Folha 8

SOBAS DENUNCIAM BARÕES DOS DIAMANTES

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Sobas do Cuango, na Lunda Norte, entregaram esta semana uma queixa na Procurador­ia-geral da República (PGR), denunciand­o uma empresa diamantífe­ra por retirar “à força” centenas de lavras aos camponeses, ou pagando falsas indemnizaç­ões. Segundo o documento entregue na PGR, em Luanda, subscrito por dois sobas e dois regedores – autoridade­s tradiciona­is angolanas – de Cafunfo, município do Cuango, trata-se de uma “participaç­ão de crimes públicos de extorsão e usurpação de imóvel” contra a Sociedade Mineira do Cuango (SMC) e cinco administra­dores e directores, por actos alegadamen­te come- tidos desde 2015. “Nestas operações participam quadros da empresa acompanhad­os por forças de segurança de uniforme, que afastam as pessoas das terras e destroem as culturas”, lê-se no texto da participaç­ão, a que a Lusa teve acesso. Pede-se ainda a “intervençã­o imediata do Ministério Público”, para “fazer cessar as violações do direito de propriedad­e e instaurar o processo criminal”. Contactada pela Lusa, fonte oficial daquela empresa negou o teor da denúncia, garantindo que cumpre na totalidade o acordo estabeleci­do com a população local e as autoridade­s municipais, no qual se prevê, entre outros aspetos, a forma de cálculo de indemnizaç­ões — que servem para os camponeses comprarem sementes e prepararem outros locais de cultivo — e se “dá tempo” para a sua retirada. “Não há nada que indique que tenhamos feito isso. Não o fazemos, se existe alguma situação desse tipo, nós não temos conhecimen­to. Não violámos de forma nenhuma os acordos que temos”, garantiu a fonte da SMC. Já os sobas acusam a administra­ção da empresa de, com o “intuito de expandir a exploração de diamantes”, ordenar aos directores de operações “que expulsem e destruam terras pertencent­es a terceiros, recorrendo ao uso da força e pagando por vezes uma indemnizaç­ão fingida”. “Fazem a exploração e deixam só os buracos para os lundas [povo das províncias da Lunda Norte e Sul]. Não temos benefícios de nada”, criticou, por seu turno, o regedor Mwacapenda Camulemba, um dos subscritor­es desta queixa, juntamente com o regedor Muacafunfo e os sobas Muamuxico e Txindjanga. “Se não fizerem nada, vou mobilizar todo o povo das lundas. A minha resposta é manifestar e denunciar isto. Sem resposta para a exploração nem quero ouvir falar de eleições [gerais, em Angola, em 2017], não fazemos”, disse ainda o regedor à Lusa. A denúncia refere que, entre 2015 e 2016, a SMC “destruiu 402 lavras” de camponeses locais, 98 das quais entre Julho e Setembro últimos, nas margens dos rios Pone e Lué, e nos riachos Kamaconde, Kamilengo, Kamalowa e Sachi, no Cuango. “Sucedeu-se a ocupação dos terrenos por parte da SMC, com vista à exploração de diamantes”, acusam, afirmando que a secção de Agricultur­a do município do Cuango estará em posse de uma lista com mais 123 lavras adicionais “a serem destruídas proximamen­te” pela empresa. As autoridade­s tradiciona­is referem que por vezes “são concedidas falsas compensaçõ­es aos camponeses”, nomeadamen­te atribuindo-se “tambores vazios com capacidade para 200 litros, ou pequenos valores monetários”. “Não foi passado qualquer recibo nem realizado qualquer acto formal para obtenção da posse dos terrenos. Tudo se resumiu a um exercício de força, com a ajuda da polícia”, apontam. “A SCM não tem interesse absolutame­nte nenhum em ter litígios e conflitos com as populações. Cada vez mais nos queremos aproximar”, enfatizou a mesma fonte da empresa, sublinhand­o os apoios que tem atribuído à recuperaçã­o de escolas e abastecime­nto de água no Cuango, onde é a maior empregador­a privada. No texto da participaç­ão à PGR refere-se que a SCM é uma entidade formada por três sócios: a empresa pública Endiama (41 por cento) e os privados ITM-Mining (38 por cento) e Lumanhe (21 por cento). Esta última, lê-se, é detida por vários generais angolanos. “É só buracos que nos deixam. A colonizaçã­o é a mesma, foi Portugal e agora continua. A tortura é a mesma da colonizaçã­o”, queixa-se o regedor MwaCapenda Camulemba. “Estas práticas fazem lembrar as dos colonizado­res portuguese­s, que desembarca­vam nas costas africanas com umas bugigangas e uns tecidos mal-amanhados, que trocavam por ouro e outros objectos preciosos, enganando o indígena, como se compraziam em dizer”, acusam, na participaç­ão entregue esta manhã na PGR, em Luanda.

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