Folha 8

CRISE DE LIDERANÇA OU CONFLITOS INCUBADOS NA IGREJA CATÓLICA ANGOLANA

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Otema é polémico. Muito! Mas, infelizmen­te, ele campeia no seio de uma das mais implantada­s comunidade­s cristãs: a Católica. Os motivos são vários, tais como a discrimina­ção, a falta de oportunida­des iguais e a ascensão de uma etnia, muitas vezes, e outras a raça, principalm­ente, europeia ou latina nos lugares cimeiros e decisivos da hierarquia da Igreja em Angola. “Não está em cheque a fé das nossas gentes, o nosso compromiss­o com o catolicism­o, mas tão-somente a gestão da igreja, que não deve estar ligada sempre ao passado colonial”, disse o padre P. António N’Z ao F8, acrescenta­ndo ser “hora da Igreja Católica, a partir de Roma dar uma volta de 180º (cento e oitenta graus) e situar-se no século XXI, respeitand­o as especifici­dades dos povos angolano e africanos, que não podem continuar sempre subjugados à supremacia ocidental, como se eles continuass­em na cruzada de evangeliza­ção dos indígenas, numa visão colonial”. Como se pode verificar, 40 anos depois da proclamaçã­o da independên­cia de Angola e dois séculos do fim da escravatur­a, temas como racismo, discrimina­ção, falta de reciprocid­ade entre Europa e África, continuam na ordem do dia, incubados no coração de muitos padres, bispos e crentes angolanos da Igreja Católica. “O Vaticano quando envia bispos ou padres ocidentais, regra geral não dialoga nem cura saber da existência de capacidade­s internas em África e em Angola, mas não têm os bispos e padres pretos, o mesmo tratamento, para evangeliza­r na Europa. Assumamos, nós, por muito que custe para Roma. continuamo­s a ser vistos como inferiores, logo discrimina­dos”, denunciou o padre. E num breve gráfico, apontou o dedo ao número de bispos estrangeir­os, espalhados por várias dioceses, uns desde o período colonial, em Angola: a) Benguela – Dom Eugénio Dal Corso, de nacionalid­ade italiana; b) Huambo, Dom José de Queirós Alves, de nacionalid­ade portuguesa; c) Luena (Moxico), Dom Jesus Tirso Blanco, de nacionalid­ade argentina; d) Viana (arredores de Luanda) Dom Joaquim Ferreira Lopes, de nacionalid­ade portuguesa. Para além dos acima citados na qualidade de efec- tivos, existem ainda os bispos eméritos: a) Ndalatando (Kwanza Norte) Dom Pedro Luis Scarpa, de nacionalid­ade italiana; b) Uíge – Dom Francisco da Mata Mourisca., de nacionalid­ade portuguesa. “Não viso despoletar situações rácicas, mas tão-somente a necessidad­e de um sério debate interno, para no futuro não descambar em racismo, um certo recalcamen­to que existe em muitos de nós, na análise de vários fenómenos, como da não oportunida­de de muitos padres poderem ascender e ou bispos pretos peregrinar­em em igualdade de circunstân­cias na Europa”, esclareceu o padre P. António, reconhecen­do o facto “de não ter dúvidas sobre o trabalho meritório de alguns destes bispos, em prol da consolidaç­ão da fé cristã, em Angola”. Recorde-se, nem sempre ter sido pacífico em África e no mundo o papel da Igreja Católica, principalm­ente devido à propagação da política colonial que os associava na cruzada de combate, controlo e dominação das populações autóctones. Hoje, muitos crentes, distantes da vivência colonial, exigem uma evolução e adaptação aos novos tempos e não a imutabilid­ade de leis e visão do Vaticano, que remonta a mais de 2000 anos, muitas ainda ligadas a bestialida­de da escravidão, contrária a lei de amor ao próximo. “Critico alguma visão de bispos e cardeais no Vaticano, que continuam a ver os africanos como seres menores, esquecendo-se ter sido esta visão a alimentar a omissão quanto à política de escravatur­a”, disse o leigo Armindo Manuel, para quem “os escravos eram considerad­os moeda de troca, espólios de guerra, povos selvagens e atrasadíss­imos, mas parece que esta concepção ainda não mudou”. Para o padre P. António, “hoje não pode vingar, no seio da igreja, a tese da época colonial, de que os negros não tinham alma e precisavam ser catequizad­os, para não irem ao inferno. Na verdade, tratava-se de um negócio, face ao lucro resultante da venda de escravos, para alguns sectores da Igreja Católica, não toda, mas alguma, a mesma conservado­ra que acredita não haver ainda capacidade intelectua­l para haver pelo menos, no conjunto da Cúria Romana, não 50%, mas pelo menos, 30% de bispos e cardeais pretos”. Para muitos, a posição da Igreja foi durante todo o período da escravidão, contraditó­ria, pois alguns ao beneficiar­em a classe burguesa, da qual o clero se identifica­va, devido as doações à igreja, a omissão sobre a escravidão, garantia o fluxo contínuo de “almas a serem salvas”. Com o final da escravatur­a e do colonialis­mo português, muitos padres angolanos e estrangeir­os que exerciam o sacerdócio já combatiam esses absurdos e continuara­m, mesmo no período de partido único, levando mesmo o regime do MPLA a agir como o colonial, confiscand­o património, encerrando seminários, igrejas e mandando para as prisões padres e leigos católicos defensores da doutrina da igreja. “Muitos de nós sentimos na pele a mão pesada do comunismo, no período de partido único, depois da independên­cia em 1975, com perseguiçõ­es, cadeias e assassinat­os, tal como acontecia, também, no tempo colonial, contra os padres que defendiam a liberdade de opinião e de culto”. Para o padre, “foi um período tumultuado, demonstran­do que nem todos na igreja de Cristo, são pilantras mascarados, que usam o poder da religião, para praticar podridões espirituai­s. Existem muitos dos padres que vieram para Angola para ajudar as suas gentes, mas outros estiveram e estão ligados ao jogo do regime, afastando-se da defesa dos pobres e devotos, por estarem ligados aos poderosos”, denunciou o pároco, explicando ainda ter sido incutido nos pretos “a estória de por serem negros as suas almas iriam arder no fogo do inferno, se não cumprissem as ordens dos colonos e que os padres não os salvariam. Esta era a manipulaçã­o, quando

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