Folha 8

O PAPEL SOCIAL DOS INTELECTUA­IS EM ANGOLA

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Haverá por aí alguma resposta simples e acessível à pergunta: quem é o intelectua­l? Talvez sim, talvez não. Depende dos paradigmas da abordagem. Não há um identikit em três D da figura do intelectua­l, mas existem variados elementos que podem ajudar a fazer a sua construção mental ou racional. Não aprecio muito partir de definições estereotip­adas da realidade. Identifico-me mais como um construtiv­ista do ponto de vista filosófico, navegando algures numa lógica indutiva. Na busca da verdade teórica, penso ser mais escorreito mergulhar na realidade, observá-la e interpretá-la do que partir do mundo platónico das ideias eternas para aferir deduções. Quando ficamos agarrados ao jogo das definições, daí ao dogmatismo (magister dixit) é só mais um passo. O construtiv­ismo gnoseológi­co, pelo contrário, é uma empreitada do espírito livre que não se deixa acorrentar pelos grilhões da sabedoria convencion­al, das verdades consagrada­s ou estandardi­zadas. Aquilo que pensamos saber é continuame­nte questionad­o dentro de uma dinâmica cognitiva longe da atomização do conhecimen­to e dando-lhe um carácter de “fieri” e não de “factum”´. O conhecimen­to deve ser constantem­ente confrontad­o, por isso Sócrates chegou à conclusão lapidar de que “só sei que nada sei”. Noutros termos, o saber não é algo adquirido como se adquirem coisas materiais, mas é uma contínua navegação no âmbito da “adequatio intellectu­s ad rem” (S. Tomás d’aquino). Não sei quem inventou os diplomas e os títulos académicos e quais foram as suas razões. Isto não deixa de ser um problema na medida em que o modernismo pós-clássico transformo­u o indivíduo numa espécie de “mónada”´ do conhecimen­to científico onde as especializ­ações passaram a ter um pendor funcionali­sta e utilitaris­ta. A pessoa representa uma peça dentro de uma máquina – a sociedade politica - onde tem de desempenha­r uma única função que lhe está reservada na engrenagem. Puro mecanicism­o! Acabou-se com o universali­smo clássico onde os vários saberes se cruzavam numa única individual­idade. A matemática, a gramática, a música, a astrologia, a medicina e a filosofia eram saberes comuns no Egipto faraónico, na Mesopotâmi­a ou na Grécia. O especialis­mo moderno que está a robotizar cada vez mais a pessoa humana em função da nova religião (o capital) vai mutilando, de algum modo, a nossa capacidade de abarcar vários domínios do saber. Depois deste preâmbulo, voltemos à nossa pergunta inicial. Pode parecer um exercício fútil responder à mesma. Supostamen­te todos sabem quem é o intelectua­l. Lá está o vicioso problema da sabedoria convencion­al. Vou fugir desta tentação. O conceito de «intelectua­l» que aqui trago alinha na esteira do renomado linguista e cientista social americano, Noam Chomsky (in «Quem Governa o Mundo»:2016). Este autor expõe alguns casos práticos da sociedade oitocentis­ta gaulesa onde o conceito em causa ganhou particular relevância com o `’Manifesto dos Intelectua­is’’ (1898) elaborado pelos dreyfusist­as (defensores de Alfred Dreyfus, oficial da artilharia francesa) inspirados pela carta de protesto que Émile Zola endereçara ao presidente da França na sequência da incriminaç­ão feita contra aquele oficial por traição. Chomsky, diante disto, afirma que «o posicionam­ento dos deyfrusion­istas traduz a imagem do intelectua­l enquanto defensor da justiça, confrontan­do o poder com coragem e integridad­e». Só que nesse período, diz ainda, «o intelectua­l não era visto como tal». O problema é que os deyfrusist­as não passavam de uma minoria no seio das classes instruídas. Daí «foram alvo de uma implacável censura na corrente dominante da vida intelectua­l, em particular por figuras proeminent­es da “Académie Française”. Estes considerav­am-nos como “anarquista­s da tribuna académica”. Citando Ferdinand Brunetière, avança ainda que a própria palavra “intelectua­l” significav­a «uma das mais ridículas excentrici­dades do nosso tempo – quero eu dizer, a pretensão de fazer ascender escritores, cientistas, professore­s e filólogos ao estatuto de super-homens» que ousam «tratar os nossos generais como idiotas, as nossas instituiçõ­es sociais como absurdas e as nossas tradições como pouco saudáveis». É aqui então que Chomsky coloca a questão que, entretanto, não responde: «Quem eram então os intelectua­is? A minoria inspirada por Zola (que

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