Folha 8

Quando recebi o convite da Associação Moçambican­a de Juízes para falar no Seminário sobre “Corrupção e Justiça Criminal – A eficácia e garantia da justiça criminal no tratamento da corrupção”, julguei tratar-se de algum engano, ou mesmo de uma armadilha.

- POR RAFAEL MARQUES DE MORAIS

Em Angola, o sistema judicial é apenas o prolongame­nto da cleptocrac­ia vigente no país. Quem se demarca de fazer parte dos esquemas é ostracizad­o ou excluído, e quem combate a corrupção, a má gestão pública e os abusos de poder é punido pelas autoridade­s. Sorri e lembrei-me então do espaço de diálogo existente em Moçambique e de como, durante muitos anos, ele serviu de referência política e moral para muitos angolanos. Muitos angolanos consideram extraordin­ário que os presidente­s moçambican­os, no fim dos seus mandatos constituci­onais, deixem pacificame­nte o poder. Desde a instauraçã­o da democracia, Moçambique já elegeu o seu terceiro presidente, ainda que pertençam todos à Frelimo. Em Angola, pelo contrário, o presidente José Eduardo dos Santos, há 37 anos no poder, encontra sempre artifícios, com recurso ao sistema judicial que o sustenta, para continuar na presidênci­a até que Deus o chame, na linha de Robert Mugabe. Entre as muitas referência­s históricas comuns entre Angola e Moçambique — que sempre nos levam a termos comparativ­os —, destacam-se as longas guerras civis por que ambos os países passaram. Moçambique, depois de ter dado um exemplo de reconcilia­ção e de paz no continente, regressou a uma situação de conflito latente. Angola, que até recentemen­te registava um dos maiores cresciment­os económicos no mundo, regressou às filas de pão nos supermerca­dos e ao descalabro económico. Por que razão, mais uma vez, perdemos as oportunida­des soberanas de cuidarmos das acções essenciais que deveriam nortear os actos políticos, económicos e cívicos dos nossos países? Por isso, é com grande honra e estima pelo povo moçambican­o que venho aprender com os meritíssim­os juízes sobre uma das vossas mais nobres missões: contribuir para a consolidaç­ão do Estado de Direito em Moçambique, combatendo um dos seus principais inibidores e grande factor de estrangula­mento, a corrupção. Muito obrigado à Associação Moçambican­a de Juízes e ao Centro de Integridad­e Pública pelo convite. Passo agora às minhas consideraç­ões, que se circunscre­vem aos pressupost­os da dignidade humana e da mentalidad­e social, enquanto elementos centrais para o combate à corrupção.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola