DO CÓDIGO COLONIAL AO CÓDIGO NEOCOLONIAL
Os angolanos 40 anos depois da independência, continuam incompetentes para produzir leis respeitando o espírito e a idiossincrasia dos diferentes povos e etnias angolanas. O que está em cheque no presente momento, em Angola é a reforma penal, resultante do Código Penal português de 1886, cujas normas, caricatamente, são desconhecidas em Portugal, faz mais de um século, precisamente, 130 anos. Nos últimos 40 anos, Portugal fez cerca de 14 reformas ao Código Penal pós/74, enquanto os angolanos continuam ligados, julgados e condenados por um código onde os crimes e as medidas de segurança, tem os tostões como referência e a dignidade da monarquia como maior imperativo legal, acopolado com o sofisma partidário “desde que não contrariem o proceso revolucionário em curso”. Uma grata incompetência de quem, pela dimensão territorial, diversidade de povos e cidadãos, deveria fazer a ruptura com o modelo legal colonial, que tanto combateu, mas continua a dormir com o direito colonial/monarquico. Hoje quando o grupo de arautos do anteprojecto de reforma do Código Penal de 1886, em vigor em Angola, tentam passar a imagem de grande evolução, esquecem-se de apresentar as linhas de força da interpretação da moral, ética, costumes e tradição dos povos, para os conformar com as normas jurídicas contemporâneas e a partir daqui, partir para o direito comparado, tendo em conta a realidade de países com forte tradição do costume como fonte de direito e cuja aplicação, judicial e judiciária é eficaz no combate às ilicitudes. A evolução real e defesa dos direitos fundamentais e afastamento de coisificação desde 1886, está a ser criticado como recheado com ingredientes que poderão encher as já superlotadas cadeias, penalizando os mais desfavorecidos. Se dúvidas houvessem a prova é a proposta da tipificação de um crime auto- nómo, que remonta a monarquia (será que Angola não é) da penalização de quem publicamente imputar a outrem a falsa paternidade, sendo por via disso, punido com a pena até seis meses de prisão… Incrível! Retrocesso, no quadro dos direitos fundamentais, porquanto a ilicitude está enquadrada no crime de difamação, já devidamente tipificada no Código Penal. É isso que faz prever não um esvaziamento, mas um aumento da população prisional, para além deste crime espalhar o temor aos intelectuais, tentados a denúncias aos mais altos dirigentes governamentais. Uma consulta pública especializada sobre este assunto vai ser realizada nos próximos dias, em Luanda, para recolher o contributo de especialistas nessa área. Ademais, a introdução de novas denominações para crimes suficientemente tipificados e do conhecimento geral ou mais facilmente perceptíveis, são uma aberração jurídica, por não significar melhoria no respeito aos direitos fundamentais, como o crime de violação, que no novo Código Penal será, tristemente, conhecido por autodeterminação sexual. No mesmo Código Penal, o governo de Angola irá agravar as penas de prisão de uma mínima de três meses até a máxima de 25 anos e “em caso algum, nomeadamente por efeito de reincidência, de concurso de crimes ou de prorrogação da pena, pode esta exceder o limite máximo de 30 anos”. Significa que a moldura alojada no art.º 55.º CP deixará de ser de 24 para 25 anos, como a maxima das penas. O homicídio é o crime mais grave previsto e pode ser punido com até 25 anos de cadeia. A proposta não só mantém a imputabilidade penal para indivíduos a partir dos 16 anos de idade, como também persiste na criminalização do aborto, impondo penas de 3 a 4 anos de prisão. Entre as suas várias facetas de actuação, a iniciativa prevê crimes contra as pessoas, contra a família, a fé pública e contra a segurança colectiva, sendo introduzidas normas penais para novos delitos, como os de natureza informática, assédio sexual, peculato, burla, delinquência juvenil e terrorismo. Segundo a comissão encarregada da revisão da mesma legislação, no futuro Código Penal, as molduras penais deixarão de ter uma função apenas sanciona- tória, como no de 1886, passando a privilegiar a reeducação e reinserção do cidadão na sociedade, a prestação de serviços à comunidade, o pagamento de multas, a liberdade vigiada, entre outras. Está ainda previsto o cumprimento de penas ao fim de semana “no estabelecimento prisional mais próximo do domicílio do condenado” ou noutro com o acordo do condenado. Segundo o projecto, “cada período de fim-de-semana, com a duração mínima de 36 horas e a duração máxima de 48 horas, equivale ao cumprimento de cinco dias da pena de prisão aplicada”. Pronunciando-se sobre a proposta, o advogado Salvador Freire da associação Mãos Livres, afirmou que irá haver superlotação nas cadeias porque não existem condições de inserir os presos no processo de reeducação. Numa visão abrangente, houve algumas evoluções mas é deprimente o trabalho, baseado numa cópia dos últimos códigos penais de Portugal, quando se poderia explorar melhor a intelectualidade jurídica do país, ao invés de pagarem consultores estrangeiros para empreitadas distantes da realidade angolana.