O PAPEL SOCIAL DOS INTELECTUAIS EM ANGOLA
Haverá por aí alguma resposta simples e acessível à pergunta: quem é o intelectual? Talvez sim, talvez não. Depende dos paradigmas da abordagem. Não há um identikit em três D da figura do intelectual, mas existem variados elementos que podem ajudar a fazer a sua construção mental ou racional. Não aprecio muito partir de definições estereotipadas da realidade. Identifico-me mais como um construtivista do ponto de vista filosófico, navegando algures numa lógica indutiva. Na busca da verdade teórica, penso ser mais escorreito mergulhar na realidade, observá-la e interpretá-la do que partir do mundo platónico das ideias eternas para aferir deduções. Quando ficamos agarrados ao jogo das definições, daí ao dogmatismo (magister dixit) é só mais um passo. O construtivismo gnoseológico, pelo contrário, é uma empreitada do espírito livre que não se deixa acorrentar pelos grilhões da sabedoria convencional, das verdades consagradas ou estandardizadas. Aquilo que pensamos saber é continuamente questionado dentro de uma dinâmica cognitiva longe da atomização do conhecimento e dando-lhe um carácter de “fieri” e não de “factum”´. O conhecimento deve ser constantemente confrontado, por isso Sócrates chegou à conclusão lapidar de que “só sei que nada sei”. Noutros termos, o saber não é algo adquirido como se adquirem coisas materiais, mas é uma contínua navegação no âmbito da “adequatio intellectus ad rem” (S. Tomás d’aquino). Não sei quem inventou os diplomas e os títulos académicos e quais foram as suas razões. Isto não deixa de ser um problema na medida em que o modernismo pós-clássico transformou o indivíduo numa espécie de “mónada”´ do conhecimento científico onde as especializações passaram a ter um pendor funcionalista e utilitarista. A pessoa representa uma peça dentro de uma máquina – a sociedade politica - onde tem de desempenhar uma única função que lhe está reservada na engrenagem. Puro mecanicismo! Acabou-se com o universalismo clássico onde os vários saberes se cruzavam numa única individualidade. A matemática, a gramática, a música, a astrologia, a medicina e a filosofia eram saberes comuns no Egipto faraónico, na Mesopotâmia ou na Grécia. O especialismo moderno que está a robotizar cada vez mais a pessoa humana em função da nova religião (o capital) vai mutilando, de algum modo, a nossa capacidade de abarcar vários domínios do saber. Depois deste preâmbulo, voltemos à nossa pergunta inicial. Pode parecer um exercício fútil responder à mesma. Supostamente todos sabem quem é o intelectual. Lá está o vicioso problema da sabedoria convencional. Vou fugir desta tentação. O conceito de «intelectual» que aqui trago alinha na esteira do renomado linguista e cientista social americano, Noam Chomsky (in «Quem Governa o Mundo»:2016). Este autor expõe alguns casos práticos da sociedade oitocentista gaulesa onde o conceito em causa ganhou particular relevância com o `’Manifesto dos Intelectuais’’ (1898) elaborado pelos dreyfusistas (defensores de Alfred Dreyfus, oficial da artilharia francesa) inspirados pela carta de protesto que Émile Zola endereçara ao presidente da França na sequência da incriminação feita contra aquele oficial por traição. Chomsky, diante disto, afirma que «o posicionamento dos deyfrusionistas traduz a imagem do intelectual enquanto defensor da justiça, confrontando o poder com coragem e integridade». Só que nesse período, diz ainda, «o intelectual não era visto como tal». O problema é que os deyfrusistas não passavam de uma minoria no seio das classes instruídas. Daí «foram alvo de uma implacável censura na corrente dominante da vida intelectual, em particular por figuras proeminentes da “Académie Française”. Estes consideravam-nos como “anarquistas da tribuna académica”. Citando Ferdinand Brunetière, avança ainda que a própria palavra “intelectual” significava «uma das mais ridículas excentricidades do nosso tempo – quero eu dizer, a pretensão de fazer ascender escritores, cientistas, professores e filólogos ao estatuto de super-homens» que ousam «tratar os nossos generais como idiotas, as nossas instituições sociais como absurdas e as nossas tradições como pouco saudáveis». É aqui então que Chomsky coloca a questão que, entretanto, não responde: «Quem eram então os intelectuais? A minoria inspirada por Zola (que