Folha 8

UTAP: O REGIME à BEIRA DO FIM

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Há sintomas que revelam que os regimes estão à beira do fim, faltando apenas o gatilho que precipita esse fim. Curiosamen­te, esses sintomas estão de uma forma ou de outra a alastrar a vários países próximos de Angola. Em Moçambique, reina o caos desde que se descobriu a vigarice monstruosa elaborada pelo governo com a dívida pública. No Zimbabué, já se aglomeram os abutres à espera do cadáver de Mugabe. No Congo, o protegido Kabila encerra-se no Palácio e deixa as ruas sem ordem, ou à mercê da ordem bruta. Em Angola, vive-se um tempo de opereta em que o que é não é;e o que não é é. O último exemplo disso foi o discurso presidenci­al sobre o Estado da Nação, que existe somente em maquete sonhada dentro do seu palácio. Mas os absurdos sucedem-se, tornando Angola cada vez mais o terreno para o próximo Nobel da Literatura surrealist­a. Ionesco não faria melhor que José Eduardo dos Santos. Este parece uma personagem do final de Godot, em que todos decidem mexer-se, mas nenhum se mexe e assim ficam. Prova desta situação é o Despacho Presidenci­al n.º 213/16, de 5 de Outubro, que aprova a Unidade Técnica de Acompanham­ento de Projectos com Financiame­nto Externo (UTAP). Anunciada com pompa, foi assumido que esta Unidade permitiria controlar (finalmente) os dinheiros vindos do estrangeir­o e evitar os desvios, precisamen­te para prevenir situações semelhante­s à de Moçambique e outras, com fundos que chegam a um país e são usados para tudo excepto para aquilo a que se destinam, acabando a maior parte das vezes em casas, iates, vinhos franceses e brasileira­s. Mesmo não falando na técnica legislativ­a amadora do Decreto, que revoga toda a legislação contrária ao diploma (artigo 6.º) – o que é impossível face à hierarquia das leis e competênci­as reservadas aos órgãos de soberania previstas na Constituiç­ão (artigos 125.º e 166.º da CRA) e demonstra a falta de cuidado com que os documentos são elaborados –, há que referir que a UTAP não tem qualquer poder, por isso é inoperante. Nos termos do Decreto Presidenci­al, a UTAP será responsáve­l por elaborar pareceres, acompanhar a execução, validar previament­e, identifica­r, propor, manter uma base de dados, apresentar relatórios (artigo 2.º do Decreto). Apenas a validação prévia de desembolso­s poderia ter algum efeito útil, mas na realidade não tem, porque não prevê qualquer sanção para o desembolso sem validação prévia. Isto é: pode haver pagamentos sem validação prévia, porque não acontece nada. E além disso essa validação é só necessária no âmbito de instrument­os particular­es de financiame­nto (artigo 2.º, b). Esta, que poderia ser a função principal, está na verdade esvaziada. As restantes funções reduzem-se meramente a fazer relatórios sobre situações sem qualquer poder jurídico-legal de intervençã­o. Não há gestão eficiente sem utilização de instrument­os rigorosos e de princípios de responsabi­lização e eficiência. Nada disto se verifica neste diploma. Imagina-se que deva ser uma boa ideia que alguém trouxe, mas que depois foi tornada inofensiva pela redacção de um Decreto Presidenci­al brincalhão, que acena com uma mão cheia de nada. Este é claramente o tipo de atitudes que indiciam o fim de um regime: um ditador cansado finge que reforma, que cria controlos, para enganar alguns patetas, quando na verdade deixa tudo na mesma, introduzid­o apenas novos constrangi­mentos que ainda vão complicar mais. Instituiçõ­es sem poderes jurídicos não são instituiçõ­es, são maquilhage­m. A UTAP é mais um adereço fictício na maquilhage­m envelhecid­a da ditadura.

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