 2020. Entre os temas noticiosos mais pesquisados do dia destacou-se um por não se relacionar com a Covid-19: a perda de peso de Adele. Foi a própria cantora quem lançou a curiosidade ao partilhar uma foto no seu perfil de Instagram. Na legenda, agradecia pelas mensagens de aniversário e mostrava o seu reconhecimento a todos os profissionais de saúde que se exponham diariamente no combate à pandemia do novo coronavírus. Duas mensagens comuns nos tempos que corriam, mas a maioria dos comentários em pouco se relacionavam com aqueles pontos. “Estás incrível!”, “A internet vai abaixo”, “continua linda”. Os comentários faziam referência a seu físico: Adele estava visivelmente mais magra. “Adele está incrível” e “O que interessa se perdeu peso? Já tinha ganho 15 Grammys antes de ser magra” são os pontos opostos do rol de comentários que se seguiu, em resposta a artigos publicados em variados meios sobre aquela perda de peso. “A mensagem depende sempre do recetor, não é?”, comenta a nutricionista.
“Se, por um lado, pode servir de motivação para perder peso, por outro pode
representar um sentimento de falhanço”, com pensamentos como ‘A Adele conseguiu e eu nunca levo uma dieta até ao fim’. “A reação depende da pessoa, o sentimento que tem em relação ao seu peso, se existem ou não tentativas de dietas anteriores. Não é, de todo possível generalizar”, esclarece a psicoterapeuta Lara Castro Nunes.
O ser figura pública “fatalmente traduz-se numa exposição maior. E a pessoa que está no centro desta exposição constrói uma imagem e um perfil que se alimenta das múltiplas interpretações feitas pelo público, compondo uma personagem que passa a interligar-se nesse espaço público com a própria figura que encarna e que possui uma vida privada e familiar diversa da sua imagem pública, mas sujeita aos mais variados tipos de apropriação”, diz à Women’s Health Nuno Medeiros, que é também Investigador no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e no Health & Technology Research Center.
Em segredo, mas…
Ainda que a autora de ‘Someone like You’ não se tenha pronunciado sobre a sua mudança física, muitos suspeitam que tal tenha havido mais com questões de saúde do que propriamente físicas, já que foi pública a necessidade de a cantora parar de cantar por uns tempos por questões de saúde que afetavam, também, as suas cordas vocais.
Mas a perda de peso de Adele está longe de ser um caso exclusivo entre celebridades. A atriz Drew Barrymore, que se assume como ‘vítima’ da dieta io-iô, falou sobre a inconstância do seu peso que hoje assume como parte da sua vida, referindo que o que mais importa são as suas filhas, independentemente dos efeitos que as gravidezes tenham tido no seu corpo.
Aos fãs, Barrymore deixa o segredo para recuperar a boa forma: “só tenho de comer bem e treinar! Não posso lutar contra o facto de ter propensão a ganhar peso”, admite, numa legenda que acompanha a imagem onde contraste o seu corpo pós parto, de 2014 com uma de 2017, durante as gravações da série Santa Clarita Diet.
Sempre com a noção de que o peso não é o que
mais importa e que recuperar a saúde através da perda de peso é possível, é clara a mensagem que a atriz faz por passar nas redes sociais e em entrevistas, onde partilha momentos de treinos ou fala sobre algumas refeições. Partilhas estas que assenta sempre na ideia de que ‘mudar é possível’ e não numa dieta ou treinos específicos.
Outro caso que gerou grande curiosidade foi o de Sam Smith que, em 2015, emagreceu graças à terapeuta nutricional que o ajudou a mudar a sua relação com a comida e a transformar o corpo em… duas semanas.
Controverso?
A publicação do cantor foi apagada pouco tempo depois de ter sido escrita, mas a CBS lembra que a imagem em questão era acompanhada por um agradecimento àquela especialista: “Amelia Freer ajudou-me a perder 6 kg em duas semanas e transformou por completo a minha relação com a comida. Adoro-te Amelia, obrigada por me tornares tão feliz por dentro e por fora”, escreveu o cantor.
Embora tenha apagado tal publicação das suas redes sociais, Sam Smith chegou a falar sobre o tema a vários meios internacionais. “Nunca mais como como um porco, Basicamente, é isto que estou a fazer”, resume o cantor que, de forma simples, alerta para um problema que não lhe é único – a relação emocional que se tem com a comida e frequentemente sabota a perda de peso.
Ana Isabel Monteiro lembra ainda o caso de Taylor Swift, também sobre esta temática. “Ela falou abertamente sobre o distúrbio alimentar com o qual teve que lidar e da forma como estava fraca e se sentia nauseada nos concertos, constantemente insatisfeita com o seu corpo. Felizmente, percebeu a tempo que aquele não era o caminho e agora come bem, treina e está em processo de recuperação. Esse é um bom exemplo a passar aos jovens”. “Lá está, como a celebridade tornou-se mais saudável, acho ótimo que sirva de inspiração”, conclui a nutricionista.
Em qualquer um dos casos, “esta construção da imagem pode ser e é recordada pela celebridade em causa, que intervém ativamente no modo como a sua imagem é descortinada, levantando questões ou assumindo discursos segundo o seu sentido de estratégia e seguindo uma vontade de participar – e até condicionar – as apreciações produzidas pelo público e pelos meios de comunicação”, aponta Nuno Medeiros, certo de que tal influencia não se cinge a questões físicas e de foro pessoal, mas evolui para casos de “posições públicas sobre os mais variados temas (desde o racismo à crise ambiental, passando pelos cuidados com o corpo ou a violência doméstica), procurando transferir parte do seu valor simbólico para esses temas, qualificando-os ou conferindo-lhes importância”, conclui.
A celebridade constrói uma imagem que se alimenta das interpretações do público, ao mesmo tempo que possui uma vida privada