Especialistas explicam como regressar aos encontros amorosos durante a pandemia.
Talvez não para breve, pelo menos de forma descontraída. Após meses de confinamento, distanciamento social e de uma solidão inesperada, tudo apontava para uma maior vontade de voltar aos encontros amorosos. Mas eis que chega o Fear of Dating Again, um receio destes novos tempos que vivemos e que deixa os encontros amorosos para segundo plano. A Women’s Health conversou com três especialistas para saber como contornar a situação.
Parecem cada vez mais longínquos os tempos em que conhecíamos presencialmente novas pessoas, fosse um amigo de uma amiga, uma colega de trabalho recém-chegada, um grupo de estranhos que se aproximava do nosso num bar ou simplesmente aquele match a quem tínhamos feito swipe right e passado a trocar mensagens semanas a fio antes de um encontro presencial.
O certo é que a pandemia veio mudar a forma como encaramos e questionamos tudo... até mesmo os encontros amorosos e o quão dispostas e disponíveis estamos para voltar a encarar presencialmente uma pessoa desconhecida.
Hoje em dia, os encontros são escassos e muito planeados, alguns nem chegam mesmo a ver a luz do dia e ficam-se pelo candeeiro da secretária que ilumina o rosto em frente ao ecrã do computador. E a pandemia veio agravar isso ainda mais, trazendo uma maior sensação de ansiedade, inquietude e, sobretudo, receio. Seja de avançar, de contactar, de tocar, de contrair, de adoecer.
O regresso aos encontros amorosos é ainda uma presença tímida na agenda das pessoas solteiras, mas há dicas que prometem combater este receio em avançar. Vá sem pressa, leia primeiro o que preparamos para si.
Fear of Dating Again
A descrição não deixa dúvidas, mas, de onde veio esse medo de voltar ao flirt, ao encontro, ao romance presencial? Do vírus, do contágio, de toda uma pandemia que deixou - e ainda deixa - o mundo do avesso.
A ciência tem já tentado estudar este fenómeno e os resultados até agora apresentados são claros: os millenials são quem mais sofre de Fear of Dating Again (FODA) e, para eles, a proteção individual está acima de qualquer atração física ou emocional. A Universidade McGill, no Canadá, fez um estudo com homens e mulheres heterossexuais solteiros, com idades entre 18 e 35 anos, e concluiu que os participantes que mais temiam a doença apresentaram níveis muito mais baixos de interesse nos seus potenciais pretendentes, conta a BBC. E este é apenas um exemplo do fenómeno que deixa muitas pessoas com um pé atrás antes de voltarem a mergulhar de cabeça no mundo dos encontros amorosos, mesmo passados meses de isolamento e a ressacar de contacto social presencial.
“A pandemia, inevitavelmente, trouxe para as pessoas uma experiência emocional e relacional completamente nova e esse espaço de novidade, sendo, por um lado, criado por uma situação de receio, gera alguma apreensão. Esta apreensão pode causar algum mal-estar psicológico e receios, o medo do desconhecido, o medo do estranho, o medo da doença, o medo da morte, o medo das relações também”, explica Ana Marques Lito, psicóloga e psicoterapeuta de casais e famílias, que dá consultas em Lisboa.
De acordo com o site de encontros Bumble, 60% dos participantes de um inquérito que levaram a cabo revelaram que estão mais preocupados em prevenir-se do contágio do que em procurar encontros casuais. Mais de metade dos participantes deste mesmo questionário, conta a revista Veja, disse que gostaria que a outra pessoa também usasse máscara durante o encontro, estando assim ambos devidamente protegidos.
Nos dias que correm, para muitos a máscara é o novo sexy. Isso e dar o devido crédito à ciência, como mostra um estudo do OkCupid, que diz que 40% dos candidatos a namoro entre os 30 e os 40 anos frisaram que cancelariam um encontro amoroso se a outra pessoa dissesse que não pretendia ser vacinada. “Embora estejamos a desconfinar, há o fantasma do contágio”, diz Ana Marques Lito. Teremos um certificado digital das relações para resolver isto?
Solteira em tempos de pandemia
Apesar de a sociedade moderna estar cada vez mais desprendida das relações amorosas e familiares até então impostas quase como forma de sucesso emocional, o certo é que estar solteiro não é fácil para algumas pessoas, muito menos perante um cenário
catastrófico como o dos últimos meses, em que se viram sozinhas e fechadas em casa. Neste período atípico ainda sem fim à vista, as pessoas solteiras viram-se mergulhadas numa solidão inesperada, quase como se, de um momento para o outro, fosse o mundo a estar isolado delas. E, vá por nós, até as bem resolvidas com a situação de certo que questionaram o seu estado.
“Há pessoas que passaram a estar sozinhas durante a semana inteira, apenas contactando presencialmente com os funcionários dos supermercados”, explica a psicóloga clínica e terapeuta familiar Cláudia Morais (claudiamorais.com), que destaca que “este isolamento teve um grande impacto em termos de saúde mental, fomentando estados depressivos e ansiosos. Se, em tempos normais, muitas vezes os solteiros já se sentiam sós, é óbvio que o confinamento veio agravar esse sentimento de solidão”.
Para Ana Marques Lito, a mulher solteira que vive sozinha não se viu apenas confrontada com a solidão ou um agravamento da mesma, “a pandemia e o isolamento social trouxeram, inevitavelmente, mecanismos regressivos, inconscientes, em que a pessoa não tem noção de que está a regredir. É nesses mecanismos de regressão, que as falhas emocionais e as dificuldades que a pessoa vai tendo com elas, e que vão sendo desencadeadas pela sociedade, pelo trabalho, pelas pessoas, podem voltar com toda a sua força”. Ainda de acordo com a especialista, não só o FODA como todas as consequências físicas e emocionais da pandemia são como “uma guerra sem armas”, pois, estamos perante “uma experiência emocional a que todos fomos sujeitos abruptamente e que desencadeou a saída de muitos cadáveres dos nossos armários, os nossos fantasmas todos soltaram-se. Depois, de acordo com o equilíbrio emocional de cada um, com a capacidade de se refletir, as circunstâncias, a falta de amor, é uma caixa de pandora tremenda”, diz.
A par da solidão e da tristeza, a pandemia trouxe também um estado de ansiedade generalizado, mas que, no caso das pessoas solteiras, pode causar inquietação e dúvida perante o futuro. “Sentimos a vida em stand by” nas suas mais variadas vertentes, incluindo o
amor, diz Débora Bento Correia, da Academia Transformar (transformar.pt/). “Os convívios foram adiados, a socialização passou a ser praticamente exclusiva do online. E, se para os que sentem algum desconforto na exposição física possa ter sido um alívio, para outros foi assustador. ‘E agora? Vou ficar sozinho/a para sempre? Como é que vou conhecer alguém? Quando é que arranjo namorado/a se não posso sair de casa?’. E estas perguntas foram ganhando intensidade!”, frisa.
A ansiedade é uma das consequências mais diretas deste novo normal e pode agravar-se quando há algum hesitação - leia-se, medo - em voltar tentar encontrar o amor, o tal FODA, mas, “à medida que avançamos no desconfinamento, que a exigência das medidas diminui, é perfeitamente expectável que queiramos voltar a conviver e que tenhamos vontade de carregar no play e voltar a socializar. E isso também pressupõe voltar a marcar encontros presenciais”, refere Débora Bento Correia, embora reconheça que “também é perfeitamente compreensível que, tendo em consideração tudo o que vivemos no último ano – isolamento, stress, morte, desinformação – nos sintamos apreensivos e até ansiosos”.
Como voltar aos encontros
Embora ainda seja prematuro encher os pulmões e gritar que voltamos à normalidade, a verdade é que a luz ao fundo do túnel é cada vez mais intensa e a esperança volta a falar mais alto. E, sim, para quem anseia um encontro amoroso presencial, o momento pode estar para breve. E, também sim, é possível que continue ansiosa em relação ao assunto. “Em primeiro lugar é crucial que validemos os nossos receios. Que compreendamos que sentirmo-nos ansiosas é legítimo. Esta é uma ansiedade adaptativa em respos
ta a uma circunstância específica que tem como principal objetivo preparar-nos para o momento que vamos viver”, diz a psicóloga Débora Bento Correia, que também dá consultas na The Dr. Pure Clinic e no Consultas Filipa Jardim da Silva – Psicologia Clínica, Coaching e Consultoria.
Para a psicóloga e terapeuta de casal Cláudia Morais, que dá consultas em Lisboa, uma forma de se preparar para regressar aos encontros presenciais está na reflexão: “O primeiro conselho que dou a todas as mulheres é que procurem conhecer-se, procurem conhecer as características e as necessidades do seu estilo de vinculação amorosa e investiguem o estilo de vinculação amorosa de potenciais parceiros”. Além da reflexão e aceitação, Débora Bento Correira sugere também que cada pessoa respeite os seus timings, que os conheça e compreenda. E que encontre resposta para as suas principais dúvidas, deixando como exemplo algumas questões que pode fazer a si mesma antes de decidir marcar ou não um encontro: “Se me sinto desconfortável e extremamente agitada em eventos sociais que envolvem a minha família, pessoas em quem confio, fará sentido começar já a marcar encontros com desconhecidos?; Sinto-me com energia para voltar a sair em encontros?; Encontrar um parceiro/a é para mim, neste momento, uma prioridade? O que é que estou disposto/a a fazer para voltar a sair: marcar encontros apenas em espaços exteriores ou apenas em locais que conheço bem?; Se a ansiedade de marcar um encontro é superior à vontade de encontrar um namorado/a fará sentido regressar já a este contexto?”.
Se as respostas dadas permitem avançar para um encontro presencial, então nada como tentar jogar com a ansiedade a seu favor. “Como? Adotando as medidas que sentimos como sendo necessárias para que nos sintamos mais à vontade, descontraídas e seguras. Por exemplo: escolhermos um local cujo espaço seja amplo ou tenha espaço exterior existindo ventilação constante ou até termos em consideração se o local onde nos iremos encontrar segue todas as normas da Direção Geral de Saúde”, aconselha a psicóloga Débora Bento Correia. Pode também marcar um encontro a quatro e levar um(a) amigo(a) para que se sinta menos pressionada. A máscara, já sabe, é um acessório do momento, por isso, não se sinta inibida em pedir que a outra pessoa a use. E nunca desconfie da sua intuição, por muito enferrujada que pareça passados meses de isolamento. Tal como escreve Cláudia Morais no seu livro Manual do Amor [Livros Horizonte, 2021], “se alguma coisa lhe parecer errado com essa pessoa, provavelmente tem razão, mesmo que não consiga encontrar uma explicação suficientemente explícita”. Aliás, se há coisa que a pandemia trouxe foi mais honestidade por parte de quem usa ferramentas digitais de dating, como conta o mais recente relatório do Tinder, citado pelo The New York Times. Ao analisar aquilo a que chama de ‘Futuro do Namoro’, o Tinder garante que os seus utilizadores se tornaram mais verdadeiros e transparentes sobre os seus próprios limites pessoais. A app refere que prevê que os encontros continuem a ser honestos e autênticos após a pandemia.
Os encontros virtuais - para lá da troca de mensagens, convém dizer - foram das poucas alternativas para as pessoas que procuraram conhecer outras. A app OkCupid descobriu que 31% dos utilizadores gostaram de participar em atividades virtuais durante o ‘encontro amoroso’ e 15% gostaram de assistir a um filme ou TV online em simultâneo com a outra pessoa, lê-se no site The Conversation. E não se acanhe em marcar um primeiro encontro via Zoom. Aliás, essa é a grande aposta das aplicações de dating, que pretendem testar em breve - pelo menos no Reino Unido e nos EUA ferramentas de vídeo para que as pessoas se vejam, nem que seja virtualmente, até se sentirem confortáveis para marcar um encontro presencial. E as tradicionais chamadas serão também uma tendência para os utilizadores destas plataformas.
Embora reconheça a presença do medo em muitas pessoas, Cláudia Morais apresenta uma visão mais otimista. “Como é óbvio, não há relações românticas sem contacto físico, não há relações íntimas sem gestos de afeto. Mas a maioria das pessoas que estão à procura de uma relação amorosa mostram-se disponíveis para conviver com o risco. A maior parte das pessoas solteiras estão disponíveis para se encontrarem fisicamente com alguém que considerem atraente e interessante”. Mas, tal como esclarece Débora Bento Correia, “não nos sintamos pressionadas a regressar logo aos encontros ou a encontrar alguém se ainda não nos sentirmos preparadas e confortáveis para o fazermos”.