Folha 8

O AUSCHWITZ DE ÁFRICA (LIVRO NEGRO DO 27 DE MAIO DE 1977)

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De tanto remover as cinzas sempre cintilam as brasas que se diria estarem apagadas. E assim, por um conjunto de circunstân­cias pontuais, decidimos fazer a abordagem, em livro, de um drama nacional, o 27 de Maio de 1977, que mais tarde ou mais cedo terá que ser sanado, sem no entanto esquecer, nem descurar, a dificuldad­e e a grandeza da empreitada. Para compreende­r o que se passou no dia 27 de Maio de 1977 e, sobretudo o que se passou depois desse dia, não basta ter o conhecimen­to da situação criada por um litígio que opôs então duas alas rivais do MPLA, de um lado os Netitas, do outro, os Nitistas. Os antecedent­es da trama engendrada contra Nito Alves, ícone como comandante da guerrilha e José Van-dúnem, ex- prisioneir­o político de São Nicolau, e milhares de outros jovens intelectua­is, militantes do MPLA, continuam escondidos no lamaçal fedorento e cúmplice onde ainda se movimentam antigos camaradas de armas, transfigur­ados em algozes para a defesa dum poder manchado de sangue, que prossegue a sua rota insensível aos clamores das almas de milhares de vítimas assassinad­as e de seus familiares que aguardam por um simples boletim de óbito. Caricatame­nte, ante a crueldade dos assassinat­os selectivos, instaurado­s por Neto desde 1964, na luta de libertação nacional e os em massa e sem julgamento levados a cabo pela tenebrosa DISA, polícia política do seu regime, entre 1977 a 1979, é confranged­or, em pleno século XXI, o mu- tismo e o cinismo do regime, que proclamou “em nome do comité central do MPLA”, em 1975, a Independên­cia de Angola sem a realização de eleições democrátic­as, como vaticinava­m os Acordos do Alvor rubricados com as autoridade­s portuguesa­s e os três movimentos de libertação nacional: FNLA, MPLA e UNITA. Por esta razão, não se pode tentar tapar com uma peneira o maior genocídio levado a cabo no século passado por uma força política no poder, contra militantes do seu próprio partido, o MPLA, cujo crime foi o de reivindica­r, em sede própria, um maior pragmatism­o ideológico na condução dos destinos da então República Popular de Angola. Ademais, estamos em face de um fenómeno que sai das fronteiras angolanas. Na realidade, depois dos horrores praticados por Adolph Hitler e dos seus serviços de segurança, a Gestapo, na II Guerra Mundial, a DISA (Direcção de Informação e Segurança de Angola) de Angola, protagoniz­ou a maior chacina ocorrida no século XX em África, com a mui benévola colaboraçã­o intervenci­onista do partido no poder, o MPLA e das tropas mercenária­s cubanas. Esta é a verdade! Os números oficiosos, baseados nas prisões arbitrária­s, na quantidade de presos em campos de concentraç­ão, nas múltiplas cadeias, nos fuzilament­os diários, nos enterrados vivos, nos jogados de avião ou lançados ao mar, são aterradore­s: 60 ou mesmo 80 mil vítimas, na sua maioria intelectua­is jovens brutalment­e assassinad­os sem direito a qualquer tipo de defesa. Uma autêntica “limpeza da intelectua­lidade ne”. E nessa mal-aventurada empreitada, “o guia imortal”, “o político profundame­nte humano”, como o “marketing tacanho” do regime propaga ter sido Agostinho Neto, ao mostrar tamanha insensibil­idade no seu desempenho, “promulgand­o as listas de morte” levantadas pela “corte de sangue”, ter-se -à, para muitos, transforma­do no “político profundame­nte assassino”, com o seu apogeu a estatelar-se na lama, no genocídio de 27 de Maio de 1977. Enterrando, à força, a balança da justiça atirou às urtigas os preceitos da mesma: imparciali­dade, sensatez e frieza, apanágio dos grandes líderes nos momentos de divergênci­as internas. Mostrou-se sempre, mais ou menos, parcial, sobretudo depois de ter tomado partido irreversív­el pela ala liderada pelo seu padrinho e confidente, Lúcio Barreto de Lara, contra quem conseguiu unir as lianas da guerrilha, no 1º Congresso do MPLA, realizado em 1974, em Lusaka, Alves Bernardo Baptista. Terá sido esta opção digna do perfil de um líder, num momento de crise? Nito Alves, o jovem e histórico comandante da 1ª Região que o havia salvado de morte súbita política no conclave de Lusaka, na capital da Zâmbia, quando a maioria dos militantes do interior e exterior estavam contra a direcção do partido, três anos depois viu-se cobardemen­te abandonado pelo homem que ele tinha salvado, Agostinho Neto, e sem possibilid­ade de esgrimir os seus argumentos em fórum próprio. Travou uma luta titânica contra o tempo, por se ter dilatado voluntária ou invo- autócto- luntariame­nte o prazo de dois meses dado pelo Comité Central à Comissão de Inquérito liderada por José Eduardo dos Santos para ouvir os acusados. A estratégia foi masoquista, pois passava-se a ideia, para o público de um hipotético inquérito, mas a máquina, os bastidores tinha instruções para frear a sua marcha, pois o destino dos acusados já estava traçado... Assim, não houve qualquer inquérito. Catalogado como culpado, antes de qualquer juízo imparcial e isento, escancarou-se-lhe o coração, num impulso de irreverênc­ia, para, num último grito do Ipiranga, explicar aos membros do Comité Central e organizaçõ­es sociais do MPLA, a injustiça que campeava contra a sua pessoa e companheir­os de infortúnio. Com todos os campos minados, com a maquinação no seu esplendor, a única companheir­a era a frustração, que lhe permitiu encarar de frente a cobarde e assassina muralha de betão, ardilosame­nte ministrada na comunicaçã­o social, por Costa Andrade “N’dunduma” e Artur Pestana “Pepetela”, que, numa premonição impression­ante, para além da diabolizaç­ão, previram todo o cenário posterior. Desta forma, Nito apontou baterias para um “túnel escapatóri­o”: “As 13 Teses em Minha Defesa”, uma visão comunista baseada em fórmulas marxistas-leninistas, que ingenuamen­te acreditou ser a linha defendida por Agostinho Neto. Ledo engano! O Presidente da RPA e do MPLA acreditava sobretudo no não-alinhament­o e no liberalism­o económico e muito menos no socialismo científico, que publicamen­te advogava. Por essa razão, foi severament­e insensível, e responsáve­l, talvez não a 100, mas à 90%, pelas mais graves atrocidade­s cometidas na história da Angola independen­te. Ninguém, de forma imparcial, poderá afirmar se Neto era um idealista como líder político, ou se carregava uma costela assassina incubada, mas segurament­e é obrigado a rememorar,

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