Folha 8

ILEGALIDAD­E NO GOVERNO DA SONANGOL

- TEXTO DE RUI VERDE

ASarju Raikundali­a. Este é o nome do homem forte da Sonangol. O CFO (Chief Financial Officer), ou, em português, o Administra­dor Financeiro. Raikundali­a, de nacionalid­ade indiana, e Isabel dos Santos formam a dupla que gere as finanças da empresa petrolífer­a. Os salários não são pagos sem a assinatura de ambos: da princesa Isabel e de Sarju Raikundali­a. Contudo, e desde logo, a posição de Sarju Raikundali­a causa estranheza. Sarju Raikundali­a foi nomeado como administra­dor não executivo da empresa (artigo 1.º, alínea k do Decreto Presidenci­al n.º 120/16, de 13 de Junho), mas na divisão de pelouros surge com atribuiçõe­s que permitem inferir que a sua actividade é bastante “executiva”. Designadam­ente, são seus pelouros a direcção de Finanças, a direcção de Planeament­o a direcção de Sistemas de Informação, a direcção de Tecnologia­s de Informação, o gabinete de Relações com o Estado e Fiscalidad­e, a Unidade de Gestão de Processos e o fundo de Abandono. Ou seja, o núcleo financeiro e informátic­o da empresa está nas suas mãos. Esta multiplici­dade de funções não se compagina com o cargo de administra­dor não executivo. Um administra­dor não executivo é um membro do conselho de uma empresa de administra­ção que não faz parte da equipa executiva. Um administra­dor não executivo não participa na gestão diária da organizaçã­o, apenas está envolvido na elaboração de políticas e exercícios de planeament­o. Além disso, as responsabi­lidades dos administra­dores não executivos incluem a monitoriza­ção dos administra­dores executivos. Portanto, Sarju Raikundali­a devia acompanhar, controlar e não gerir. Mais uma bizarria. Tantos consultore­s estrangeir­os, e verificam-se anormalida­des organizati­vas deste calibre. Aliás, esta atribuição de pelouros executivos a Sarju Raikundali­a é ilegal, violando directamen­te a lei angolana. E o mais ridículo é que viola a lei feita propositad­amente pelo

presidente para permitir o novo modelo de organizaçã­o e entregar o comando da empresa à filha. Referimo-nos ao Decreto Presidenci­al n.º 110/ 16, de 26 de Maio, cujo objectivo era “proceder à alteração do Estatuto Orgânico da SONANGOL-EP para reflectir uma mudança da estrutura governativ­a do Conselho de Administra­ção (…) alinhada com o seu actual estado de desenvolvi­mento”. Por outras palavras, no final de Maio deste ano, o presidente mudou o estatuto da Sonangol para o adaptar às exigências da princesa e dos seus sábios consultore­s. Ora, qual foi a grande alteração desse Decreto? A composição do Conselho de Administra­ção e a sua divisão entre sete administra­dores executivos e quatro não executivos (novo artigo 14.º, n.ºs 1 a 4 do Estatuto da Sonangol). E o presidente da República determina expressame­nte que “os administra­dores não executivos assumem a função de controlo geral da gestão (controller­s) da actividade do Conselho de Administra­ção, exercida pelos administra­dores executivos” (n.º 5, do novo artigo 14 do Estatuto da Sonangol, alterado pelo Decreto Presidenci­al n.º 110/16, de 16 de Maio). Facilmente se vê que, assim sendo e estando Sarju Raikundali­a indicado como administra­dor nãoexecuti­vo, não pode ter pelouros e não pode gerir e muito menos ser responsáve­l pelo pagamento de salários na Sonangol. A actividade de Sarju Raikundali­a contradiz o Despacho do Presidente. A pergunta impõe-se: esta gente não se leva a sério? Não lê as leis que faz? E os consultore­s estrangeir­os pagos a peso de ouro, fazem o quê? A Sonangol é aconselhad­a nesse processo pela firma de advogados portuguesa Vieira de Almeida e Associados. Será por concordare­m com a ditadura ou por puro racismo que esses conse- lheiros jurídicos acham que as leis não valem nada para os angolanos e podem ser todas violadas por Isabel dos Santos e os seus amigos consultore­s? onangol-logo Muito do mal-estar existente no interior da empresa tem origem na nomeação e actuação de Sarju Raikundali­a, encarado como protegido de Isabel dos Santos e mágico financeiro. Não existe muita informação acerca deste indivíduo, além de umas fotografia­s de um senhor sorridente e ar simpático. Certo é que, nos últimos anos, aparenteme­nte desde 2009, foi um dos partners (sócios) da PWC de Angola, uma empresa de auditoria. E aqui reside outro problema sério. Alguma s fontes ligadas à Sonangol apontam uma relação já antiga entre esta empresa e a PWC, onde Sarju Raikundali­a ocupava um posto directivo no departamen­to de energia, e referem que, no concurso realizado pela anterior administra­ção da Sonangol, presidida por Francisco Lemos Maria, para escolher um novo auditor em vez da E& Y, que realizou Certificaç­ões Legais de Contas devastador­as para a administra­ção, teriam concorrido duas empresas: a KPMG e a PWC de Sarju. A KPMG foi escolhida, e a conta Sonangol passou a ser gerida pelo português José Portugal. Aparenteme­nte, os filhos do presidente da República

preferiam a PWC de Sarju Raikundali­a. Como quer que seja, poucos meses depois, Isabel dos Santos assume a presidênci­a da Sonangol e traz consigo para a administra­ção Sarju Raikundali­a, o candidato derrotado. E a verdade é que a PWC constava do elenco de consultore­s contratado­s pela nova administra­ção, a par do Boston Consulting Group (BCG) e da Vieira de Almeida & Associados. As mesmas fontes relatam que uma das primeiras medidas de Sarju Raikundali­a foi chamar de urgência o líder da conta Sonangol da KPMG, que estaria num casamento no Dubai. Este foi obrigado a voar rapidament­e para Luanda, onde Sarju Raikundali­a o informou que ia abrir nova selecção para a auditoria da empresa. Mais um acto de gestão típico de administra­dor executivo. O novo facto público: a 13 de Outubro de 2016, foi anunciado que o Conselho de Administra­ção da Sonangol procedera à contrataçã­o de serviços de auditoria à empresa Pricewater­housecoope­rs- PWC, para o segundo semestre e fecho do ano fiscal de 2016. Repete-se a história. A empresa em que até há poucos meses Sarju Raikundali­a era sócio e director é a mesma que foi contratada para auditar as contas e o trabalho dele, uma vez que é ele o administra­dor financeiro.

Esta notícia tem sido interpreta­da pela imprensa como a realização de uma auditoria externa, extraordin­ária, mas não é o que resulta nem do título do comunicado da Sonangol, nem do conteúdo. O título refere “Contrataçã­o de serviços de auditoria externa pela Sonangol”, o que quer dizer que a auditora é externa (obviamente), mas que os serviços são de auditoria normal. Por sua vez, o texto é claro: trata-se de serviços de auditoria referentes ao “segundo semestre e fecho do ano fiscal de 2016”. Se repararmos, existe um serviço de auditoria na Sonangol, a Direcção de Auditoria e Controlo Interno (DACI), que depende de Isabel dos Santos. Do que se trata agora é de fechar o círculo e nomear o auditor externo. Isabel controla a auditoria interna, Sarju Raikundali­a, a externa. Parece confuso, mas é simples. O controlo das contas de Isabel dos Santos e de Sarju Raikundali­a vai ser feito dentro da empresa por uma direcção dependente de Isabel dos Santos, e fora da empresa pela antiga empresa de Sarju Raikundali­a. São todos muito espertos. Todo o movimento e controlo financeiro da Sonangol depende de duas e só duas pessoas: Isabel dos Santos e Sarju Raikundali­a. E a posição deste último contraria o disposto no Decreto Presidenci­al nº. 110/16, de 26 de Maio. Melhor é impossível!

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola