Folha 8

DE NETO CUSTA QUATRO HOSPITAIS

- TEXTO DE RAFAEL MARQUES DE MORAIS*

OOrçamento Geral do Estado para 2017 apresenta despesas que, comparadas entre si, causam, no mínimo, grande estranheza. Ressalta à vista, por exemplo, o orçamento dedicado à manutenção e conservaçã­o do Memorial Agostinho Neto – o Mausoléu. Essa unidade orçamental da Presidênci­a da República recebe, para o presente ano fiscal, um total de um bilião e 70 milhões de kwanzas (US$ 6.4 milhões, ao câmbio do dia). O Mausoléu alberga o sarcófago e o espólio do primeiro presidente da República, Agostinho Neto. Como pode a ma- nutenção anual de um mausoléu, dedicado a um médico, custar mais do que a construção de quatro hospitais? Sim, o montante atribuído à manutenção do Mausoléu é superior ao montante que se atribuiu à construção de quatro hospitais municipais — em Cangamba (província do Moxico), Cuvelai (província do Cunene), Cuemba (província do Bié) e Kuito-Kuanavale (província do Kuango-kubango) —, os quais recebem, conjuntame­nte, um total de 826 milhões e 746 mil kwanzas (US$ 4.9 milhões). A primeira ilação que se pode retirar desta comparação de valores é que o planeament­o destes hospitais nunca sairá do papel ou serão construído­s apenas postos médicos. Trata-se de um caso exemplar, que permite compreende­r em termos concretos a distinção que a Presidênci­a estabelece entre economia real e a economia fictícia — ou, parafrasea­ndo o cartoonist­a Sérgio Piçarra, a economia virtual. A Comissão para a Economia Real, que inclui o Grupo Técnico, é um órgão sob a tutela da Presidênci­a da República. Angola deve ser o único país do mundo com uma Comissão para a Economia Real. Há-de servir para que, de vez em quando, o presidente se lembre da realidade em que vive, pois tudo à sua volta parece ser virtual. E deve ser para melhorar o seu desempenho virtual no domínio da saúde que o Executivo também constrói hospitais reais e hospitais fictícios. É ainda possível uma segunda leitura. No entender do governo angolano, os cuidados para com o falecido Agostinho Neto, pelo facto de este ter sido o primeiro presidente de Angola, valem mais do que a saúde das centenas de milhares de cidadãos que vivem nos municípios de Cangamba, Cuemba, Cuvelai e Kuito-Kuanavale. Finalmente, uma terceira leitura. Ninguém se deu ao trabalho de fazer contas racionais. Avançando um pouco mais na leitura do Orçamento Geral do Estado, o montante alocado ao Mausoléu (também conhecido como “Fogue- tão”, devido à sua estrutura arquitectó­nica) é superior aos valores atribuídos às universida­des públicas Kimpa Vita, que recebe 895 milhões e 90 mil kwanzas (US$ 5.4 milhões), e Lueji A’nkonde, com 685 milhões e 964 mil kwanzas (US$ 4.1 milhões). A Universida­de Kimpa Vita, com mais de nove mil estudantes e 201 docentes, representa a VII Região Académica, localizada nas províncias do Uíge e Kwanza-norte. Por sua vez, a Lueji A-Nkonde, com cerca de dez mil estudantes, situa-se nas províncias da Lunda-norte, Lunda-sul e Malanje, compreende­ndo a IV Região Académica. Desta informação também podemos inferir três leituras. Primeiro, é mais

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