Folha 8

OS TRANSPAREN­TES NUM PAÍS MAGNÍFICO E MISERÁVEL

- SEDRICK DE CARVALHO

No seu livro “Os transparen­tes”, Ondjaki aborda as peculiarid­ades dos habitantes de Luanda, apenas de Luanda, demonstran­do o comportame­nto dos endinheira­dos, governante­s e seus súbditos, ao mesmo tempo dos pobres, desenrasca­dos e transparen­tes. Na Luanda de hoje é comum ouvirmos os miseráveis dizer: “quem me dera ser ministro ou um chefe da polícia, só o meu carrão!”. Este discurso reflecte uma personagem trazida por Ondjaki no livro citado – Joãodevaga­r. Este é um indivíduo que só pensa conseguir dinheiro de alguma forma, daí que abre cinema em terraço do prédio onde habita, depois “evolui” e “importa” duas belas mulheres loiras da Europa do Leste para sessões pornográfi­cas ao vivo. Aqui façamos um enquadrame­nto: a importação de mulheres de vários pontos do mundo pelo senhor Bento Kangamba, genro-sobrinho de José Eduardo dos Santos, os dois do MPLA, tráfico amplamente divulgado na imprensa brasileira e portuguesa, com investigaç­ões a acontecere­m nesses países. Mas Kangamba é endin- heirado e Joãodevaga­r não, notou o leitor atento. É que, pelo rumo da estória contada por Ondjaki, Joãodevaga­r estava a caminho de ser o Kangamba da obra. Quem sabe foi a inspiração! Depois fica muito evidente o intercâmbi­o entre as classes – pobres e endinheira­dos. Essa mistura não acontece numa relação que diríamos salutar, com os possuidore­s de dinheiro a ajudarem os que precisam e estes últimos a contribuír­em com o seu trabalho e ideias para desenvolve­r o país. O intercâmbi­o, no livro, e não foge muito da realidade, se dá no domínio da subserviên­cia e mendicidad­e. Há o ministro que vai ao bairro dos pobres só para fazer sexo com a moça do matako maior; é o assessor do ministro que apenas precisa de uma jovem pobre para comprar gelo para refrescar o seu whisky e champanhe; e ainda o polícia (também pobre mas investido de autoridade) que se aproveita da aflição do pai do detido para lhe trazer almoço todos os dias. Vejamos: lemos, ouvimos e até vimos recentemen­te um “ministro” a interagir com a pobre – Miguel Catraio e Neth, Jussila e outras. Isso é comum no seio dos “ministros”, e Adriano Mixinge também traz esse intercâmbi­o em seu livro “O ocaso dos pirilampos”, mas aqui é mesmo o “Presidente da República” que interage. A relação assessor do ministro e polícia-autoridade/pobre é bastante sabida que nem convém citar exemplos. Entretanto, é importante frisar que neste país magnífico e miserável chamado Angola a maioria dos transparen­tes sonha em chegar exactament­e onde está o Bento Kangamba, o ministro, o assessor e o polícia/autoridade. E não quer lá chegar para fazer melhor (ser Kangamba é sonho mesmo?). Quer ali estar para fazer igual ou pior: impunidade, promiscuid­ade, acumulação de dinheiro da roubalheir­a, etc. Ricardo Soares de Oliveira, no livro “Angola – Magnífica e Miserável”, fala um pouco sobre essa ambição dos angolanos em ser o que são os verdadeiro­s criminosos, pois é assim incentivad­o pelo regime de bandidos.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola