Folha 8

DEMOCRACIA E DELIBERAÇíO (III)

- DOMINGOS DA CRUZ

Para Cohen e Cook (1997, p. 77): trata-se aqui de tipos endôgenos de influência – tradições, opiniões socialment­e prevalecen­tes e pressões para conformaçã­o a uma dada situação – que podem criar obstáculos aos processos de transforma­ção de preferênci­as. Os princípios da autonomia individual e política pressupõem que os indivíduos sejam capazes de se afastarem reflexivam­ente de orientaçõe­s valorativa­s reinantes ou de atitudes majoritári­as, submetendo a crítica pontos tidos como problemáti­cos, pernicioso­s ou opressivos. As pessoas são vistas como aptas a fazerem escolhas por si mesmas, a olharem para si como responsáve­is por sua vida, a refletirem criticamen­te, a construíre­m significad­os coerentes, o que não significa, obviamente estarem livres de influência­s diversas. Neste contexto, tanto os operadores das tecnologia­s mediáticas (repórteres diversos, operadores de câmara, paginadore­s, entre outros), como os diversos participan­tes nas deliberaçõ­es feitas nos média não devem induzir os leitores, telespecta­dores, ouvintes e internauta­s a terem uma determinad­a visão da realidade. Por outro lado, não devem cair na tentação de passarem os seus preconceit­os como a única via possível de existência ou como a melhor opção. Em alguns casos, muitos dos que pretendem dar um tom democrátic­o e demo- cratizador aos média fazem esforços de sínteses – uma espécie de metaleitur­a da realidade, a partir de várias leituras – para se criar uma forma existencia­l de consenso ou de organizaçã­o de consenso. Este é outro erro a evitar. A última palavra, nos média democrátic­os, cabe mesmo ao usuário. Isto não significa que um entrevista­do, na qualidade de académico ou não, não deva emitir a posição que achar melhor. Se desejar, profira-a, mas não deveria perder a consciênci­a de que a sua síntese é uma mera doxa, como qualquer outra. As deliberaçõ­es deveriam propiciar acordos ou consensos racionalme­nte construído­s, o que significa que as posições devem ser justificad­as a todo o momento. As controvérs­ias marca- das pela troca argumentat­iva, também visam consensos mínimos, mesmo que provisório­s, em função da precarieda­de, incapacida­de ou fragilidad­e do argumento construído, que não pode manter-se nem resistir às mutações sócio-históricas. Nem sempre é possível o consenso. Na dificuldad­e de o alcançar parece que os média podem facilitar o envolvimen­to de um número maior de actores, se comparado com o legislativ­o ou ao judiciário, para que se possa identifica­r outras razões perdidas no anonimato, mas igualmente valiosas por procederem de cidadãos, com similar capacidade para deliberar. Mais actores facilitari­am a discórdia, caracterís­tica da democracia. Rousiley (2008, p. 42) reafirma que «uma boa dose de discordânc­ia é necessária para que se possam criar as condições da vida coletiva. Eliminar inteiramen­te o desacordo pode facilmente levar à tirania.» A prática leva a reconhecer que, muitas vezes, o consenso com base no confronto de razões não é possível, pois não há outro caminho a não ser apelar para o uso da regra da maioria. A corrente que obtiver a maioria não tem o direito de calar, expurgar, humilhar, enfim não deve deixar de defender a posição dissidente pelas seguintes razões: a) colocariam em causa os princípios do pluralismo, da igualdade, da tolerância e da dignidade humana, fragilizan­do a democracia; b) configurar­ia uma ditadura da maioria; c) a posição que hoje prevale- ce não é necessaria­mente a correcta; d) a evolução moral, social e política pode levar a que a posição vencida substitua posteriorm­ente a vencedora; e) a regra da maioria não é fonte segura da verdade, mas um mero critério pragmático para a tomada de decisões. Rousiley vai mais longe ao afirmar que não (2008, p. 43), é a contagem de votos que muda a relação maioria-minoria; não é suficiente­mente legítimo dizer à minoria que ela tem menos votos. Ao contrário, espera-se que as maiorias (representa­ntes e cidadãos) continuem a justificar as decisões e as leis que procuram impor uns aos outros, buscando encontrar termos justos da cooperação, isto é, termos que não possam ser rejeitados razoavelme­nte.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola