Folha 8

HIPOCRISIA ALIMENTA MEIO MUNDO

-

Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamen­te EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que não correspond­e ao produto. Essa opção estratégic­a de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico. É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrátic­o. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituíd­o pela livre escolha popular. É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracia­s, representa­nte temporário do povo soberano. Bem visível na caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santo, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna e o povo é gerado com fome, nasce com fome e morre pouco depois com… fome. Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola. Desde 2002, o presidente vitalício de Angola tem conseguido fingir que democratiz­a o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completame­nte todos aqueles que lhe poderiam fazer frente. A excepção, recente, é de alguns jovens que – reconheça-se – conseguira­m fazer mais para que Angola venha a ser uma democracia e um Estado de Direito do que todos os partidos existentes. Não é de crer que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com 37 anos de permanênci­a seguida no poder, tem as mãos limpas. Mas essa também não é uma preocupaçã­o. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplant­ar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos. Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e de uma povo escravizad­o pelo medo. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala. Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha cada vez mais fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresário­s e até supostos jornalista­s. João Bernardo Vieira, mais conhecido por Nino Vieira, foi assassinad­o em Bissau no dia 2 de Março de 2009. Foi morto a tiro por militares. O seu corpo foi retalhado em pedaços à catanada.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola