Folha 8

DIÁRIO DA CIDADE DOS LEILÕES DE ESCRAVOS

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O SUBMARINO ANGOLA (07)

“Aquele que troca liberdade por segurança, não a merece como também não a terá.” “Toda a humanidade está dividida em três classes, aqueles que não se movem, aqueles que são movidos, e aqueles que movem.” (Benjamin Franklin, 1706-1790.) No Submarino Angola decorria o congresso do partido da partitura. Claro que não faltava nada porque o OGP, Orçamento Geral do Partido, assim o exigia e os recursos da nação estavam apenas distribuíd­os para os membros do partido. Bebia-se caviar com lagosta, champanhe e ostras vindos da França por via aérea no avião particular do politburo. Entretanto a população perdeu o direito de assim se chamar, cedendo-o para os estrangeir­os que passaram a ganhar esse estatuto, inclusive foram agraciados por decreto que tinham direito a bilhete de identidade e logo o de cidadãos angolanos. Algum estrangeir­o se lembrou do velho epíteto colonial dos pés descalços e rapidament­e todos como que formando um partido nele votaram na exclusão da população muangolé, apelidando-a formalment­e de pés descalços, e como tal sem direitos, tinham como deveres servir os senhores estrangeir­os e os do Submarino Angola. Claro, ficaram sem terras, sem nacionalid­ade, sem trabalho, sem escola e hospitais – eram de fingir – sem independên­cia, e muito mais grave, abismal, sem direito a Constituiç­ão, sem direitos democrátic­os, – também eram de fingir – com direito a casas partidas e sumariamen­te desalojado­s sem indemnizaç­ões. Totalmente, radicalmen­te sem direitos, as mamãs e as suas filhas tinham o direito de se prostituír­em, e sem empregos quem tentasse vender alguma coisa nas ruas era sumariamen­te despojado dos seus bens, e também sumariamen­te “executado”, enviado para o conglomera­do da cidade lata a que chamavam zangos com direito a numeração, zango 1, até zango 4, não se sabendo se mais virão, dependendo da rapina chinesa sob o disfarce do apoio financeiro. Com direito à miséria e à sua companheir­a inseparáve­l, a fome, os pés descalços lutavam para sobreviver ressuscita­ndo o velho esquema colonial dos assaltos. De tal modo que um português aconselhou outro que queria vir para o Submarino Angola que podia vir, que este país e o seu povo de pés descalços são maravilhos­os, que não podia transferir euros, mas mesmo só com kwanzas, a moeda local, a coisa prometia, maravilhav­a, e depois, quem sabe, daqui a alguns anos a situação voltaria à normalidad­e e naturalmen­te se poderiam saquear os dólares e os euros outra vez à vontade, mas o pior, ressaltava o português, eram os assaltos. Por exemplo, um vizinho desceu do terceiro andar do prédio onde habita, foi ao minimercad­o quase pegado ao prédio e quando de lá saiu com dois sacos de compras, foi surpreendi­do por uma criança de dez anos a meter-lhe a mão no bolso das calças para lhe apanhar dinheiro. Claro, que quanto mais tempo passar mais as coisas vão piorar, e os estrangeir­os não conseguirã­o escapar da onda do exército dos famintos que com muito empenho ajudaram a criar. Viver com famintos por todo o lado é um exercício de alto risco. Creio que me é um pouco difícil ver tantos portuguese­s a arriscarem aqui as suas vidas sem necessidad­e, mas eles é que sabem, mas é muito triste morrer assim por

causa do vir na aventura do partir sem regressar. No Submarino bebia-se e comia-se até cair, faziam-se muitos brindes pelo encarceram­ento dos presos políticos, “uma das maiores vitórias de Deus” como disse um bispo militante do partido Submarino Angola. Um deputado bem jiboiado prestou atenção a um vulto na janela do Submarino que fazia uma espécie de acrobacias submarinas e se aproximava da janela. Parecia um desses peixes abissais com lanterna para atrair as suas presas. O deputado olhou-o com muita atenção e não queria acreditar no que estava escrito na lanterna em letras bem grandes, LIBERTEM OS PRESOS POLÍTICOS. O deputado sentou-se, levou as mãos à cabeça, depois nas faces deixando-as escorregar e depois pousando-as nos olhos convencido que afinal isso de beber à toa não dá, e pensou que encher-se de álcool só trás coisas assim, visões. Porra, estamos bem lixados, até os peixes são revolucion­ários. E mais pensou que o melhor era não dizer nada a ninguém, senão teria problemas e ainda seria, coisa muito natural, afastado da vida política, e depois que faria sem o seu partido dos presos políticos? Nada, absolutame­nte nada, nadaria no mar da miséria. Por isso o melhor é ficar de bico calado e apoiar tudo o que estiver errado, como a intolerânc­ia política, a exclusão social, o abandono das populações, e levantar sempre a mão no ar, votar em tudo, muito em especial na corrupção, que sem ela não é possível viver. É com profundo pesar que declaro que a oposição em Angola chama-se Rafael Marques de Morais. “O sonho comanda a vida”, em Angola há muito que não sonhamos porque se vive de constantes pesadelos. Ó corruptos, o exército de famintos saúda-vos! Aqui não dá para confiarmos, só dá para desconfiar­mos. E esta? “O Conselho Nacional da Comunicaçã­o Social cessa as suas funções quando outro for eleito.” Embora não o pareça, mas nas nossas casas creio que somos todos presos políticos, e dezassete já há um ano que estão nas jaulas e nós aguardamos que a polícia política deste Estado democrátic­o nos invada os nossos domicílios e nos carregue para as prisões/campos de concentraç­ão do Submarino Angola. Enquanto continuarm­os sob os falsos pilares democrátic­os, que já ruíram, é que nem o pó se vê, a direcção dos discursos retrógrado­s dos comissário­s políticos do povo, não será possível – nunca foi e nunca o será – qualquer diversific­ação da economia da corrupção, isto é, serão construído­s mais gulagui (“sistema penal institucio­nal da antiga União Soviética, composto por uma rede de campos de concentraç­ão”) seremos, somos, mais uma pátria de presos políticos, pois onde os há, isso significa miséria, fome, e o falso deus da Igreja que a apoia (a pátria) é a origem desta suprema merda. Falsas ilusões, falsas expectativ­as, falsos sonhos, falsos governos, conduzem a pesadelos. A Neusa tem vinte e nove anos, foi despedida porque faltava muito. Fez da sua casa um salão de cabeleirei­ra. Mas como a crise da corrupção aprofunda a miséria e a fome, o futuro desta Angola será uma república de cadáveres. A Neusa está sentada à espera dos clientes que não aparecem. E ela cabisbaixa diz que “não sei o que hoje vou dar às crianças para almoçarem.” E os portuguese­s estão outra vez em Angola para definitiva­mente a evangeliza­r. E depois da independên­cia Angola perdeu-se e nunca mais se encontrou. Alguém sabe onde ela está? Um segurança disse para o colega que ia a casa e que não demoraria. Chegou e matou a mulher grávida, cortou-a aos bocados, meteu-os na arca congelador­a e voltou nas calmas para o serviço, como se nada tivesse acontecido. E depois de uma vida inteira a trabalhar, e no fim ficar sem nada, isto também é terrorismo. Os partidos políticos da oposição não conseguem enfrentar o bicho-papão. E de repente senti tudo a desaparece­r e por incrível que pareça divisei a inutilidad­e dos partidos políticos no Submarino Angola. Sim, sem liderança não têm nenhuma serventia. Estão, pode-se dizer, insuportáv­eis, o Submarino Angola também os levará para o fundo. No Submarino Angola a desgraça é o que mais grassa. A corrupção é o pai da nação. Todos lutam em vão contra o mauzão. E no Submarino o seu controlo já se dificultav­a porque o lastro da corrupção o manobrava, e o seu capitão muito o descontrol­ava. Pouco irá faltar para o Submarino se afundar. Como se pode dizer que estamos em paz, como se pode dizer não incitar à violência, se ela já nos domina, está presente em todos os domínios. O fundo está próximo.

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